‘Garimpo’ da saúde: como cidade a 95 km de Campo Grande faz a população peregrinar sem especialistas
Corguinhenses relatam drama ao buscar assistência de saúde em município vizinho ou então na capital para consultas médicas e odontológicas
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A estátua de um garimpeiro, localizada na avenida principal de Corguinho, a 95 quilômetros de Campo Grande, simboliza não só a chegada dos primeiros moradores em busca de pedras preciosas, mas também a atual situação dos corguinhenses, que precisam peregrinar em busca de médicos especialistas e dentistas, tanto na cidade vizinha de Rochedo como na capital sul-mato-grossense. Veja vídeo de depoimentos no final da matéria.
O Midiamax esteve no município esta semana e conversou com diversos moradores que relataram a rotina de uma saúde pública precária. A maioria deles ressaltou as viagens para conseguirem atendimento com pediatra, ginecologista, fonoaudiólogo, psicólogos e até fisioterapeuta, já que os que possuem na cidade não estariam dando conta da demanda. O curioso é que, horas depois da visita da equipe de reportagem, a prefeitura anunciou a contratação de uma pediatra.
A dona de casa Jaqueline Mendes dos Santos, de 33 anos, vivencia este drama há mais de uma década. Mãe de três, José e Luis, de 11 e 14 anos respectivamente, além da Geovana, de 15 anos, ela conta que sempre viajou para Campo Grande ou então foi até Rochedo buscar atendimento para os filhos. Há 9 meses, no entanto, um triste diagnóstico da filha agravou a situação: encefalite autoimune.
Tudo começou em maio de 2021, quando a menina soube da morte de um professor por covid e ficou muito abalada. “Ela sempre foi muito estudiosa, aliás, a mais estudiosa de casa. Quando soube da morte do professor, que ela gostava muito, passou a ficar triste em casa e não podia nem falar desta doença. No dia 13 daquele mês, quando ela estava na minha mãe, teve uma espécie de surto e saiu quebrando vários objetos”, contou Jaqueline.
A família a levou ao posto de saúde 24 horas de Corguinho. Lá, a menina recebeu uma medicação e teria ido dopada para Campo Grande. “Ela tem plano de saúde da Cassems, por conta da minha mãe, e nós fomos direto para o hospital. A Geovana ficou 73 dias no hospital e nós até alugamos uma casa para ficar com ela lá. Estamos inclusive devendo ainda esse valor”, lamentou a mãe.
Sem especialistas, adolescente pode perder a fala
Ao retornar para Corguinho, a família recebeu uma extensa documentação, a qual precisaria encaminhar a menina para atendimento semanal com fonoaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga e, caso isso não ocorresse, ela corre o risco de perder a fala. Desde então, a população contribui e ajuda a família com rifas e até leilão virtual.
“Eu vou até Rochedo, aqui do lado, e pago R$ 70 a sessão da fono, duas vezes na semana. O fisioterapeuta lá cobra R$ 50 a sessão. Eu paguei o máximo que eu pude, mas, agora não estou tendo mais condições de levá-la todos os dias e isso me deixa muito triste. O bom é que a população sempre me ajuda, do jeito que pode. Sou muito grata”, comentou Jaqueline, emocionada.
Além do atendimento médico, o que mais preocupa Jaqueline e o marido, o pedreiro José Cardoso Delmondes, de 44 anos, é a medicação necessária para o tratamento da adolescente.
“Ela precisou tomar imunoglobolina, que custa R$ 3 mil a ampola e dá um custo de R$ 45 mil a cada dois meses. Depois disso foi receitado o remédio Rituximab 500 mg, que custa R$ 70 mil. Tive que entrar na Justiça e não tive ajuda até agora. Quando a gente vai na prefeitura reclamar, volta do mesmo jeito e nem retorno das consultas eu consegui ajuda. Tem uma que custa R$ 600 e eu estou sem condições de pagar”, explicou.
Jaqueline também relatou que a mãe, titular do plano de saúde, recebeu um relatório sobre o tratamento da Giovana. “Eles falaram que este foi o terceiro caso no estado e o custo deste tratamento está em torno de R$ 300 mil. No SUS [Sistema Único de Saúde] não tem tratamento para esta doença e acho que nem conhecimento, porque lá na Cassems falam que o remédio que deram no posto de Corguinho foi forte demais. Ao chegar no hospital, continuaram com a medicação receitada e falam que isso é que piorou toda a situação dela”, argumentou.
A família Mendes também mudou toda a rotina. O pai disse que, por sorte, trabalha com o irmão e ele entendeu a ausência, por um tempo, para que ele se deslocasse para Campo Grande e Rochedo, onde ocorre grande parte do tratamento da menina. “Seria muito melhor ter os médicos aqui na cidade e isso diminuiria todo esse transtorno que estamos vivendo”, disse.
Aqui vale a ‘lei do faroeste’, diz aposentado
Revoltado após buscar atendimento com fisioterapeutas na UBS [Unidade Básica de Saúde] de Corguinho, por diversas vezes, o pintor aposentado Daniel Batista de Oliveira, de 55 anos, disse que na cidade “o que vale é a lei do faroeste”, onde “quem pode mais chora menos”. Diagnosticado com paraplegia, ele precisou recentemente dizer que “estava se arrastando no chão em casa para conseguir uma cadeira de rodas do município”.
