Prédio histórico nunca recebeu reparos

Desde que foi desativada, no final da década de 1990, a Rotunda do Complexo Ferroviário de jamais recebeu reparos. Mesmo tombada por lei, o prédio permanece abandonado à própria sorte, sem limpeza e manutenção adequada ou qualquer tipo de proteção. Recentemente, moradores da Vila dos Ferroviários têm reclamado ao poder público da insegurança e sujeira devido a usuários de usuários de drogas no local.

Com isso, o problema que abraça a Rotunda Ferroviária ganha outra dimensão: torna-se social, histórico e moral. Social, porque há uma forte hipótese de que existe uma ‘rota ferroviária' da droga, que teria início na região do Mercadão Municipal, seguiria pela Orla Ferroviária, passaria pelo estacionamento da Feira Central e culminaria na Rotunda. Histórico, porque um dos principais equipamentos da antiga de Campo Grande, responsável por desenvolver Campo Grande, agoniza em sua própria estrutura. Por fim, moral, porque um prédio histórico de grande importância segue sem os cuidados necessários a pelo menos 20 anos.

Uma lei, assinada pelo então prefeito Nelson Trad Filho em dezembro de 2012, autoriza a concessão da área por 30 anos a quem restaurar o espaço, cujo orçamento gira em torno de R$ 15 milhões a R$ 20 milhões. No entanto, o edital que determinaria o vencedor da concorrência jamais foi publicado.

Na última quarta-feira, 30 de dezembro de 2015, equipes da Prefeitura se reuniram no local. Em vistoria, constataram a utilização do local por dependentes químicos. Funcionários da SEAS (Serviço Especial em Abordagem Social), vinculado à SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) atuaram de forma a promover a sensibilização dos usuários alojados na Rotunda. Mesmo não encontrando ninguém, a equipe constatou que a frequência de pessoas deve acontecer mais à noite. “Vamos acionar a equipe noturna para fazer o trabalho de sensibilização e, a partir daí, vamos identificar quais são as necessidades desse grupo, para encaminhá-los a algum serviço que a Prefeitura disponibiliza”, falou um agente.

Sem vigilãncia, local se tornou alvo fácil de vãndalos (Luiz Alberto)

 

Depredação

Com boa parte da estrutura em condições precárias, mesmo para leigos o prédio parece oferecer riscos. O destelhamento, a falta de reboco nas paredes e colunas e, principalmente, o ferrugem nas barras de aço que sustentam o telhado e conecta vigas são apenas alguns dos sérios problemas estruturais que o prédio oferece. Para além disso, usuários tem feito alterações na instalação. “Os registro já demonstram que nos últimos meses houve alteração da estrutura, tais como vedações de janelas com blocos de concreto, escavações e retiradas de telhas”, afirma Elaine Lameu, estudante de arquitetura da Uniderp integrante de um grupo de estudos que, junto ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) faz o levantamento arquitetônico da Rotunda.

A Prefeitura de Campo Grande afirma ter preocupação com o equipamento histórico. Segundo Julio Cabral, ex diretor-presidente da Fundac (Fundação Municipal de Cultura) e assessor de gabinete da Prefeitura, a limpeza do local e um levantamento das construções irregulares nas imediações da Rotunda serão solicitados às secretarias competentes. “O mato está aparado, mas há muita sujeira. Notamos também que há algumas construções recentes nas imediações e precisamos averiguar se elas foram feitas com autorização e dentro da legalidade”, afirma.

De acordo com o assessor, a Prefeitura dispõe de um projeto de revitalização da área, que inclusive já foi apresentado à presidente Dilma Roussef e a diversas pastas federais, como os ministérios da Cultura, do Turismo, do Meio Ambiente e da Ciência e Tecnologia. “A proposta é de restaurar a Rotunda e transformá-la num espaço multiuso, onde pudessem ocorrer aulas, oficinas, shows, exposições e espetáculos. Já temos um projeto pronto, mas precisamos das parcerias. Só não andou porque houve troca de gestão. O prefeito Bernal tem grande interesse neste espaço, tanto é que em abril de 2013 fizemos um evento aqui”, destaca.

Equipes da Prefeitura vistoriaram o prénio nesta semana (Luiz Alberto)

 

Cidade ocupada

Para o arquiteto e urbanista Fernando Batiston, chefe da Divisão de Patrimônio do Planurb (Instituto Municipal de Planejamento Urbano), além do urgente restauro, promover a ocupação dos espaços públicos também é uma das necessidades para solucionar os aspectos social e estrutural da Rotunda. “Não adianta muito reformar isso se a cidade não frequentar, não utilizar”, diz.

Este, a propósito, é um dos problemas da Orla Ferroviária, obra que revitalizou os trilhos remanescentes desde a Morada dos Baís, na Avenida Afonso Pena, até a Avenida Mato Grosso, durante os últimos anos de gestão do prefeito Nelson Trad Filho e inaugurada por Alcides Bernal. Houve claramente uma falha na estratégia de ocupação do local, que atualmente também padece com a presença de dependentes químicos. “O Planurb trabalha num projeto para a ocupação popular e cultural da Orla Ferroviária, com segurança, videomonitoramento e revitalização dos vagões danificados por meio de contrapartidas privadas”, acrescentou Batiston.

Paredes foram destruídas e há escavações na área (Luiz Alberto)

 

André Vilela Pereira, do Iphan, também acredita na ocupação como solução. “Com o projeto de revitalização do centro, é possível que a ocupação da região proteja mais este patrimônio. Mas é importante que a Rotunda esteja de pé antes de qualquer coisa. Muita gente vem aqui, principalmente estudantes de arquitetura, porque o prédio tem muita importância histórica e cultural”, afirma.

Ou seja: a equação que soluciona a proteção ao patrimônio é complexa, mas tem solução… Se resolvida coletivamente.