O sonho de viajar a preços acessíveis levou muitos brasileiros a comprar pacotes de viagens nacionais e internacionais com o Hurb, antigo Hotel Urbano. No entanto, a empresa vive crise depois de não conseguir cumprir com a grande quantidade de viagens compradas, o que acarretou inúmeros problemas envolvendo o seu nome há, pelo menos, um ano.

Só em 2023, ao menos 131 processos correm contra o Hurb na Justiça de Mato Grosso do Sul por casos diversos que vão desde viagens atrasadas, falta de emissão de passagens ou até mesmo completa omissão da empresa na hora do suporte. Razões que colocaram o Hurb no topo da lista das empresas de turismo com maior número de reclamações no Procon de MS.

Muita gente que comprou não conseguiu viajar e quem tinha o interesse acabou desistindo. Não é à toa que por trás dos anúncios atraentes do Hurb existe uma série de irregularidades que ferem o Código do Consumidor por parte da empresa.

O Hurb é uma agência de viagens que chama a atenção dos consumidores pelos pacotes nacionais e internacionais com preços atrativos. No entanto, não é de hoje que clientes têm colecionado problemas que vão desde cancelamento até mudanças repentinas de datas das viagens. Cada vez mais os relatos são frequentes.

131 ações contra o Hurb somente em 2023

Em Mato Grosso do Sul, 131 casos semelhantes foram parar na Justiça de , Água Clara, Bonito, Caarapó, dentre outras cidades somente neste ano. Um dos mais recentes, inclusive, foi recebido no dia 15 de agosto. Nele, consumidor, representado pelo advogado Luiz Felipe Villagra Aguilera, moveu ação em virtude dos prejuízos causados, moral e material, a ele e aos filhos. Por isso, pediu indenização. 

O advogado conversou com o Jornal Midiamax e explicou que foi a primeira ação contra o Hurb que atende, mas percebe o aumento de das obrigações não cumpridas pela empresa, o que deve gerar novas demandas judiciais. 

No caso em questão, o cliente comprou pacote de viagens para as férias e já se deparou com o péssimo atendimento e falta de informações repassadas pela empresa, mesmo após diversas tentativas de contato. 

A insegurança fez o viajante tomar a decisão de não viajar mais com o Hurb, pedindo o reembolso do valor pago, medida já prevista em contrato. No entanto, a empresa não pagou o valor até o momento. 

“Assim, o autor foi voluntariamente ao Procon-MS para tentativa de acordo – o que terminou sem composição amigável e gerando o direito de ação”, disse Aguillera.  

Pacotes viagem Hurb
Pacotes de viagem oferecidos pelo Hurb (Reprodução, site)

Datas modificadas constantemente

Enquanto o cliente tenta conseguir o seu reembolso, há pessoas que se desesperam com a possibilidade de sequer conseguirem viajar. Um casal de Campo Grande também procurou a Justiça no último dia 21 depois de comprar quatro pacotes que, atualmente, não têm data agendada.

Ao todo, foram quatro pacotes de viagem com o Hurb para os destinos de Paris, com passeio para o parque da Disney; para o Egito, com transporte aéreo e hospedagem; para Fernando de Noronha, com aéreo e hospedagem; e para Curaçao, com passagem aérea e hospedagem. Todos os pacotes foram comprados em 2020, quando o turismo vivia baixa de preços. No entanto, as consequências vieram poucos anos depois

Segundo a ação judicial, a única viagem com data agendada até agora foi a de Paris. Os demais pacotes, no entanto, já passaram por modificações de datas diversas vezes. Além disso, o Hurb deixou o casal sem respostas de quando as demais viagens seriam cumpridas. 

“Em abril de 2023, a empresa passou a enfrentar uma enorme crise devido ao descumprimento dos serviços contratados pelos clientes. Em alguns casos, quando os clientes, após muita dificuldade, conseguiam a marcar a viagem, aos chegar aos hotéis, eram surpreendidas pela ausência de qualquer reserva confirmada ou pelo cancelamento da reserva devido à falta de pagamento, sendo o cliente obrigado a pagar novamente pela hospedagem”, alega a defesa. 

Além da instabilidade envolvendo o Hurb, o casal entrou na Justiça porque o antigo CEO da empresa, João Ricardo Mendes, xingou o cliente de Campo Grande. Você lembra desse caso? 

Campo-grandense foi xingado por 10 minutos

Em meio à crise, que inclui descumprimento de acordos comerciais e prazos de estorno, o campo-grandense que comprou os quatro pacotes de viagem com a companheira ainda afirma que recebeu uma ligação de João Ricardo Mendes, antigo CEO do Hurb, no dia 22 de abril de 2023. Homem alega ter recebido ofensas, ameaças e xingamentos por 10 minutos.

O caso foi parar na polícia e o homem registrou um boletim de ocorrência na Capital. João Ricardo chegou a renunciar o cargo como CEO do Hurb em seguida. Porém, o caso está longe de ser encerrado. 

