Primeiro surdo alfabetizado em Libras, José mudou a realidade da comunidade surda de Campo Grande

Em celebração ao Dia Nacional dos Surdos, conheça a história da chegada da Língua de Sinais a Campo Grande

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Instituto de surdos
Instituto de surdos (Divulgação)

A chegada da Libras (Língua Brasileira de Sinais) a Campo Grande transformou completamente a realidade da comunidade surda local. No entanto, para contar essa história, é necessário voltar a 1951 e relembrar a trajetória de José Ipiranga de Aquino, primeira pessoa surda de Campo Grande a se alfabetizar em Libras e pioneiro no ensino da língua de sinais em Mato Grosso do Sul.

Na última terça-feira (26), foi celebrado o Dia Nacional dos Surdos, por isso, o Jornal Midiamax conta a história de uma das figuras mais importantes no ensino de Libras no Brasil e relembra a chegada da Língua de Sinais a Campo Grande.

Nos anos 50, a ideia de criar escolas específicas para surdos em Campo Grande não era debatida. Por isso, Tomaz Duarte de Aquino, pai de dois filhos surdos, enviou seu filho mais velho, José Ipiranga de Aquino, ao Rio de Janeiro, para estudar no Imperial Instituto de Surdos-Mudos, onde cursou o ensino básico e aprendeu a Língua de Sinais, além de adquirir habilidades como tipógrafo.

Em seu livro “História da Língua Brasileira de Sinais em Campo Grande”, Neiva de Aquino, sobrinha de José Ipiranga, recorda que alguns anos após a ida de José ao Rio de Janeiro, o pai enviou o filho mais novo, Geraldo Torres de Aquino, e junto com ele foram outras crianças surdas de Campo Grande, como Ademir Soares, Edgar e Joel Faraco.

Foi na esquina de uma das principais ruas da cidade, a 14 de julho com a Dom Aquino, que na década de 60, José Ipiranga começou a ensinar Libras a outros jovens surdos que moravam na Capital.

Neta de José Ipiranga de Aquino e filha de pais surdos, Fabiany de Aquino Pereira relembra que o avô foi fundamental para o ensino da Libras em Campo Grande. Todas as tardes e noites, ele reunia um grupo para ensinar a língua.

“Quando meu avô voltou para Campo Grande, ele sentiu a necessidade de compartilhar o conhecimento que adquiriu com todos os surdos. Por isso, ele reunia um grupo de rapazes na praça Ary Coelho e no quintal de casa para ensinar Libras, o que eventualmente levou à criação da Assums (Associação de Surdos de Mato Grosso do Sul).”

Primeiras instituições voltadas para pessoas com deficiência

Bazar será realizado na Apae de Campo Grande – (Foto: Reprodução)

Em 1967, Campo Grande recebeu a primeira instituição voltada exclusivamente para o atendimento de pessoas com deficiência, a Apae (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais). Doze anos depois, foi fundada a Associação Pestalozzi, pouco depois da divisão do Estado de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Embora essas instituições não fossem especializadas no atendimento aos surdos, desempenharam um papel fundamental no apoio a pessoas surdas.

Somente em 1981, foi criada a Diretoria de Educação Especial para subsidiar serviços de educação especial das instituições e ampliar o atendimento às pessoas com necessidades educativas especiais no Estado. A partir disso, foram criados o Cramps (Centro Regional de Assistência Médico Psicopedagógica e Social) e o Ceada (Centro Estadual de Atendimento ao Deficiente da Audiocomunicação).

Ensinos que ultrapassam gerações

Grupo de surdos em Campo Grande
Grupo de surdos em Campo Grande (Divulgação)

Como filha de pais surdos, Fabiany Aquino teve a Libras como sua primeira língua. Inspirada pela história de sua família, especialmente a de seu avô, ela decidiu cursar Letras e se especializar em educação especial. Desde 2019, atua como intérprete de Libras.

“Libras é minha vida. Desde que me entendo por gente, conheci e ela se tornou minha primeira língua, por estar em um ambiente com minha família e outros surdos, onde a comunicação se dava através da Libras”, destaca.

Para Fabiany, aprender Libras vai além de facilitar a comunicação com a família; é um meio de dar visibilidade à causa e contribuir para a luta das pessoas surdas.

“Sempre observei a luta de todos os surdos devido à falta de comunicação em vários estabelecimentos, à falta de acessibilidade e inclusão. A luta deles para que a língua de sinais fosse aceita me motivou a me tornar intérprete.”

A Língua Brasileira de Sinais, amplamente conhecida como Libras, é utilizada por milhões de brasileiros, tanto por aqueles que são surdos quanto por ouvintes que a aprendem, como Fabiany. De acordo com dados do IBGE (Instituto Nacional de Geografia e Estatísticas), estima-se que existam mais de dez milhões de pessoas com alguma deficiência auditiva no Brasil.

Em um marco importante para a comunidade surda e o reconhecimento da Libras, em 2002, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, a Libras foi oficialmente reconhecida como língua oficial do Brasil por meio da Lei nº 10.436. Esse reconhecimento contribuiu significativamente para a inclusão e a promoção dos direitos das pessoas surdas em todo o país.

Falta de acessibilidade ainda presente em Campo Grande

Libras (Reprodução)

Apesar dos avanços, Campo Grande ainda enfrenta a falta de acessibilidade para pessoas surdas. Fabiany relembra que já passou por inúmeras situações complicadas ao lado da família.

“Sempre que íamos a lugares, nunca encontrávamos alguém que soubesse pelo menos o básico para compreender as necessidades deles, mesmo para situações simples, como explicar o que estavam sentindo em uma consulta médica, por exemplo”, ressalta.

Para Fabiany, um ponto essencial para promover acessibilidade e inclusão é a contratação de intérpretes em locais como empresas, hospitais e bancos.

“Independentemente de haver surdos presentes ou não, nunca se sabe quando um surdo precisará de atendimento. Além disso, é fundamental capacitar os profissionais em cada local. Garantir o acesso à Língua Brasileira de Sinais e promover a comunicação é de extrema importância”, enfatiza a intérprete.

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