Desde que foi fechado, há mais de duas décadas, o interior do antigo alimenta o imaginário do campo-grandense. Como estaria, por dentro, a imensa estrutura de concreto que já hospedou celebridades icônicas e que representa os “tempos áureos” da cidade no Século XX?

Agora que fora adquirido pelo empresário Wagner Marcelo Monteiro Borges por R$ 15 milhões, o Hotel Campo Grande retomará seu destino. Será um hotel da rede Slavieiro – e não deve ter seu nome original de volta, já que os antigos proprietários, herdeiros de José Candido de Paula, não renovaram a licença pela exclusividade da marca, já em utilização por outra rede da cidade.

O investimento para a grande reforma é estimado em R$ 30 milhões, com cerca de um ano e meio de obras em três turnos. Serão restaurados os 13 andares do prédio, fora os mezaninos, cobertura e pavimentos comerciais e estacionamentos. A fachada não deve diferir muito do que já é, a não ser por eventuais novas cores e alterações nas janelas intercaladas com colunas de concreto, para atendimento da legislação vigente. Os quartos aumentarão, de 130 para 150, assim como o número de vagas que deve ser de 75.

Segredos guardados no subsolo

O interior do edifício, sim, deve ser transformado. Segundo Borges, o projeto contratado demonstra apreço pelos pisos de taco, praticamente intactos, mas lustres antigos e o belíssimo relógio no lobby dos elevadores devem sair. Hidráulica, elétrica e banheiros também serão totalmente substituídos. O saguão central deve ser modernizado e o antigo de inverno, reaberto. São apenas algumas das novidades que o empresário adiantou.

Hotel Campo Grande
Antigo American Bar e Jardim de Inverno, que será reaberto (Nathália Alcântar, Midiamax)

Mas, é justamente o incerto do que restou do passado áureo que chama atenção. No subsolo, há salas e salas escuras que guardam de mobiliários antigos, carrinhos de hotel originais, veículos, sofás, cadeiras, mesas aos montes, além de câmaras frias, enormes fogões industriais e uma antiga caldeira.

Hotel Campo Grande por dentro

A entrada do Jornal Midiamax foi pelo subsolo, já que lojas que estão na fachada literalmente cimentaram o acesso ao interior, onde também já funcionou uma boate. Lá, a reportagem conheceu dona Fátima, que há quase 20 anos zela pela estrutura.

Hotel Campo Grande
Quadro, fotografias, certificados e documentos encontrados no subsolo do edifício (Nathália Alcântara, Midiamax)

“Quando fecharam o hotel me contrataram para cuidar. Mas disseram que seriam poucos meses, porque o prédio seria vendido. Acabou que estou aqui há quase 20 anos. Eu subia e descia da cobertura até o térreo umas três vezes por dia, conheço esse hotel como ninguém”, relata.

Fátima foi testemunha dos dias em que os mobiliários foram desmontados e levados para salas no subsolo, sobrando nos quartos só as janelas envoltas em concreto, além dos espelhos pintados à mão. Com lanternas nas mãos e guiados pela zeladora, a reportagem viu salas e salas repletas de estruturas de madeira, lambris, portas, móveis em geral, como cadeiras, mesas, escrivaninhas e documentos aparentemente pessoais [confira a galeria abaixo].

Design de Midiamax

Uma das estantes mostra fotos antigas, possivelmente da família que herdou a estrutura gigante da Rua 13 de Maio, bem no coração de Campo Grande. Documentos, troféus, molduras e obras de arte esperam uma definição para onde vão assim que a venda do prédio for concluída, o que deve ocorrer em aproximadamente dois meses.

“São R$ 15 milhões da compra e em torno de R$ 30 milhões para a reforma. As obras começam assim que a escritura for passada. Há um prazo judicial de até 60 dias, então, até lá, resolvemos tudo. A obra vai começar daqui a 61 dias, em três turnos. O tempo de obra será em torno de 12 a 15 meses. Todas as janelas, se você perceber, tem estrutura de concreto. Todas, sem exceção. É uma estrutura muito bem feita. Na época foi gasto mil cabeças de boi. Nos valores de hoje, estamos falando de mais de R$ 100 milhões”, detalha Wagner Borges, o novo proprietário, que acompanhou a reportagem.

