A tragédia no do Rio de Janeiro, na qual um incêndio de grandes proporções destruiu a estrutura e acervo de mais 200 anos na noite do domingo (2), é a crônica de uma morte anunciada de praticamente todos os museus e acervos históricos públicos do país, inclusive em . Tanto lá como aqui, o problema esbarra na manutenção preventiva das estruturas, que é quase inexistente.

O risco de incêndio é iminente, por exemplo, no Arca (Arquivo Histórico de ). O prédio que reúne parte significativa do acervo histórico da capital, como livros, imagens, cartas cartográficas e outros documentos históricos relevantes, sofre com a falta de manutenção, sobretudo na parte elétrica. Com isso, o risco de incêndios deixa todo o acervo exposto a riscos de consequências imprevisíveis.

Museus e acervos de MS estão sob risco iminente de tragédias como a do Museu Nacional
Prédio do Arca não oferece segurança a acervo e deverá se mudar ainda em 2018 (Foto: Google Street View | Reprodução)

“A parte elétrica é apenas um dos detalhes. A própria estrutura do prédio atual é inadequada para guardar esse acervo, o que impede, por exemplo, a expansão dele. Quando assumimos [a ], encontramos o Arca num estado de abandono total. Estamos cientes dos riscos e já obtivemos aval para alugar um prédio que pudesse comportar esses materiais temporariamente”, explica a gerente de Patrimônio da Sectur (Secretaria Municipal de Cultura e Turismo), Lenilde Ramos.

De acordo com a gestora, aluguel de um imóvel deve ocorrer até o fim de 2018 e é uma medida emergencial enquanto não vem uma solução definitiva – no caso, a revitalização da Rotunda Ferroviária – outro prédio esquecido, abandonado e depredado. O projeto, que transformará o equipamento em um cultural, prevê a instalação do Arca nas dependências e está em vias de ser apresentado à administração municipal.

“O projeto desenvolvido para a Rotunda Ferroviária, que foi puxado pelo Iphan (Instituto do Nacional) prevê o Arca lá dentro. A Rotunda é uma área imensa, com muito potencial, e que além de equipamento cultural também estará relacionado à pesquisa. Isso porque, além de bem condicionado, esse acervo do Arca também tem que estar ao alcance da população: diariamente, professores, estudantes e pesquisadores em geral recorrem aos arquivos”, explica Ramos.

Museus e acervos de MS estão sob risco iminente de tragédias como a do Museu Nacional
Rotunda também segue abandonada e após revitalizada sediará o Arca (Foto: Arquivo Midiamax)

Tradição no descaso

O descaso com equipamentos públicos de valor histórico ou que guardam documentos importantes ocorre há décadas. Em Ponta Porã, a antiga base do governo na fronteira, atualmente conhecido como Castelinho, integra o rol de prédios que esmaecem em meio ao esquecimento. Apesar do governo do Estado ter financiado um projeto de restauro, orçado em R$ 257 mil, ainda há dúvidas se a estrutura resistirá até que a revitalização seja iniciada.

“É um prédio de valor histórico e arquitetônico que está desmoronando, praticamente, porque foram décadas de esquecimento. Temos um avanço com a conclusão do projeto executivo, mas nos perguntamos porque isso não saiu muito antes”, questiona Caciano Lima, gerente de Patrimônio da FCMS (Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul).

Museus e acervos de MS estão sob risco iminente de tragédias como a do Museu Nacional
Obras de restauro do Castelinho, em Ponta Porã, deveriam ter sido iniciadas em setembro (foto: Divulgação | FCMS)

Segundo ele, o risco de tragédias como a ocorrida ontem no Rio de Janeiro é constante em vários museus e prédios históricos sob tutela do Estado.

“A questão da segurança e da zeladoria nesses equipamentos é negligenciada, principalmente porque os recursos destinados para tanto não são suficientes”, afirma o gestor., que confirma que verbas para manutenção são o grande obstáculo. “Não existe novidade nisso, patrimônio público está no fim da fila de prioridades”, considera.

O titular da Secc (Secretaria de Estado de Cultura e Cidadania), Athayde Nery, faz coro a Caciano. Segundo ele, é preciso fazer malabarismos para obter verba e aplicá-los na conservação não só dos prédios tombados, mas também dos acervos históricos.

“Sem dúvidas orçamento é o maior desafio. O que ocorreu no Rio de Janeiro foi a consequência do desprezo com a questão da preservação. E muito embora nós tenhamos algumas conquistas consideráveis, vencer a cultura da não-manutenção requer malabarismos. É o que estamos tentando fazer”, afirma Athayde.

Mais do mesmo

A Casa do Artesão, na Avenida Afonso Pena, e que também já foi sede da Prefeitura de Campo Grande, também padece com a falta de manutenção. O prédio chegou a ser interditado pelo Corpo de Bombeiros em 2016. Chegou a receber intervenções para conservar a fachada, mas o interior necessita de reformas básicas, como fiação elétrica, infiltrações e manutenção do madeiramento. Atualmente funciona sem alvará do Corpo de Bombeiros.

Da mesma forma, o teatro Araci Balabanyan, que funciona no Centro Cultural José Octávio Guizzo, na Rua 26 de Agosto, está fechado e segue interditado. “A falta de manutenção deixou o cupim se instalar e nos obrigou a interditar. O orçamento de reparação, que estava em R$ 1,5 milhão, agora está perto de R$ 3 milhões, de tanta coisa que foi surgindo. É por isso que precisamos de saídas interessantes para não ficar à mercê da verba governamental. Eu acredito nesses convênios e estou vendo funcionar”, considera Athayde.

No restante do prédio o Centro Cultural mantém suas atividades normalmente. No local são desenvolvidas atividades culturais.

Possíveis saídas

O secretário se refere a modelos de cooperação e convênios com os demais poderes e também com a iniciativa privada.

Museus e acervos de MS estão sob risco iminente de tragédias como a do Museu Nacional
Convênios com o Sesc reabilitaram dois prédios históricos importantes de Campo Grande (Foto: Arquivo Midiamax)

“Estamos numa crise e esperar que o recurso para conservação seja maior é impraticável. Assim, o que se espera do gestor é encontrar saídas. Tivemos soluções interessantes com emendas parlamentares, com cooperações com o TRE (Tribunal Regional Eleitoral) e com a Energisa, por exemplo, que requalificaram alguns espaços públicos. Apostamos nesse o caminho”, aponta Nery.

Dentre os modelos semelhantes aos citados por Nery, estão convênios que revitalizaram e devolveram à população da Capital a antiga Pensão Pimentel, também conhecida como Morada dos Baís, e o prédio histórico da 30ª Circunscrição do Serviço Militar, na Avenida Afonso Pena.

“Temos aí dois projetos de convênio com o Sesc que reestruturaram prédios públicos que estavam abandonados, mas que agora receberam destinação e reparos necessários. Acredito que esse seja um dos caminhos”, finaliza.

A gestora de patrimônio da Sectur, Lenilde Ramos, também defende a responsabilidade compartilhada. “O projeto da Rotunda, por exemplo, teve execução do Iphan, com participação da Prefeitura e será uma solução definitiva. Infelizmente, a tragédia no Rio de Janeiro foi decorrente do corte de verbas, e se não houver soluções criativas, isso voltará a acontecer”, conclui.