Com quatro contratos ativos com OSS (Organizações Sociais de Saúde), que custaram R$ 176 milhões ao Governo do Estado apenas em 2023, Mato Grosso do Sul vive fase de ‘terceirização da saúde’. Para o Conselho Nacional de Saúde, a prática em ascensão no país, é marcada pela falta de transparência e descompromisso de quem está na gestão de recursos públicos de saúde.

Presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, esteve em Campo Grande em fevereiro e conversou com o Jornal Midiamax sobre o movimento de entrega de gestão de saúde para OSS. Ele é categórico em afirmar que tanto o Conselho Nacional, quanto a Conferência Nacional de Saúde, se posicionam contra o modelo de gestão público-privado.

“Somos contrários à privatização, terceirização e a consequente precarização de serviços no Sistema Único de Saúde. Para nós, o SUS precisa ser gerido de forma pública para que a gente possa, inclusive, ter mais acesso à transparência do uso de recursos públicos repassados para essas empresas”, afirma Pigatto ao Jornal Midiamax.

Atualmente, os hospitais estaduais de Ponta Porã, Três Lagoas e Dourados, bem como a regulação de vagas estadual, são geridos por OSS em Mato Grosso do Sul. Com a decisão do Governo do Estado de retomar a gestão do HRMS (Hospital Regional de MS), o caminho fica aberto para entrega da unidade também para gestão privada.

“A falta de transparência que existe na utilização dos recursos públicos é um descompromisso que quem está na gestão faz com o próprio Sistema Único de Saúde. Recebemos denúncias de terceirização e até quarteirização dos serviços que deveriam ser geridos publicamente”, afirma o presidente do Conselho Nacional.

Sucateamento precede entrega a OS

Reportagens do Jornal Midiamax mostram a falta de insumos pela qual passa o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul há meses. Ainda em 2023, foi registrada falta de itens básicos, como copos descartáveis e até álcool 70.

Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Sáude (Foto: Comunicação/Conselho Estadual de Saúde)

Em janeiro deste ano, o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul suspendeu as cirurgias eletivas por cinco dias e limitou as visitas a pacientes, sob alegação de alto número de funcionários com atestado médico. Mas reportagem do Jornal Midiamax revelou que, na verdade, a suspensão das cirurgias ocorreu por déficit de quase 300 profissionais só do setor da Enfermagem.

À frente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto afirma que o sucateamento de hospitais é prática que costuma preceder a entrega a Organizações de saúde. “Eu faço a comparação com governo que quer pedagiar estradas e deixa a estrada ficar completamente esburacada, porque isso cria na própria sociedade a sensação de que a terceirização é necessária”.

Mas, apesar de ser comum em gestões estaduais e municipais, Pigatto afirma que a prática é irresponsável. “Quando um gestor público deixa de investir numa unidade de saúde, ele está tirando qualidade de vida e gerando até mortes, porque serviço precário, no sistema que for, causa problemas e mortes”.

Autoridades criticam decisão do Estado

A transferência de gestão de hospitais públicos para as chamadas OSS é uma prática adotada por vários estados, mas criticada por especialistas em saúde pública por vários fatores. O principal deles é por desvincular o hospital do comando do SUS (Sistema Único de Saúde), se afastando das prioridades definidas em termos de gestão.

Assistente Técnica da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde no Mato Grosso do Sul, Silvia Uehara critica o que ela chama de “fragmentação de comando”. Ela cita como exemplo a Santa Casa e o Hospital Universitário, que são entidade beneficente contratualizada e serviço público federal, respectivamente, mas estão sob gestão plena municipal do SUS.

“O Estado diz que não prejudicará em nada, mas a intenção oculta parece ser transferir toda a rede estadual para organizações sociais que não terão interesse em resolver até a alta complexidade. Casos importantes de Três Lagoas e Ponta Porã continuam sendo transferidos para Campo Grande para resolução”, detalha Silvia em entrevista ao Jornal Midiamax.

Analisando o plano de gestão do Governo para rede estadual de saúde, a representante da Superintendência Estadual do Ministério da Saúde em MS chama a atenção para a falta de neurocirurgia nas unidades macrorregionais, e a radioterapia no HRMS em Campo Grande. “Nenhum Hospital Regional do sul do Estado terá atendimento de terapia intensiva em pediatria?”, questiona.

Para Silvia Uehara, a transferência dos hospitais para as organizações sociais faz com que o controle social, que define as prioridades sanitárias, perca a voz sobre essas instituições de saúde. Ela ainda critica a saída do hospital da rede municipal sem conversas prévias.

“A iniciativa foi deles de saírem da rede sem antes colocar a situação às claras, sem consultar o controle social do Conselho Municipal e Estadual de saúde, desconsiderando o impacto à rede de saúde de todo o Estado de MS”, afirma Silvia.

Instituto Acqua é investigado em vários estados

A atual OSS (Organização Social de Saúde) contratada pelo Governo do Estado para gerir os Hospitais Regionais de Mato Grosso do Sul tem histórico de investigações em estados por onde passou. Em 2020, o Jornal Midiamax noticiou que o TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) pediu, por meio de liminar, o afastamento da instituição do hospital regional de Ponta Porã.

Improbidade, superfaturamento, desvio, ausência de qualidade técnica e até ações trabalhistas integram a denúncia contra a entidade, contratada em março de 2019 por processo de dispensa de licitação. Encerrado o prazo de 180 dias da contratação, que custou R$ 27 milhões aos cofres públicos, o Acqua sagrou-se vencedor de licitação e aguarda assinatura de contrato administrativo.