Isso porque o casal está pedindo na Justiça que o Hurb seja obrigado a cumprir com as viagens pagas, além de pagar R$ 100 mil para cada um, totalizando R$ 200 mil de danos morais devido aos xingamentos de João Ricardo contra o campo-grandense, além de vazamento de dados bancários.

O casal também pediu na Justiça que a Hurb também pague R$ 10 mil a cada um de dano moral por perda de tempo útil devido às dores de cabeça vividas até então com o atraso das viagens. 

Para o advogado Guilherme Delmondes, que atua na Capital e já teve um caso ganho contra o Hurb (veja mais abaixo na reportagem), o principal direito violado pela empresa foi a proteção contra “a publicidade enganosa, abusiva, bem como aos métodos comerciais desleais, visto que a empresa apresentou uma fórmula de venda de pacotes com condições que não poderia cumprir no futuro, além de tentar transferir parte da responsabilidade pelo insucesso do serviço ao próprio consumidor, o que é inadmissível frente à sistemática legal de proteção ao consumidor”.

Procurado por um casal que também comprou pacote de viagem internacional pela Hurb, o advogado explica que o processo terminou de maneira célere porque foi proposto no juizado especial cível. 

“No caso específico dos meus clientes, embora a empresa não tivesse apresentado a menor disposição de resolver voluntariamente a situação para evitar a resolução pela via judicial, após a superveniência da sentença condenatória, a obrigação foi cumprida regularmente”.

De um em um milhão: jovem conseguiu viajar depois de entrar na Justiça

Karynne Pereira Zerial, de 25 anos, foi uma das poucas pessoas que conseguiu viajar depois de processar o Hurb. Ela comprou passagem para ela e o noivo em março de 2021 com destino a Paris. Paralelamente a isso, o setor passava por um período de cotações baixas devido à pandemia e ofertava viagens mais baratas para tentar fomentar novamente o turismo. No entanto, a jovem não imaginava a dor de cabeça que passaria depois.

“Pesquisei relatos de quem já tinha viajado, pesquisei sobre a reputação da Hurb, li as reclamações no Reclame Aqui – que, na época, não eram muitas e a nota da empresa era alta. Acredito que, por conta disso, muita gente sentiu segurança também. Li o contrato diversas vezes e decidi comprar. Nesse período, deu tudo certo, pois eu cumpri minhas obrigações e paguei tudo certinho. As obrigações da Hurb começariam só a partir de agosto de 2022, quando ela deveria enviar as opções de voo e os demais vouchers da viagem. Foi aí que os problemas começaram”. 

Primeiro, a empresa descumpriu o prazo máximo para enviar as opções de voo, que estava já elencado no contrato. Depois começou a alegar regras novas que não estavam previstas na época em que eu jovem contratou a empresa, quase um ano e meio antes. O contato direto com a equipe do Hurb, reclamações no portal do consumidor do Governo Federal e nem no Reclame Aqui foram o suficiente para influenciar a empresa a tomar alguma providência. 

Meses se passaram sem ter a passagem confirmada quando Karynne, por fim, procurou ajuizar ação contra o Hurb e acionou o advogado Guilherme Delmondes, citado anteriormente na reportagem. Questionada sobre como foi a postura da empresa durante os trâmites da ação, a jovem é incisiva.

“Disposição zero da empresa. O Hurb sempre manteve a mesma postura de não estar disposto a resolver o problema e entregar o produto que eu tinha comprado há mais de 1 ano e meio na época. Foi um período bem cansativo e estressante, quase desisti. Fizemos duas audiências, sendo uma delas presencial, e não houve qualquer proposta de acordo por parte da empresa. A impressão era a de que eles não se importavam mesmo”.

Sentença foi favorável ao consumidor

Por fim, a sentença do juiz foi favorável à Karynne e ela conseguiu fazer a sua viagem quase dois anos depois da compra do pacote. Ela e o noivo embarcaram em março de 2023. Todos os serviços foram prestados integralmente. 

“Mas nem todo mundo teve a mesma ‘sorte' que eu. Nos grupos que eu participava, vi muitos relatos sobre o Hurb ter cancelado o de última hora, quando a pessoa já estava na cidade de destino e não tinha onde ficar, às vezes até com criança pequena junto. Também vi relatos sobre ingressos para atrações serem cancelados na noite anterior ao passeio, de forma que a pessoa precisou pagar por conta própria um serviço que era para estar incluso, além de vários outros problemas”, recorda a jovem. 

O que explica ‘sumiço' do Hurb?

O caso da Karynne foi um dos que tiveram resolução na Justiça. No entanto, não é todo mundo que recebe um posicionamento favorável. Viajar pelo Hurb, então, se tornou uma verdadeira “roleta russa”. Na Internet, muita gente relata que apesar de ter buscado os meios judiciais, ainda não conseguiu viajar ou sequer recebeu o dinheiro de volta. Assim, fica o questionamento: o que há por trás do ‘sumiço' da empresa nesses casos? Estaria a sua falência influenciando para tamanho descaso contra o consumidor? 

