Delatores que foram protagonistas na instauração do processo de investigação do contrato do foram dispensados de audiência com o juiz responsável pelo processo, pois o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) afirmou que outras testemunhas ouvidas bastaram para esclarecer os fatos. Assim, a defesa dos empresários dos ônibus comemorou e destacou que estão ‘confiantes' na manutenção do contrato após a ausência dos delatores. A concessão estima faturamento de R$ 3,4 bilhões às empresas de ônibus durante seus 20 anos de vigência.

Ao Jornal Midiamax, o MPMS afirmou que “na audiência foram ouvidas testemunhas que contribuíram para os esclarecimentos necessários sobre os fatos afirmados na inicial”. A promotora de Justiça Bianka Machado Arruda Mendes representou o MPMS na audiência desta terça-feira (28).

Sasha Reck (advogado que delatou ao MP do Paraná direcionamento de licitação ao Consórcio Guaicurus em ) e Marcelo Maran (delator que também prestou informações sobre irregularidades na concessão) foram dispensados pela promotoria. Os dois eram as principais testemunhas de acusação contra o Consórcio e o depoimento na audiência poderia ser crucial para sustentar a anulação do contrato bilionário com os empresários dos ônibus em Campo Grande.

Apesar de o inquérito ser baseado nas denúncias dos delatores, o MPMS considerou que apenas os depoimentos de Daniel Carlos Silveira (superintendente da Controladoria Geral da União em MS), Geraldo Antonio Silva de Oliveira (auditor federal de Finanças e Controle) e Luiz Henrique Gomes da Silva Rezende (auditor federal de Finanças e Controle) seriam suficientes para sustentar a acusação, fundamentada inicialmente nas declarações dos delatores.

O advogado e ex-consultor do Consórcio Guaicurus, Sacha Reck foi preso em 2016 com outras cinco pessoas, durante a 1ª fase da Operação Riquixá — que tinha como objetivo desmontar suposta organização criminosa que fraudava licitações de transporte coletivo no Paraná. Após ser preso na operação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Sacha fez um acordo de colaboração premiada com o Ministério Público do Paraná e revelou um esquema de fraude que teria sido utilizado em 19 cidades do país, inclusive Campo Grande.

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Sacha durante delação. Foto: Arquivo Midiamax.

Um dia após o Jornal Midiamax revelar a delação do ex-consultor do Consórcio, o MPMS instaurou um inquérito civil, em 2019, para investigar irregularidades no processo de licitação que culminou na concessão dos serviços de transporte público de Campo Grande ao Consórcio Guaicurus em 2012. Porém, para ser ouvido pelo juiz — e confirmar as informações delatadas — o advogado foi dispensado pela promotoria.

A audiência foi conduzida pelo juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, e não contou com depoimento de Sacha, nem de Marcelo. Assim, as testemunhas de acusação ouvidas foram: Daniel Carlos Silveira (superintendente da Controladoria Geral da União em MS), Geraldo Antonio Silva de Oliveira (auditor federal de Finanças e Controle) e Henrique Gomes da Silva Rezende (auditor federal de Finanças e Controle), todos por videoconferência.

Consórcio dispensou testemunhas

A defesa do Consórcio Guaicurus, André Borges, saiu da audiência confiante, alegando que os dois advogados que delataram haver esquema de direcionamento de licitação ‘sumiram'. “A audiência no meu entendimento foi ótima, um fato relevante sobre as delações, os dois que fizeram delações sobre essa licitação, não foram ouvidos”, disse.

Borges destacou que como os delatores não participaram da audiência, “não serão ouvidos e as delações deles não têm nenhum valor, porque o que vale não é o que fala na frente do promotor ou do delegado, o que vale é o que fala na frente do juiz”. Confiante com o processo, a defesa do Consórcio considera a dispensa dos delatores como ‘contraditório'.

Assim, afirmou que, pela ausência dos delatores, com as provas colhidas na audiência e análise do TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul) e MPMS, o contrato seguirá ativo. “A convicção do Consórcio Guaicurus é que o processo vai ser arquivado”, ressaltou confiante.

Dentre as testemunhas de defesa do Consórcio, duas foram ouvidas e duas foram dispensadas. Participaram das oitivas de defesa dos empresários do ônibus Marcelo Luiz Bonfim do Amaral (diretor-presidente da Agereg à época da licitação) e Bertholdo Figueiró Filho (presidente da comissão de licitação à época).

O diretor do Consórcio Guaicurus, João Rezende Filho, e o senador Nelsinho Trad — prefeito de Campo Grande entre os anos de 2005 e 2012, ou seja, em todo o período em que a licitação de concessão foi elaborada, lançada e vencida pelo Consórcio Guaicurus — foram dispensados pela defesa. Conforme Borges, as testemunhas não teriam “informações novas para acrescentar”.

