A notícia de que o antigo Hotel Campo Grande, na rua 13 de Maio, voltará a abrir as portas animou os comerciantes da região central, com a esperança de reviver dias melhores de movimento.

Isso porque, de forma geral, há o entendimento que o hotel, que será da rede Slavieiro, pode ajudar a retomar o fluxo na área central, assim como as demais empresas do segmento hoteleiro.

Quem investiu no Centro, por exemplo, relata amargar a queda no número de clientes. Associado a isso, está a preferência pelo comércio do bairro ou até mesmo os shoppings. Deslocamento e estacionamento são algumas das queixas complementares dos clientes.

Além disso, a região central passou por uma forte alta no valor do aluguel, especialmente na Rua 14 de Julho. O Jornal Midiamax mostrou que há diversos móveis fechados em poucas quadras e que alguns contratos chegaram a triplicar em poucos anos

Portas que fecham, placas de aluguel

O resultado desse cenário são comerciantes fechando as portas. Somente no quadrilátero da Rua 13 de Maio, em que está o Hotel , entre as ruas Dom Aquino e Marechal Rondon, a reportagem contou seis imóveis com placa de “aluga-se”. E quem resiste, pensa nos malabarismos que precisará enfrentar para seguir na região.

Como Willian Maciel, de 26 anos, que instalou a 067 Pelletteria próximo ao Hotel Campo Grande, há oito anos. Ele conta que pensava em transferir o comércio para o bairro devido ao baixo movimento e ao valor do aluguel. 

O aluguel do espaço, mais parecido com um corredor, sai por R$ 1 mil. Maciel diz acreditar que em uma região do Parati, próximo do local em que reside, conseguiria um espaço maior pelo mesmo preço, e poderia colocar mais mercadoria exposta.

Contudo, a notícia de reabertura da hospedaria animou o empresário, que deve esperar para decidir se fará ou não a mudança.

“Estava até conversando com um amigo meu que tem loja aqui, também. A gente estava pensando em sair do centro e ir para o bairro, porque é o que todo mundo está fazendo. Só que com essa coisa do hotel dá um ânimo de ficar aqui por conta disso”, ele conta.

Funcionária de uma loja na mesma rua, que não quis se identificar, conta que trabalha há mais de dez anos no centro e foi observando ano a ano as lojas fecharem. 

Hotel Campo Grande
William trabalha na região há oito anos. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

“Acho que pode dar um gás, a gente está precisando de um up […]. Acho que faltam campanhas publicitárias para chamar [clientes], porque as lojas estão indo para o bairro. No caso da Jerônimo de Albuquerque [uma das principais do Nova Lima], tem loja lá que era daqui do lado que foi para lá”, ela conta. 

Vander Alcântara, de 33 anos, trabalha em um restaurante na região, e conta que a Rua 13 de Maio tem perdido comerciantes nos últimos meses – o que impacta o fluxo de clientes que procuram o estabelecimento para almoçar. 

“Acredito que pode aumentar o fluxo de clientes com a volta do Hotel Campo Grande, especialmente diante de alguns eventos que podem ser criados pelo município. Isso pode trazer uma quantidade de turistas e pode impactar o comércio do centro”, torce.

Diversificação de atividades e povoamento

Quem é da área comercial de Campo Grande opina que o centro precisa de uma diversificação de atividades e de povoamento, ou seja, mais pessoas morando na região. 

O diretor conselheiro da ACICG (Associação Comercial e Industrial de Campo Grande), Sérgio Seiko Yonamine, afirma que há uma preocupação sobre a econômica do centro. Ele afirma que é preciso estabelecer atividades para a ocupação do centro. 

“Nós esperamos que seja um hotel com movimento grande e que a Prefeitura estabeleça um calendário de eventos na área central para movimentar. Temos exemplo de Belo Horizonte, assim como de escolas na região central, onde a noite ferve de movimento”, detalha.

Yonamine conta que o Hotel Campo Grande é um ícone da cidade em arquitetura e que até chegou a conhecê-lo quando ainda funcionava e oferecia uma boa feijoada. O diretor da ACICG afirma que a reabertura do empreendimento é positiva, especialmente se considerar que acompanha uma reforma pela qual o centro passa.

