Patrola comprou e destruiu 1,3 mil hectares após ser pago pela Agesul para abrir estrada no Pantanal

Suspeito de comprar imóveis com lucro da corrupção em contratos de cascalhamento e aluguel de máquinas, empreiteiro desmatou 1,3 mil hectares na Nhecolândia

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desmatamento pantanal
Área desmatada em uma fazenda no Pantanal é equivalente a 1,3 mil campos de futebol. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

O empreiteiro André Luiz dos Santos, conhecido como ‘Patrola’, comprou uma fazenda gigante na Nhecolândia, uma das regiões mais preservadas do Pantanal em Mato Grosso do Sul, e destruiu tudo para supostamente colocar pasto e criar bovinos.

O desmatamento da área, equivalente a 1.300 campos de futebol, chama atenção até de quem sobrevoa a região e espantou os fazendeiros e peões vizinhos.

Patrola usou uma tática conhecida como ‘correntão’ para deixar na terra nua a Fazenda Chatelodo, que fica no município de Corumbá. O sistema usa dois tratores para arrastar uma corrente gigante que vai destruindo tudo no caminho.

O lote de 6.722,79 hectares – adquirido por Patrola -, onde está localizada a fazenda ‘Chatelodo’ foi desmembrada da fazenda Alegria, que pertence a outros proprietários. Porém, conforme informado pela defesa dos proprietários, por força de regra do Incra, a parte vendida do lote “Chatelodo” passou a integrar nominalmente a fazenda Alegria. Já, a nova designação só será oficializada após a lavratura da escritura definitiva, o que não ocorreu segundo os proprietários da ‘Alegria’.

Além disso, as ‘armas’ do crime ambiental seriam as máquinas que uma das empresas dele, a André L. dos Santos Ltda, levou para a região com dinheiro de uma obra pública.

Placa na MS-228 na Nhecolândia: revestimento primário de Patrola foi o mais caro da estrada. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Patrola tem R$ 195 milhões da Agesul para obras no Pantanal

É que um dos contratos que Patrola ganhou no Governo de Mato Grosso do Sul é para a construção da MS-228.

Dono da ALS Logística e Transportes, André Patrola possui atualmente cinco contratos com o Governo de Mato Grosso do Sul, por meio da Agesul (Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos), e mantém, atualmente, R$ 195,8 milhões em obras públicas na região do Pantanal.

Umas delas é o cascalhamento na MS-228, em uma extensão de 50 km, do km 181 ao km 231. Antes, no ano de 2018, foi implantado o acesso ao Corichão, com 19 km construídos. No ano seguinte, houve a abertura de 40 km da mesma rodovia, sendo da Curva do Leque até a Fazenda Chatelodo.

Desta forma, a empreiteira ganha pelo cascalhamento em dois trechos da MS-228. No primeiro caso, o contrato tinha custo inicial de R$ 30.302.371,103 para 39,5 km. No entanto, após ser firmado em julho de 2022, recebeu aditivos e atualmente estava ao custo de R$ 37.788.580, com encerramento previsto para dezembro deste ano.

Responsável por mais 45 quilômetros da mesma rodovia, Patrola tem mais R$ 30,1 milhões em contrato, cujo valor inicial, em 2021, era de R$ 20,4 milhões.

Além disso, a ALS é responsável pelo acesso à Ponte do Rio Taquari, também na MS-214, pelo valor de R$ 34,8 milhões, em uma extensão de 45,3 quilômetros e mais dois contratos de conservação de rodovias pavimentadas e não pavimentadas da 4ª residência regional em Miranda, com primeira renovação em R$ 23,7 milhões e a segunda com mais R$ 20,1 milhões.

Assim, o empreiteiro ainda recebeu para abrir uma estrada com cascalhamento até pouco depois da porteira da fazenda que comprou. Com o maquinário lá, o dono da fazenda conseguiu uma autorização do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) e destruiu tudo.

Fazenda do empreiteiro desmatada e o corredor em construção ao lado, no Pantanal sul-mato-grossense. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Imasul admite que liberou desmatamento, mas diz que era ‘só para 998 hectares’

O órgão confirma que deu a autorização para o empreiteiro desmatar a fazenda. No entanto, segundo o órgão estadual responsável por autorizar qualquer intervenção no ambiente em Mato Grosso do Sul, a liberação permitia Patrola a desmatar ‘apenas’ 998 hectares, com prazo até 2025.

Não precisou de tanto tempo, e o empreiteiro ainda derrubou 1.372 hectares, uma área quase 40% maior que o oficialmente liberado. Com a denúncia baseada em imagens áreas, detectadas por satélite pelo Sistema de Alerta de Desmatamento, além da constatação in loco, os órgãos envolvidos passaram a analisar a documentação.

Ao Jornal Midiamax o superintendente do Imasul, André Borges Barros de Araújo, ressaltou que foi lavrado o auto de infração no valor de R$ 1,3 milhão e que a empresa do dono da fazenda está com a área embargada.

“Ele não pode comercializar nada de lá e nem realizar empréstimos. Também terá que apresentar um plano de recuperação do desmatamento ilegal”, explicou André Barros de Araújo. No entanto, o estrago já está feito.

“O sistema gera um alerta, que dispara um relatório ao órgão sobre a irregularidade, já com uma ordem de fiscalização. Com isso, há alguns dias, foi lavrado um auto de infração. Isso porque, em 2021, o proprietário, o empreiteiro André Luiz dos Santos, o Patrola, solicitou o desmatamento de cerca de 990 hectares do local. Teve tramitação, análise do estudo de impacto ambiental e o Imasul avaliou esse estudo, feito pelo empreendedor”, defende Barros.

