‘Cada ml é doação de vida’: bancos de leite humano vivem no limite para tamanha demanda em MS

Mães doadoras e profissionais da saúde reforçam importância em doar leite para saúde de recém-nascidos

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Freezer com leite armazenado no HR (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Apesar de ser vital para saúde de bebês prematuros internados nas UTIs (Unidades de Terapia Intensiva), o estoque das maternidades vive no limite para a demanda em Mato Grosso do Sul. O Dia Internacional de Doação de Leite Humano, comemorado nesta quinta-feira (19), relembra o valor da doação para alimentação diária de crianças recém-nascidas internadas em hospitais.

Nutricionista e responsável pelo banco de leite da Santa Casa de Campo Grande, Gislene Nogueira, explica que toda mãe é uma possível doadora de leite. É necessário estar bem de saúde, ter o exame pré-natal e leite em excesso, ou seja, o ml que sobra quando o próprio neném mama.

“Temos um militar bombeiro que nos auxilia e uma funcionária focada só para coleta externa, que vai até a casa. A mãe não precisa se preocupar, pois vamos até ela. Temos rota para buscar leite todos os dias. Levamos os fracos esterilizados. Ao tornar uma doadora, recebe toda a orientação de como extrair, como armazenar. Há um contato diário com as mães por mensagem, até mesmo para tirar dúvidas. Aliás, não precisa ser uma doadora ou ter tido o bebê aqui; qualquer mãe que precisa de auxílio com a amamentação pode procurar uma orientação aqui. O nosso objetivo é ter mais crianças mamando, então estamos aqui para ajudar todas”, disse.

Gislene mostrando estoque pronto para consumo (Foto: Nathália Alcântara, Midiamax)

A unidade conta com 62 crianças receptoras e 60 mães doadoras. No mês anterior, o banco somou 105 litros doados, quando o ideal é 150 litros ao mês. Cada bebê precisa mamar três vezes ao dia, em média 3 a 4 litros sai do banco de leite por dia. Ou seja, a quantidade de pessoas doando poderia ser o dobro.

“A doação tem várias fases e análises. Quando é domiciliar, o leite chega congelado; fazemos a higienização do vidro; a análise de acidez para ver se o leite está próprio para consumo; o creme da camada de gordura e classificação; análise da microbiologia, onde fica dois dias na estufa; e só depois é liberado para consumo. Diferente de quando é feito aqui na sala de extração, que é mandado cru de imediato e exclusivo para o bebê da mãe. O processo todo de análises dura de três dias a uma semana. Por isso a necessidade de ter mais doadoras, para ter litros em estoque. É muito bebê para pouco litro de leite disponível”.

Espaço de testes em doações (Foto: Nathália Alcântara, Midiamax)

Mitos que dificultam o aumento de doadoras

Fernanda Meneses Paraguaçu de Oliveira, nutricionista do banco de leite humano do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul), conta que muitas mães acreditam que a ordenha é difícil ou vai perder o leite armazenando no congelador da geladeira. Toda maternidade possui equipes preparadas para auxiliar na orientação, retirada das doações em casa. O leite só chega no bebê depois de um longo processo de exames.

Há todo um processo complexo desde a chegada do leite doado pelas lactantes, como a preparação de exames e processos para verificar a saúde do leite, possibilidade de bactérias e liberação do litro apto para chegar na alimentação do bebê. As mesmas etapas comprovam a urgência da ampliação de lactantes doando.

“Há um mito de que se doar vai acabar ou reduzir o leite, quando é o contrário, quanto mais ordenha, mais há produção. A padronização dos exames tem um cuidado imenso. Se a gente vê um pelinho de roupa, pelo da mama, areia, cílios, formiga, esse leite é descartado. Cada exame classifica o tipo do leite, por exemplo, observar a gordura, para determinar a caloria do leite, que poderá alimentar bebê que está começando a dieta”.