Conforme o advogado Luiz Villagra, se você é consumidor que passa por problemas com essa ou outra empresa semelhante, é necessário primeiro tentar procurar vias amigáveis como o Procon para desafogar o judiciário. 

“Ocorre que, na prática, algumas empresas não fazem acordo, o que consome o tempo e a paciência do consumidor. Apesar das últimas notícias sobre o patrimônio financeiro da empresa, não há impedimento para entrar com uma demanda judicial, pois a busca pelo ressarcimento não cessa, transcendendo a pessoa jurídica, em certos casos, atingindo o patrimônio dos sócios, cônjuges, dentre outras possibilidades para reaver os créditos devidos”, informa. 

Não é à toa que essas e outras situações colocaram o Hurb no topo da lista das empresas de viagem e turismo com maior quantidade de reclamações no Procon de Mato Grosso do Sul.

Hurb é líder de reclamação

Segundo informações do Procon-MS, o Hurb é a empresa do segmento de viagem e turismo com maior taxa de reclamação do Estado na entidade. Entre 1º de janeiro a 21 de agosto de 2023, os produtos e serviços da empresa resultaram em 60 reclamações formalizadas no Procon.

Dessas, 63,3% dizem respeito a pacotes de viagem, 10% hospedagem e 6,66% a passagens aéreas. A maioria dos casos está relacionada a questões envolvendo contrato e oferta, seguido de cobrança ou contestação de valores.

O que fazer?

O Procon e orienta que o consumidor registre e guarde todos os dados relativos à oferta contratada, esteja atento às condições do contrato antes do pagamento, opte pela emissão imediata de passagens e dos pacotes de turismo, verifique se a empresa está regularizada e questione o Procon sobre casos de reclamações.

“No caso de falha na prestação do serviço, há necessidade de se tratar do caso inicialmente com a empresa. Assim, é importante pedir o protocolo de atendimento e anotar data, hora e nome do atendente”, informa.

Diante de não atendimento ou cumprimento de prazos, o consumidor pode recorrer ao Procon de MS e registrar sua reclamação por meio de formulário online no site da instituição ou nas unidades de atendimento presencial. Conforme a entidade, essa alternativa é administrativa, sendo pautada pela conciliação junto ao fornecedor. Já no Judiciário é possível pleitear a reparação de danos morais e materiais.

Para consultas ou registro de reclamações, o consumidor pode acessar o site do Procon de Mato Grosso do Sul, ir até suas unidades de atendimento presencial em Campo Grande ou entrar em contato pelo Disque Denúncia 151.

O advogado Guilherme Delmondes também orienta os consumidores, nesses casos, a buscarem todas as informações relativas ao pacote que foi adquirido, principalmente os comprovantes de pagamento e a confirmação da aquisição do pacote, geralmente encaminhada pela própria empresa pelo e-mail cadastrado. 

A partir disso, o cliente poderá acionar o Procon para buscar uma solução administrativa, ou acionar um advogado de confiança para mover uma ação judicial contra a empresa. Importante destacar que os prejudicados podem optar pela realização de medidas judiciais mesmo sem a utilização dos meios administrativos, pois o direito de ação é garantido pela Constituição Federal.

Em meio à envolvendo a concorrente do Hurb, a 123 Milhas que suspendeu viagens entre setembro e dezembro de 2023, fica o alerta para viagens com preços muito abaixo do mercado. 

“Vantagens excessivamente atraentes sempre devem ser vistas com atenção. O consumidor pode recorrer a sites como o ‘reclame aqui' e o portal governamental ‘consumidor.gov' para pesquisar informações sobre a confiabilidade das empresas que deseja contratar. Esses serviços são bons indicadores da credibilidade dessas empresas, pois registram reclamações que ficam disponíveis ao público geral”, orienta Delmondes. 

Procon MS
Fachada do Procon-MS, em Campo Grande (Arquivo)

Hurb se defende

Procurada pelo Jornal Midiamax, a empresa defendeu o seu posicionamento. Por meio de nota, alegou que o Hurb é uma empresa brasileira com mais de 12 anos de mercado e que sempre prezou pela transparência com seus viajantes e parceiros. 

“A companhia reconhece os problemas enfrentados nos últimos meses, que afetam alguns processos da companhia, no entanto, ressalta que todas as questões já foram mapeadas e estão sendo sanadas por meio de diversas iniciativas que compõem o Hurb 3.0. Entre elas, a diversificação de seu portfólio de produtos, visando atender as diferentes necessidades de seus clientes”.

A empresa ainda disse ter comprometimento com a realização das viagens adquiridas na plataforma, como também a devolução de valores solicitados por clientes que optaram pelo cancelamento do serviço. 

“A companhia está trabalhando em uma força-tarefa para a normalização das operações, prezando pelo melhor interesse de seus consumidores, parceiros e da companhia. O Hurb frisa ainda que segue prezando pela escuta ativa e cuidado com seus públicos e, por isso, está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas”, conclui a nota.