“O centro tem dois diferenciais: tem toda uma e isso não pode ficar ocioso. Além disso, tem monumentos que dão identidade a Campo Grande e isso só vai melhorar se cultivar essa história”, ele garante.  

Hotel Campo Grande
Comércio do centro sofre com alta no valor do aluguel e lojas fecham. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Já o presidente da CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas), Adelaido Vila, afirma que a volta do Hotel Campo Grande é um presente para a Capital, especialmente porque a cidade tem sofrido com escassez de hotéis aos finais de semana. 

Vila afirma que há uma alta demanda por leitos de padrão médio alto e que muitos turistas fazem paradas de 48 horas em Campo Grande para depois seguirem para outros destinos. Além de contribuir para a resolução do problema, há expectativa de que a região deva ser valorizada e atrair novos investimentos, inclusive para áreas que funcionam após às 18h. 

“Se você perceber a quadra da Rua 13 de Maio com a Marechal Rondon, lamentavelmente fica muito morta à noite. Logo, quando tem demanda, tem novos empreendimentos de bares e restaurantes”, ele opina.

Adelaido também é a favor de um repovoamento na região central para atrair movimento. 

Moradia no Centro já foi solução em debate

Vale lembrar que em 2019 foi estudada a possibilidade do Hotel Campo Grande ser transformado em 117 apartamentos de até 30 m². Essa era uma proposta da Prefeitura para aumentar a população no centro e economizar com a infraestrutura, já que o centro já está todo equipado.

Porém, a ideia dividiu opiniões e alguns chegaram a chamar o projeto do Condomínio Menino do Mato, em homenagem ao poeta Manoel de Barros, de “favelão vertical”. Isso porque, durante uma das apresentações, foi ventilada possibilidade de que as moradias fossem voltadas para programa de interesse social ou baixa renda.

O presidente da CDL diz que não concordava com a ideia do repovoamento do centro partir do Hotel Campo Grande, mas sugere que sejam feitas propostas de casas populares para bairros próximos ao centro, como Amambaí e Cabreúva. 

“Criando demanda existe investimento. A necessidade é criar demanda, nós vivemos um esvaziamento do centro”, ele aponta. 

Ocupação é chave para fomentar comércio

Não é o que pensa o doutor em arquitetura e urbanismo e professor da (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Júlio Botega. Ele afirma que apenas o comércio funcionar depois das 18h não garante a movimentação no centro. 

Na visão do professor, seria preciso promover a moradia fixa nessa região para aumentar o fluxo de pessoas andando no local todos os dias. 

“Temos claro, no campo de estudos sobre a cidade, que a presença de moradores e pessoas nas ruas ajuda a atrair mais pessoas, que se sentem mais seguras, em um ciclo virtuoso que ajuda a inibir crimes”, explica. 

Botega também afirma que até mesmo a reinauguração do Hotel Campo Grande não garantiria “vida” ao centro à noite. O urbanista explica que a hotelaria é voltada para turistas – uma população flutuante -, que parte do dia está na região, mas mora em outro lugar. 

Hotel Campo Grande
Comércio se anima com volta do Hotel Campo Grande. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Assim, haveria necessidade de população fixa na área central, que fomente o comércio característico para residentes, como padarias, supermercados, academias, entre outros.

“Quantos bares e restaurantes que funcionam à noite temos na rua 14 de Julho, reformada e bem iluminada? Poucos ou nenhum. Mesmo a Feira Central, por exemplo – estruturada e que poderia ser um indutor de movimento em uma área com problemas sociais com pessoas em situação de rua, no começo da Av. Calógeras – abre em poucos dias e com horários restritos. Sem contar a Esplanada Ferroviária, que não oferece qualquer atividade regular à noite”, aponta. 

O urbanista também aponta que o “preconceito de classe” contra a transformação do Hotel Campo Grande em moradia popular, em 2019, contribuiu em parte para a perda de clientes e na manutenção e ampliação de problemas sociais que existem no centro. 

Como exemplo, ele diz que os consumidores teriam perfil de renda de comércio popular, o que é característico da área central. 