Relógio, lustres, jardim de inverno

Antigamente, o saguão do Hotel Campo Grande contava com dois elevadores, recepção, mezanino, american bar, belas vigas de concreto, restaurante e um enorme jardim de inverno. Praticamente tudo está lá. Borges relatou que o jardim de inverno, que foi fechado, será reaberto. “Gostaria de manter o relógio e os lustres, mas o projeto não apresentou”, lamentou.

Sem manutenção, os elevadores estão desligados. A subida, então, foi pelas escadas. A cada andar, vigas de concreto se sobressaiam. A conservação do interior impressiona. O prédio jamais ficou abandonado, apenas, parcialmente desocupado. O estacionamento deve crescer e dobrar o número de vagas.

Hotel Campo Grande
Elevadores, relógio e antigos lustres (Nathália Alcântara, Midiamax)

“A ideia toda é que o número de quartos aumente de 130 para 150 e aumentar também o número de vagas no estacionamento. A lei exige que o número de vagas seja 50% da capacidade, então vamos aumentar a garagem. E o Centro também está precisando de estacionamento, então também vamos beneficiar terceiros”, acrescenta.

Há luz no prédio, mas só em algumas áreas. Porém, à medida que chegávamos nos andares dos quartos, as janelas icônicas deixavam luz generosa entrar. A luz natural deve permanecer, e mais ou menos no mesmo formato, já que cada uma das 930 janelas é rodeada por colunas de puro concreto.

“Vamos ter que mudar as janelas em função da própria lei, temos que manter uma certa altura. Mas o padrão será mantido, vamos manter a beleza dessa estrutura original. São 930 janelas para serem substituídas e para obedecer a nova Lei. O Corpo de que exige e será feito”, diz Borges.

Coisa linda de se ver

Wagner Borges mora em Campo Grande há cerca de cinco anos, mas já investe no Estado há 12, na área de construção e em fazendas de gado e de lavouras. A ideia de comprar o Hotel Campo Grande, às vezes, parece capricho e desejo despertado pelo prédio que ainda encanta a cidade.

Hotel Campo Grande
fachada do Hotel Campo Grande será revitalizada (Nathália Ancântara)

“Eu vou te contar, vai até equilibrar um pouco [investimento e retorno financeiro], não vai ser muito rentável, mas só o prazer de reerguer esse hotel e de deixá-lo funcionando já vai me deixar satisfeito. Não estou tão preocupado com retorno”, diz.

“Você passando por essa rua, você olha esse prédio… Ele é lindo, é fantástico. [Quero] manter isso aqui, a cidade merece esse prédio. Com quem você fala, todo mundo tem uma coisa para se falar, para citar. Tem um amigo meu que é fazendeiro e que cortava cabelo aqui. Hoje não tem mais cabelo, coitado, mas são coisas que realmente chamam atenção nesse hotel, que foi na época um ícone e que até hoje se mantém”, declara.

Café famoso e restaurante

Contudo, o empresário aposta que os grandes negócios e plantas industriais prestes a sair do papel em devem fomentar a hotelaria em Campo Grande. Ainda assim, o Hotel Campo Grande deve ganhar atrativos também para quem não puder se hospedar nele.

Um “café famoso” (por não estar fechado, Borges preferiu não revelar qual a rede) e um “restaurante de peso” devem ocupar alguns dos espaços. “Nossa ideia é trazer um café, uma âncora, e o restaurante, também. Para que comece a circular mais gente no Centro da cidade à noite, para povoar um pouco mais a noite. A minha ideia é essa, trazer mais negócios, mais diversão para o público de forma geral”, conclui.

Confira o vídeo abaixo: