Nevou mesmo em MS? O dia que casas e carros amanheceram cobertos de gelo no maior frio da história
Fenômeno encantou moradores, mas também trouxe prejuízos em plantações e causou até mortes
Lethycia Anjos –
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Mato Grosso do Sul é conhecido pelo calor até mesmo no inverno. Mas será que já nevou alguma vez no Estado? Nesta reportagem, vamos mostrar a história do dia histórico em que região do Estado amanheceu coberta de gelo.
Em 17 de julho de 1975, o então estado de Mato Grosso, mais precisamente onde hoje está situada a cidade de Paranhos, amanheceu encoberto de neve. O fenômeno nunca antes visto entrou para a história da região, dois anos antes de ser dividida em dois estados: Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Registros históricos relembram o fatídico dia em que a cidade ao Sul de MS sofreu um impacto de 2 graus negativos e uma grossa camada de gelo cobriu ruas, casas, automóveis e até lavouras. Poças d’água congelavam numa espessura de dois a seis centímetros.
A paranhense Délia Martins Duarte, 29 anos, ainda nem era nascida em 1975, mas passou a vida toda ouvindo a história do pai sobre o dia em que neve caiu em Paranhos.
“Meu pai era recém-chegado na região, vindo de Sanga Puitã [Paraguai]. Ele veio para trabalhar em uma fazenda e sempre me contava a história do maior frio que já teve”.
Na época, o pai de Délia, José de Jesus Duarte, trabalhava na lavoura quando do nada viu o céu se fechar. Nuvens escuras apareceram e pequenos flocos começaram a cair do céu, molhando suas roupas e equipamentos.
Extasiado, ele ficou ali, só observando o fenômeno, até que foi chamado por seu patrão para entrar na fazenda, pois o frio já estava congelante.
“Como meu pai nunca tinha visto neve, ele nem os outros trabalhadores entenderam o que era de início, só acharam estranho. Mas foi algo muito marcante na vida dele”, relembra a filha.
Mas se engana quem pensa que Paranhos foi a primeira cidade a registrar neve em MS. Alguns dias antes, Ponta Porã, conhecida como uma das cidades mais frias do Estado, também foi ‘agraciada’ pelo fenômeno climático.
Meteorologista há mais de 50 anos, Natálio Abrão relata que em 6 de julho de 1975 presenciou pessoalmente a neve que caiu sob a cidade fronteiriça.
“Na época só havia três estações de monitoramento no antigo estado de Mato Grosso, por isso Ponta Porã está referenciada. Mas provavelmente ocorreu em outras cidades também. Nessa data também houve a maior geada da história com 1,6 mm de gelo que levou 30 horas para derreter”, relembra.
‘Não sobrou um único pé de café‘
O inverno de 1975 ficou marcado como o mais frio de todo o país. No Paraná, um dos estados mais impactados, a produção do café foi fortemente atingida pela geada. A estimativa foi que cerca de 40 milhões de pés de cafés foram liquidados pela geada em todo o país.
Logo antes da geada, o Paraná possuía uma produção de café que representava quase a metade de toda a produção nacional (48%). Após o fenômeno climático, segundo o Metsul, a participação econômica do estado praticamente desapareceu, caindo para apenas 0,1% de todo o montante produzido no país.
Na região de Bodoquena, 3 milhões de pés de café foram perdidos; em uma fazenda em São Gabriel do Oeste, um milhão; em outra propriedade no município, um agricultor viu 2,2 milhões de pés de café destruídos com a geada.
“Geada, morte e prejuízos: é o frio que trouxe a neve”, a manchete de um dos principais jornais da época relembra os inúmeros impactos negativos gerados pelo frio em MS.
Em Corumbá, o frio extremo ocasionou a morte do gado no Pantanal, gerando preocupações nos pecuaristas. Também foram registradas mortes de gado nas cidades de Rochedinho e Nova Andradina.
Em Ponta Porã, a temperatura chegou a quatro graus abaixo de zero.
Apesar de ser um fenômeno lindo aos olhos, a neve pode ser extremamente prejudicial à saúde e à produção agropecuária.
“Em locais que não estão adaptados a este fenômeno, podem ocorrer mortes de população humana, fauna e da flora. Em alguns locais, pode dificultar a locomoção, por isso a atenção tem que ser redobrada”, destaca a meteorologista do Cemtec-MS (Centro de Monitoramento do Tempo e do Clima), Valesca Fernandes.