Vizinhos estranharam ‘rapidez’ da autorização e ‘dinheiro sobrando’

Enquanto isso, a rapidez do empreiteiro para conseguir a autorização do desmatamento e a facilidade para ‘bancar a operação’ também levantaram suspeitas entre os vizinhos.

“Pra gente aqui da região conseguir autorização pra tirar um pé de peroba podre quando precisa arrumar uma cerca é uma dificuldade de louco. Aí chega uma cara desses aí, e eles liberam tudo da noite pro dia. Pra mim, ninguém me tirava da cabeça já que tinha algum ‘xuxo’. Pra mim isso tem político por trás desde o começo”, pondera pantaneiro que falou com a reportagem do Jornal Midiamax.

As suspeitas dele têm razão de ser. Alvo da polícia com a deflagração da primeira fase da Operação Cascalhos de Areia, no último dia 15, André Luiz dos Santos, é suspeito de comprar imóveis e fazendas com dinheiro desviado de esquema de corrupção.

Patrola de esteira usada para puxar o ‘correntão’ parada na obra da MS-228, nas proximidades da Fazenda Chatelodo, comprada por ‘Patrola’, o empreiteiro. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Horas antes da chegada da equipe de reportagem, um mecânico consertava uma das máquinas usadas para puxar o “correntão”. O sistema é usado para destruir grandes áreas de mata nativa de forma rápida e nociva.

Flagramos as duas máquinas na MS-228. Nas horas vagas, ainda de acordo com denunciantes, o mesmo equipamento que atua no revestimento da rodovia também trabalhava no desmatamento de um trecho da Fazenda Chatelodo.

Após reportagens, Agesul publica suspensão de obra

Após reportagem do Jornal Midiamax mostrar que Patrola tem o quilômetro mais caro pago pela Agesul pelo revestimento primário na mesma via, e a deflagração da Operação Cascalhos de Areia, a Agesul publicou a paralisação e execução da obra.

A publicação, assinada por Mauro Azambuja Rondon Flores, saiu no DOE (Diário Oficial do Estado) na última quarta-feira (21) e se refere à obra de cascalhamento no acesso à ponte do Taquari, com 43,3 km de extensão, em Corumbá. O prazo da paralisação é de três meses.

Operação Cascalhos de Areia cumpriu 17 mandados

A operação Cascalhos de Areia, contra organização criminosa por lavagem de dinheiro de contratos de manutenção de vias não pavimentadas e locação de maquinário, realizou busca e apreensão em 17 locais na última quinta-feira (15) em Campo Grande e Terenos.

Os mandados de busca e apreensão foram expedidos por meio da 31ª Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social. Agentes foram até a sede da empresa de Patrola, no Jardim Monumento, em Campo Grande.

Sede da empresa ALS, um dos alvos da operação. Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax
Sede da empresa ALS, um dos alvos da operação. Foto: Henrique Arakaki, Jornal Midiamax

Segundo relatório do Gaeco e do Gecoc, a organização criminosa praticava crimes de peculato, corrupção, fraude à licitação e lavagem de dinheiro, relativos a contratos para manutenção de vias não pavimentadas e locação de maquinário de veículos junto ao Município, que ultrapassam o valor de R$ 300 milhões.

Nome do empreiteiro surgiu como suspeito durante Lama Asfáltica

Da cidade de Corumbá, onde André Patrola teria começado no ramo com a empresa AL dos Santos & Cia, o nome dele foi listado na investigação do Ministério Público por suspeita de fraude. A operação, da PF, foi desarticulada para investir esquemas de corrupção no Estado.

De 2013 a 2016, por exemplo, o investigado teria adquirido cerca de R$ 40 milhões em contratos de locação de maquinários. Já no ano de 2018, Patrola venceu uma licitação de R$ 4,5 milhões promovida pela prefeitura de Corumbá. Na ocasião, de acordo com a investigação da PF, a concorrência teria sido “ensaiada”.

A reportagem tentou entrar em contato com André, ligando cinco vezes no telefone de contato da empresa. Mas, não foi possível o contato e ninguém retornou as ligações.

Madeiramento novo nas cercas aponta que desmate foi recente. Foto: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax
Madeiramento novo na cerca de Patrola: madeira do desmate recente. (Marcos Ermínio, Jornal Midiamax)

Ibama encaminhou parecer técnico ao descobrir área desmatada

A superintendente interina do Ibama, Joanice Lube Battilani, ressaltou que, assim que recebeu informações do desmatamento, comunicou o Imasul e a Embrapa, já que a informação inicial é que uma área da união também havia sido atingida.

“O avanço do desmatamento no bioma Pantanal é uma grande preocupação para os órgãos governamentais e não governamentais, considerando a descaracterização do bioma, supressão de cordilheiras, capões, que são áreas mais elevadas com vegetação florestal, substituição das pastagens nativas. É um avanço que ocorre nas bordas, áreas mais altas e com menos influência de inundações”, finalizou.

Série exclusiva: No decorrer dos próximos dias, você também vai ler mais detalhes sobre o desmatamento no pantanal, qual a visão dos pantaneiros sobre a rodovia MS-228, o fato do Pantanal estar passando por uma “mudança de mãos”, o avanço da pecuária extensiva e também as pragas semeadas pelo homem e que podem atrapalhar a biodiversidade pantaneira.

*Editada às 13h32 para correção da informação. O nome da fazenda comprada e destruída por Patrola é ‘Chatelodo’ e não Alegria como informado anteriormente

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