Caso de esfera criminal

Para o ex-vereador — primeiro a tentar propor CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na Municipal contra o contrato com as empresas — a concessão de ônibus em Campo Grande é caso de esfera criminal. “É preciso que o Ministério Público responsabilize criminalmente essas pessoas, esses empresários, para que esses crimes de irregularidade sejam punidos e que esses grupos não façam mais isso nem aqui na nossa cidade e nem mais em lugar nenhum“, comentou nesta quarta-feira (29) sobre o julgamento da ação cível que pode colocar fim ao contrato com o Consórcio Guaicurus.

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Ex-vereador Vinícius Siqueira.

O caso é analisado a pedido do MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul), após o então vereador questionar a qualidade do serviço prestado em Campo Grande e delações que apontavam supostas irregularidades no contrato. “Fui até o Paraná na época conversar com a promotora de Guarapuava que descobriu o grupo que cuidava de concessões de transporte no país todo, mas não tinha condições de tocar o serviço, assim como acontece aqui em Campo Grande”, lembrou.

Segundo Siqueira, enquanto vereador, ele verificou supostas irregularidades na execução do contrato e o MPMS teria encontrado já na licitação. “Juntamos tudo e existem várias ações agora tramitando. Precisamos nos livrar desse contrato horrível e caro que é o com o Consórcio Guaicurus”.

Irregularidades apontadas pelo MPMS na concessão do transporte

No processo, o MPMS elencou uma série de irregularidades identificadas durante a investigação e que, na visão da 30ª Promotoria de Justiça de Campo Grande, são suficientes para anulação do contrato.

  • apresentação de garantia de proposta das empresas concorrentes antes da sessão pública de abertura dos envelopes com as propostas;
  • determinação do município de que empresa vencedora pagasse R$ 5,5 milhões ao município em 180 dias;
  • ausência de justificativa técnica da empresa vencedora sobre exigências de frota e serviço;
  • modelo da licitação no formato melhor técnica e preço que reduziu a competitividade do certame;
  • ausência de parecer técnico que justificasse a composição do valor da outorga estabelecido em 70% “técnica” e 30% “preço”;
  • irregularidade do município em cobrar R$ 3 mil das empresas concorrentes para retirar cópia de documentação física referente ao edital de concorrência.

Todas as irregularidades apresentadas pelo MPMS são, ao longo dos anos, rebatidas tanto pela prefeitura de Campo Grande quanto pelo Consórcio Guaicurus. Atualmente, o processo possui 17,1 mil páginas.

“Após a audiência, o MP terá o prazo de 30 dias para apresentar as alegações finais, assim como as outras partes, para, em seguida, ser proferida a sentença”, afirmou o Ministério. A assessoria do juiz que conduziu as oitivas desta terça-feira (28) afirmou que o processo segue para alegações finais. 

Firmado em 2012

O processo licitatório se encerrou em outubro de 2012 com a declaração das empresas Viação Cidade Morena, São Francisco, Jaguar Transportes Urbanos e Viação Campo Grande — que formaram o Consórcio Guaicurus — como vencedoras. O grupo apresentou proposta de R$ 20 milhões. O encerramento da licitação se deu pouco mais de dois meses antes do fim do mandato de Nelsinho Trad, atual senador, como prefeito de Campo Grande. Justamente uma das testemunhas do Consórcio, que deu ao grupo de empresas o direito de faturar até R$ 3,4 bilhões explorando o transporte da cidade durante 20 anos.

O contrato da concessão, assinado em 25 de outubro de 2012, tem como partes o então prefeito Nelson Trad, o diretor da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito), Rudel Trindade, o então diretor da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos), Marcelo Luiz Bonfim do Amaral, e Nelson Guenshi Asato, empresário representante das quatro empresas de transporte que formam o Consórcio.

A ação civil pública apresentada pelo MP tem como réu apenas a figura jurídica da prefeitura de Campo Grande, ou seja, mesmo prefeito à época, o então prefeito Nelson Trad Filho escapou de ser réu na ação.

Situação oposta ao que ocorreu em outra investigação que teve como alvo corrupção no contrato de concessão da coleta de lixo em Campo Grande, vencido pela Solurb, também em outubro de 2012, último ano de gestão de Nelson Trad.

Neste processo, e senador e ex-prefeito foi condenado em março de 2021 por irregularidade na concessão. Nelson Trad e os empresários da Solurb foram condenados a pagar R$ 94 milhões, decisão suspensa após decisão do Tribunal de Justiça em outubro do ano passado. Todos ainda recorrem da decisão, que também determinou anulação do contrato de concessão.