Após 38 anos ‘queda de neve’ surpreende moradores
Passados 38 anos, a cidade de Paranhos foi novamente atingida por um fenômeno meteorológico que encobriu a cidade de gelo. Em 23 de julho de 2013, ‘nevou’ fraco e por poucos minutos, mas para os moradores que presenciaram o fenômeno foi uma experiência inesquecível.
Na época, diversos moradores registraram fotos e deram entrevistas a jornais e redes de televisão para contar como foi a experiência de ver a ‘neve’ de perto pela primeira vez.
“Parecia gelo seco, caía e desmanchava rapidamente. Mas foi muito pouco. Meu filho viu as bolinhas caírem por uns dois minutos. As pessoas falavam que iam cuidar para ver se caía neve e registrar o momento”, relatou a professora Regina Pener, ao Jornal Notícias de Rio Verde, em 2013.
Mas para a infelicidade de muitos, o meteorologista Natalio Abrahão esclarece que o fenômeno ocorrido em Paranhos no ano de 2013 não era neve. Segundo ele, não houve condições climáticas favoráveis para que ocorresse o fenômeno.
“Não chegou nem perto de ser neve. O céu estava sem nuvens, não estava nublado e a umidade estava abaixo de 50%. As mínimas nessa época foram -1,6 em Amambai, -1,3 em Bela Vista e -2,4 em Rio Brilhante”, explicou.
Vale ressaltar que em 2013 alertas meteorológicos indicavam a possibilidade de neve na região. Mas como os próprios meteorologistas dizem “não existe certeza no vocabulário da Meteorologia”.
Dados do Somar Meteorologia apontam que naquele ano houve chuva congelada, fenômeno que antecede a nevasca, em 38 cidades do Brasil, a maioria na região Sul do país.
De acordo com a estação do Inmet em Ponta Porã, na época Paranhos registrou um frio de 3,5°C e uma sensação térmica de -3°C.
Em país tropical, neve vira evento
Dados do Projeto Brasil em Mapas apontam que o fenômeno ocorre principalmente nos meses de junho, julho e agosto. Contudo, há registros de nevadas precoces nos meses de abril e maio no país.
Em todo o Brasil, foram registradas ocorrências de neve em 190 municípios. Os registros não incluem chuva gelada sem algum centímetro acumulado de neve.
A neve ocorre com mais frequência nos estados da região Sul do Brasil. Na sexta-feira (14), a serra de Santa Catarina registrou a primeira neve do inverno de 2023.
Conforme o portal Terra, a nevasca ocorreu na madrugada e atingiu as cidades de Bom Jardim da Serra (-0,4°C), São Joaquim (-0,7°C) e Urubici (-0,6°C).
Em um frio de -0,7°C moradores saíram de suas camas e foram registrar a chegada do fenômeno que foi confirmado pela Defesa Civil e pela Epagri/Ciram (Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina).
Neve ou geada?
Sempre que se fala sobre neve em Mato Grosso do Sul, muita gente desacredita e questiona se não seria só mais um caso de geada como ocorre com mais frequência no Estado. Mas afinal qual a diferença entre os fenômenos?
Neve nada mais é do que um amontoado de pequenos cristais de gelo que tomam forma na atmosfera da Terra. O fenômeno meteorológico é ocasionado por baixas temperaturas ou queda abrupta nas temperaturas. A neve se forma nas nuvens por meio da solidificação do vapor d’água formando cristais de gelo. O vapor d’água congela formando os cristais de gelo que caem na forma de precipitação (chuva) de neve.
A geada é caracterizada pelo depósito de gelo cristalino em forma de agulhas, prismas ou escamas. Conforme o Cemtec esse fenômeno é resultante da sublimação do vapor d’água do ar adjacente sobre a superfície do solo, das plantas e dos objetos expostos ao ar.
Valesca Fernandes explica que há um jeito simples para saber diferenciar se o fenômeno climático é neve ou geada.
“A principal diferença entre neve e geada é que a primeira se forma por sublimação do vapor em altas latitudes, enquanto a geada manifesta-se próxima ao chão. Então é só observar se cai do céu ou não”, explica a meteorologista.
Délia Martins sabe que muitos desacreditam da história contada por seu pai devido à falta de dados concretos sobre o fenômeno. O déficit tecnológico da época acaba contribuindo para essa descrença.
Mas quem passou uma vida ouvindo a mesma história contada não só pelo pai, mas por diversos outros familiares, sabe que o que ocorreu naquele dia foi neve. Para ela, azar é de quem se recusa acreditar.
“Muitos moradores antigos já se foram e não estão aqui para contar essa história. Mas geada não acontece durante o dia e nem cai do céu. Pelas características que ele conta, era neve e é nisso que acredito”, finaliza.
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