“À época, o argumento de entidades e moradores do entorno era de que o prédio do hotel se transformaria em um cortiço vertical, o que demonstra preconceito de classe e desconhecimento do projeto, que previa que os apartamentos seriam destinados a famílias com renda de classe média baixa, ou seja, consumidores, dentro de uma configuração arquitetônica de apartamentos compactos que estão em alta nas principais cidades do país”, afirma. 

O urbanista também garante que onde não há incentivo à ocupação por pessoas que queiram usufruir o espaço de forma legalizada, abre espaço para as atividades ilegais, que dominam a região central no período noturno. 

Um desses exemplos é a Orla Ferroviária que, anos atrás, foi revitalizada, mas hoje vive abandonada e dominada por usuários de drogas.

“O próprio desenho urbano realizado quando da retirada dos trilhos do trem colaboraram para isso. Há muros, empenas cegas, voltados para o que deveria ser um parque linear, com atividades e aberto à cidade, principalmente aos moradores da área, incentivando o comércio e os serviços. Ou seja, nega-se o espaço público e abre-se espaço para atividades ilegais e criminalidade, uma vez que há certeza de não estar sendo observado”, ele diz.

Como um bom exemplo, Júlio cita a Orla Morena, na qual residências e comércios se comunicam com o espaço público e a ocupação é maior.

Vários imóveis estão desocupados no centro. (Alicce Rodrigues, Midiamax)

Perfis de quem vive na rua

Sobre os problemas de pessoas em situação de rua na região do centro, o urbanista afirma que, primeiramente, é preciso distinguir os diferentes perfis da população de rua, como pessoas que não conseguem pagar aluguel ou que foram expulsas de casa por razões mil.

Botega destalha que boa parte prefere a região central, pois é onde há mais chances de conseguir esmolas ou materiais para reciclagem. No caso das drogas, é um problema social que precisa ser enfrentado pela assistência social e pela sociedade de forma geral. 

“Há necessidade de programas sociais que promovam a habitação para pessoas de baixa renda ou sem renda. Apenas quando existiu a Faixa Zero do programa Minha Casa, Minha Vida, essas pessoas entraram nas políticas habitacionais. Hoje estão desamparadas, uma vez que: como se retira das ruas pessoas sem família, sem documentos, sem renda para manter sua moradia? O poder público deve responder às demandas dessas pessoas, por meio de profissionalização, apoio – mesmo que temporário e emergencial – para que deixem as ruas”, diz. 

O que diz a Prefeitura sobre o Hotel Campo Grande? 

A titular da Sugepe (Subsecretaria de Gestão e Projetos Estratégicos) da prefeitura municipal de Campo Grande, Catiana Sabadin, afirma que o município tem dado o suporte necessário para as licenças relativas ao empreendimento. 

A titular da pasta pontua que, com o centro revitalizado, os negócios começam a se movimentar. 

“Eles vão gastar R$ 50 milhões ali para transformar no hotel, já pensando nessa perspectiva de boom de desenvolvimento de Campo Grande e do Estado, alinhado às novas empresas que estão vindo e ao Corredor Bioceânico, que está movimentando países e empresários na cidade”, conta.

Sabadin afirma que, após a revitalização, o centro começa a ficar mais dinamizado e acredita que os proprietários dos imóveis vazios pensem nesse movimento e oportunizem a locação. 

Sobre o estacionamento, ela explica que a exploração de estacionamento é privada e que o projeto de revitalização estudou maneiras de diminuir o menor número possível de vagas de estacionamento. 

“Basicamente o número de vagas retiradas no programa de revitalização, que começou em 2018, foram três quadras da 14 de Julho. O município já tinha sensibilidade de deixar as vias públicas com situação de estacionamento”, pontuou.

Outra questão importante lembrada pela gestora é que a maioria das pessoas que frequenta o centro iria de transporte coletivo.

“O centro fez investimentos em corredores de transporte para melhorar a velocidade média e permitir que as pessoas cheguem ao centro mais rápido”, conclui, lembrando que a previsão da Prefeitura de Campo Grande é publicar ainda neste semestre o edital para a concessão do estacionamento rotativo do centro.