Nutricionista mostrando fase de testes (Foto: Henrique Arakaki, Midiamax)

Só no HR, 33 crianças dependem da doação e, atualmente, 40 doadoras estão cadastradas na unidade. No mês passado, foram 62 litros doados, quando o ideal seria de 150 ao mês. Equipes trabalham na conscientização e sensibilização de mães para doação e chegar no estoque necessário ao mês. Atualmente o banco dispõe de cerca de 7 litros de leite pasteurizados, quantidade que seria suficiente para suprir a demanda por apenas um dia se alimentassem todos os bebês internados.

“Todo exame exigido para a mãe fazer para ser uma doadora é preciso, o prematuro está nos primeiros dias de vida, há regras sanitárias, mas não burocracia. A mãe fazendo a doação em casa ou na extração presencial, é um processo rápido e com toda orientação”.

Doação de vida

Mulheres tiram momentos da rotina para doar o bem vital produzido diariamente pela mãe. Kelly Garcia Melo Costa, nutricionista, fez a primeira doação com a gestação da primogênita, Maria. Depois de oito anos retorna ao banco de leite para doar com a chegada de João Miguel, completando um ano. A iniciativa surgiu em casa, observando a quantidade de leite da mãe.

“Minha produção de leite é grande, não custa nada ajudar as outras mãezinhas que não podem, que falta. É uma forma de agradecer a saúde dos meus filhos, de agradecer o alimento precioso que tenho para ele. É uma maneira de recompensar o próximo. Faço a coleta em casa, no começo era mais fácil porque o bebê era menor, a produção maior. Faço a ordenha de 4 a 5 vezes ao dia. Agora que ele está maior e estou voltando a trabalhar, faço sempre no fim do dia ou bem cedo”.

Kelly amamentando o pequeno João Miguel (Foto: Nathália Alcântara, Midiamax)

Outro benefício de doação é evitar o chamado leite empedrado, quando o corpo da mulher produz mais leite do que o bebê consegue mamar ou a mãe passa muito tempo sem amamentar. “Extrair o leite é confortável. Sempre tive orientação da equipe, o pessoal é atencioso, orientam quando faz a coleta, a higiene, levam os fracos. Faço a ordenha conforme é e congelo. A doação de leite é vida, uma vida alimentando outra, um alimento rico, o melhor que uma mãe poderia doar e receber para o filho”, disse.

“Seio materno não é estoque, é uma fábrica”

Marina Vieira Vidal é mãe de primeira viagem, da pequena Laura, que está chegando aos seis meses. A médica entende a necessidade da doação e saúde pública, pois, crianças prematuras dependem do leite materno, uma vez que sem estoque, o governo precisa providenciar fórmulas para alimentação, o que gera mais tempo de internação e gastos financeiros.

“Entendo, de coração, como mãe a preocupação de cada de faltar leite para o filho, de achar que não vai ter leite suficiente, só que é lembrar que o seio materno não é estoque, é uma fábrica. É como o amor, quando mais se dá, mais se tem. Não é só caridade, para mim é doar vida. Porque cada ml importa. Tem bebê prematuro que a cada mamada toma 5 ml. As mães acham que ordenham pouco, mas e é exatamente isso, cada ml é vida”, reforça.

“A partir do momento que se coloca à disposição [para banco de leite], eles vão te mandar um vídeo explicando tudo, o preparo, a massagem, higienização. Não precisa gastar com nada. Eles entregam os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), não é um processo complicado, a partir que se pega a prática é simples e leva alguns minutos só”.

Marina se emociona ao falar que a doação de leite é um ato de amor a outras mães (Foto: Henrique Arakaki)

O que é necessário para ser doadora?

Toda mulher que amamenta é uma possível doadora de leite materno, basta estar saudável e não estar tomando nenhum medicamento que interfira na amamentação. O primeiro passo é procurar ou se informar sobre uma unidade coletora. Em seguida, a equipe será designada em orientar a mãezinha de todo processo para extração de leite.

Após armazenar corretamente, a unidade de coleta recolhe os frascos e processa o leite, elimina todas as impurezas e bactérias e deixa o leite seguro para ser aproveitado. Não há nenhum custo da mãezinha, que pode doar no conforto de casa.

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