“Eu tenho o documento que fala que eu necessito de uma cadeira de rodas adequada, cadeira de banho e fisioterapia. A cadeira eu consegui depois de implorar. A de banho nunca consegui e as sessões de fisioterapia pior ainda. Tem duas piscinas em um ginásio aqui que falam que é pra isso, só que fica tudo fechado. Nada funciona, nunca tem vaga, nunca tem recurso”, lamentou.
Pai e avô, Daniel também lamenta a falta de especialistas e até de remédios. “Meu neto nunca consultou com um pediatra aqui. Isso nunca teve. Só quando passa mal é que vai para a emergência e pronto. É um descaso sim com a população. Faz um ano e quatro meses que tomo remédio para pressão também e minha esposa teve que comprar nessa quarta-feira (9), porque falaram que não tinha mais no posto”, comentou.
A merendeira aposentada e assistente social, Edith Canhete, de 71 anos, diz que a nora atua como enfermeira no município e argumenta que realmente faltam especialistas. “O atendimento é bom, é bem feito, só que é o básico. Faltam especialistas e o atendimento de fisioterapeutas, por exemplo, é bem limitado. Atende uma parte da população e deixa outra sem atendimento. Não cobre a demanda”, ponderou.
Sem aparelho de raio-x, dona de casa não conseguiu extrair dente
A dona de casa Rayani de Araújo, de 20 anos, é mãe de duas crianças e diz que consulta em Campo Grande, quando necessário. Nessa quinta-feira (10) o Midiamax a encontrou no momento em que retornava de um posto de saúde, sem conseguir o atendimento necessário.
“Eu estava com muita dor de dente e a dentista disse que era necessário fazer a extração, só que ela não poderia fazer porque precisava ver no aparelho de raio-x. Eu vou ter que ir até Rochedo porque aqui não tem este aparelho. Fizeram uma obturação e me deram o remédio. Só isso”, falou.
Sobre os remédios, a jovem disse que não encontrou para a mãe. “Eu também fui pegar o remédio de pressão para minha mãe e não tinha. Peguei o dinheiro e fui na farmácia comprar pra ela. No posto parece que você só vai para pegar dipirona, ibuprofeno ou buscopan. Parece que aqui parou no tempo mesmo, é até uma questão de humanidade”, argumentou.
A professora Walkiria de Oliveira, de 40 anos, disse que se mudou há seis meses para Corguinho. Antes, ela residia com a família em Rochedo e lá os levava em pediatras. “Aqui eu ainda não precisei de atendimento, então, não posso dizer como é. Trouxe o meu filho de 11 anos no posto, para tomar vacina da covid. Ele foi muito bem atendido e aqui também tem o dr. Mário, que é um excelente médico, mas, sobre especialistas não sei dizer ainda”, falou.
Ao contrário, a auxiliar do comércio, Nilcéia Pereira dos Anjos, de 47 anos, fala que não encontra especialistas em Corguinho. “Moro aqui desde 1974 e sempre foi assim. Minha filha tem 22 anos e essa semana foi lá em Rochedo para fazer exames ginecológicos. A despesa dela foi de R$ 700. Aqui, quando tem, é aquele ônibus da saúde que vem e você tem que ser esperta, agendar antes. Se chegar lá na hora não tem mais vaga e fica sem atendimento”, finalizou.
A dona de um restaurante na cidade, que prefere não se identificar, fala que os corguinhenses vivem uma situação precária quando se fala em saúde.
“Você vai no médico e ele pensa que você pode ter um tipo de doença. Ele passa um raio-x, um ultrassom e não tem nada disso aqui. Para a saúde aqui funcionar, precisa não só de profissionais para consulta, mas, também estes aparelhos. Desta forma, ninguém mais vai precisar ir para Campo Grande ou cidades onde tem esses exames disponíveis”, falou.
Prefeita negou falta de atendimento à população
Após ouvir a população, o Midiamax esteve no posto de saúde e também na prefeitura. Após aguardar cerca de 40 minutos, a prefeita Marcela Ribeiro Lopes (PSDB) recebeu a equipe. Ela negou a falta de atendimento à população e disse que precisaria saber caso a caso para dar as devidas respostas, pedindo, inclusive, para enviar as perguntas por email que ela responderia corretamente. Até o momento da publicação da reportagem, no entanto, não houve resposta.
Sobre a falta da medicação, a prefeita disse que será verificado se o medicamento da hipertensão está em falta. No entanto, ela garantiu que isso não ocorre e que pode ser um problema pontual.
Marcela ainda comentou que os recursos do município são distribuídos não só para Corguinho, mas, também para os 4 assentamentos e 4 distritos ao redor, sendo que a “arrecadação é menor do que as despesas”.
No caso da contratação de profissionais, ela relatou que existe toda uma burocracia e que muitos médicos, mesmo tendo a oferta de receber valor maior pelo plantão, preferem atender na capital por conta do deslocamento até a cidade.
No final do dia, porém, a prefeita usou as redes sociais para confirmar a contratação de uma pediatra na cidade.
Veja a postagem na íntegra:
“A Prefeitura através da Secretaria municipal de saúde finalizou hoje o credenciamento da pediatra Dra Luciana Diniz que irá atender nossas crianças. Seja bem vinda em nosso município”.
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