‘Acordão’ que libera desmatamento do Parque dos Poderes não cita licença ambiental
Tamanho da área que pode ser desmatada aumentou cinco vezes do que o autorizado inicialmente pelo Imasul, há quatro anos
Dândara Genelhú –
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O ‘acordão’ que liberou desmatamento de 19 hectares de vegetação nativa no Parque dos Poderes não cita se há licença ambiental. No entanto, a autorização é obrigatória em qualquer área com vegetação nativa. Essa obrigação consta na Lei 12.651/12 (Novo Código Florestal) que atribui às florestas e demais formas de vegetação um caráter de interesse público, ou seja, de interesse de todos os indivíduos.
O órgão responsável por emitir esses licenciamentos em Mato Grosso do Sul é o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) que assina o acordo junto ao MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) e o Governo do Estado.
Além disso, o tamanho da área que o acordo libera para desmate corresponde a 19 campos de futebol, o que representa cinco vezes mais que o autorizado inicialmente pelo Imasul, há quatro anos, quando houve um estudo de impacto ambiental.
Então, o ‘acordão’ permite o desmatamento sem apontar licença ou estudo ambiental. A última licença registradas na ação, que será extinta se o acordo for homologado, é de 2019 e libera a supressão de 3,31 hectares.
Para a advogada Giselle Marques, do movimento S.O.S. Parque dos Poderes, os termos do acordo não apontam evidências de estudo preliminar sobre a área liberada para desmate. “Se houvesse estudo, provavelmente esse estudo seria juntado”, diz sobre o acordo.
No parágrafo segundo do acordo, as partes definem que, se houver áreas de preservação permanente, o “órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão arbórea apenas nas hipóteses legais”.
Após ler o documento por completo, Giselle afirma que “existem fortes indícios de que não houve estudo nenhum. Porque, como assim ‘se houver áreas de preservação? Então eles não levantaram antes se existe área de preservação permanente ou não?”, questiona.
Portanto, a advogada acredita que o acordo carece de estudos ambientais. “Para mim, está claro que não houve estudo, pelos próprios termos do acordo. Se tiver, não juntaram”, afirma ao Jornal Midiamax.
Desmate para construção de prédios públicos
Assinado em 17 de agosto, o acordo permite o desmatamento para ‘ampliação do centro político-administrativo do Estado’. Além disso, o texto assinado pelas três partes aponta que a área de preservação é de 175,66 hectares, 11,05 a mais do que estipulado em lei.
No entanto, segue autorizado o desmatamento de quase 19 hectares. As áreas que integram esses 11,05 hectares de preservação fazem parte da PGE (Procuradoria Geral do Estado), Batalhão de Polícia de Choque, Sefaz (Secretaria de Fazenda), além de outros espaços passíveis de desmate que estariam liberados para construção ou ampliação dos órgãos.
O Midiamax questionou o Imasul sobre o novo acordo e a existência de um novo estudo ou licença ambiental. Os contatos por e-mail e ligação telefônica para o presidente do Imasul, André Borges Barros de Araújo, foram devidamente documentados. Até a publicação desta matéria não houve retorno sobre o assunto.
Desmatamento multiplicado por cinco
A licença ambiental solicitada pelo Governo no início do projeto de implantação de novos prédios e estacionamento no Parque dos Poderes previa supressão cinco vezes menor do que os 19 hectares liberados pelo novo acordo.
No documento, o Estado, o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e a Defensoria Pública de MS se comprometem a compensar o desmatamento. Portanto, a ideia é que o mesmo valor de área desmatada seja reflorestada, devido ao impacto causado ao meio ambiente.
Para compensação, as partes também podem replantar vegetação nativa no perímetro do Complexo do Parque dos Poderes. Contudo, o acordo respalda as partes se não for “possível tecnicamente” realizar a compensação no Parque. