Prisão de Lula não determinou vitória de Bolsonaro nas urnas, dizem cientistas políticos

Yahoo O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos focos da atenção da eleição de 2018. Mesmo preso em Curitiba, o líder do PT estava à frente dos demais candidatos nas primeiras pesquisas de intenção de voto, mas, impedido de concorrer, se tornou um verdadeiro combustível para a campanha do presidente eleito, Jair […]

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O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos focos da atenção da eleição de 2018. Mesmo preso em Curitiba, o líder do PT estava à frente dos demais candidatos nas primeiras pesquisas de intenção de voto, mas, impedido de concorrer, se tornou um verdadeiro combustível para a campanha do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Uma das figuras públicas mais consolidadas no cenário político nacional, Lula concorreu à Presidência da República em 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, saindo vitorioso nas duas tentativas. Posteriormente, mostrou sua força em eleger sua sucessora Dilma Rousseff em 2010 e 2014.

Já neste ano, Lula viveu o desfecho dos trabalhos realizados pela operação Lava Jato, promovida pela Polícia Federal. O processo, que culminou na condenação do ex-presidente e sua prisão, durou cerca de quatro anos e foi pautado na investigação a respeito da compra de um apartamento triplex no Guarujá, litoral de São Paulo. Relembre toda a trajetória do político até o momento de sua prisão e entenda como o caso afetou as eleições presidenciais deste ano.

A linha do tempo

Em 2016, investigadores da força-tarefa da Polícia Federal informaram que Lula havia sido beneficiado com o repasse R$ 3.7 milhões em propina após beneficiar a empreiteira OAS com contratos na Petrobras. Parte do valor foi paga através do triplex, enquanto a outra foi recebida por meio de pagamento de despesas de armazenamento do acervo presidencial acumulado por Lula durante seus mandatos.

Não demorou uma semana para que o juiz federal Sérgio Moro aceitasse a denúncia contra o ex-presidente, tornando-o réu na operação Lava Jato. Em março, o líder do PT foi levado para depor na PF após uma ação de condução coercitiva, mas foi liberado logo em seguida.

Já em agosto, o então procurador de República Deltan Dallagnol apresentou uma denúncia de corrupção passiva e lavagem de dinheiro contra Lula. No documento, a acusação aponta o ex-presidente como “comandante” do esquema de corrupção instaurado dentro da Petrobras durante a época do PT no poder.

Preso há quatro meses na carceragem da PF em Curitiba por conta de outras investigações, o empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, afirmou em depoimento em abril de 2017 que o triplex foi de fato reservado para Lula. Um mês depois, Lula e Moro ficaram frente a frente pela primeira vez e o ex-presidente negou ser o dono do imóvel.

Em julho de 2017, Moro condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Durante os meses seguintes a defesa do ex-presidente recorreu contra a decisão mais duas vezes, forçando a decisão para o Supremo Tribunal Federal. Mesmo condenado, Lula não desistiu de sua candidatura à Presidência e manteve Fernando Haddad como seu vice-presidente.

Em um segundo depoimento, o ex-presidente afirmou ser vítima de uma “caça às bruxas” promovida pelo juiz Moro. O líder do PT subiu 16 pontos percentuais nas pesquisas de intenção de voto, chegando a 45%, quase o dobro dos demais concorrentes como Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin (PSDB).

“Eu tenho a tranquilidade de que vou ser absolvido porque para um cidadão ser condenado ele tem que ter cometido um crime. Eu duvido que nesse país tenha alguém com a consciência mais tranquila do que a minha. A minha condenação será a negação da Justiça”, declarou o ex-presidente na época.

Mesmo após os pedidos da defesa, em janeiro de 2018 a Oitava Turma do TR4 decidiu ampliar a pena de Lula para 12 anos e um mês em regime fechado. Em 4 de abril de 2018, o STF rejeitou, após uma sessão de mais de 9 horas e por um placar de 6 a 5, o habeas corpus preventivo apresentado pela defesa como último recurso para barrar a prisão do ex-presidente.

Em menos de 24 horas, Moro determinou que Lula se apresentasse à Polícia Federal para cumprir sua pena. O líder sindical se dirigiu até o Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo, onde uma multidão se aglomerou para apoiá-lo. Somente na noite do sábado (9) o político se entregou às autoridades.

Os efeitos

É impossível negar a força política de Lula. O líder sindical possui seguidores leais às suas ideias e acreditam que seus mandatos foram responsáveis pelo maior desenvolvimento da história do Brasil. Não à toa o petista permaneceu na liderança das pesquisas de intenção de voto mesmo preso.

Entretanto, especialistas acreditam que mesmo que estivesse solto, Lula poderia sim ser derrotado na disputa à Presidência. “Sua ausência nesta eleição em 2018 teve, sim, um enorme peso. Mesmo tendo sido condenado em segunda instância e preso, por um bom tempo Lula liderou as intenções de voto. Isso, contudo, seria um indicativo de sua vitória certa? Difícil de responder, pois entraríamos no campo das projeções e achismos”, analisa Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador em sociologia e ciência política na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Outro fato é que a eleição deste ano foi pautada pelo repúdio à Lula, ao PT e tudo o que esteve relacionado ao partido nos últimos anos. Diante deste cenário, o político e a legenda se tornaram combustível para a campanha de Bolsonaro, que se tornou no principal antagonista do chamado “lulopetismo”.

Mesmo com Lula preso, o PT lutou para manter viva a esperança de que o ex-presidente pudesse ser solto, desenquadrado da Lei da Ficha Limpa e concorresse. A estratégia, entretanto, se mostrou equivocada e ajudou ainda mais Bolsonaro a crescer nas pesquisas.

“Os apoiadores do ex-presidente Lula foram pródigos em construir narrativas vitoriosas na sociedade brasileira. Criam, há muito, o termo “herança maldita”; depois, com Lula, o “nunca antes na história desse país” e, mais recentemente, que o “impeachment é golpe”, que Lula é “perseguido político” e “eleição sem Lula é fraude”. O PT fez, como deveria ser, o jogo da política buscando, sempre, entrar na lógica jurídica a partir da lógica política, mas isso não surtiu o efeito esperado”, explica Prando.

“Em que pese que não sou um jurista, todos os fatos apontam para um dado elementar: Lula foi preso por ter cometido crimes e não por sua vitoriosa e singular trajetória política. Inclusive, vale ressaltar, o ex-presidente continua investigado e, provavelmente, deverá ser condenado em breve na ação do famigerado sítio de Atibaia”, continuou.

Lula ainda responde por outras ações e sua pena tende a aumentar, caso seja condenado nas demais investigações. Para o professor do centro de Ciências Sociais e Aplicadas do Mackenzie, a Lava Jato não focou apenas no PT, mas sim em pessoas envolvidas em esquemas de corrupção investigados. “Os resultados da Lava Jato estão à disposição da sociedade brasileira e são, sem dúvida, um marco no combate à criminalidade”, disse Prando.

Ao longo de sua campanha, o Partido dos Trabalhadores insistiu em dizer que Lula estava sendo privado de concorrer à presidência e que sua condenação só ocorreu por conta de motivos pessoas e políticos. Entretanto, não houve irregularidades durante o processo, aponta professor do Mackenzie.

“Houve, com o Sérgio Moro, um julgamento em primeira instância; depois, o resultado foi confirmado por três desembargadores em segunda instância e até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal puderam avaliar as decisões anteriores. Em todos os casos, o ex-presidente foi, na lógica jurídica, derrotado, mas sempre com direito à ampla defesa e ao contraditório, contando ainda com advogados de renome”, lembrou.

Diante destes fatos, não é possível determinar que a vitória de Bolsonaro nas urnas se deve pela prisão de Lula. De acordo com os especialistas, o maior erro do PT de fato foi não apostar suas fichas em uma candidatura prévia de Haddad desde o início da disputa.

É impossível prever o resultado eleitoral caso o ex-presidente estivesse presente como candidato. Se o PT não tivesse insistido até o final com Lula, sabidamente inelegível, e desse total foco na candidatura de Haddad, moderando o discurso, o resultado seria outro? Podemos fazer inúmeras projeções sempre parciais e provisórias. Essa foi uma eleição singular: assentada, principalmente, na rejeição, ódio e medo”, completa Prando.

Já Márcio Juliboni, cientista político do Mackenzie, vê a vitória de Bolsonaro como uma resposta a um movimento mais amplo da sociedade brasileira, caracterizado pelo antipetismo, forte conservadorismo nos costumes e completo repúdio à corrupção e desejo de combater a criminalidade.

“Se houve uma falha mortal na estratégia dos adversários, foi a de não se unirem numa frente ampla contra o candidato da extrema-direita. A dispersão de candidaturas no primeiro turno e as cicatrizes que impediram a união das esquerdas em torno de Fernando Haddad, no segundo turno, foram muito mais prejudiciais que a suspensão temporária da campanha, devido à facada em Bolsonaro, por exemplo”, encerrou”.

O pós-prisão

Passados oito meses desde a prisão de Lula e a vitória de Bolsonaro, o PT tenta agora retomar a militância em busca da liberdade do ex-presidente. Durante a campanha, o partido usou como principal argumento de defesa o pedido do Comitê de Direitos Humanos da ONU para que o país liberasse Lula para concorrer à Presidência enquanto todos os seus recursos não fossem julgados.

O partido marcou para o final deste ano um ato na Sede dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo. Além disso, a Fundação Perseu Abramo realizará uma conferência internacional em São Paulo com a presença de Haddad, da ex-presidente Dilma Rousseff e da presidente nacional da legenda, Gleisi Hoffmann. As mobilizações terão como pauta a “defesa da democracia” e a liberdade de Lula.

Do outro lado da história, a Polícia Federal estuda tirar o livre acesso do ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, à cela de Lula em Curitiba. O procurador regional Januário Paludo, da força-tarefa do Ministério Público Federal na Lava Jato, afirmou que Haddad poderá fazer apenas visitas ao ex-presidente como amigo, e não mais como seu advogado. Sendo assim, os dois só poderiam se encontrar às quintas-feiras em um horário determinado previamente.

Além disso, os responsáveis pela Lava Jato querem proibir que Lula dê entrevistas, com base no posicionamento do ministro do STF, Luiz Fux, em setembro deste ano. Na determinação, Fux pede que Lula “se abstenha de realizar entrevista ou declaração a qualquer meio de comunicação, seja pela imprensa ou outro veículo destinado à transmissão de informação para o público em geral”.

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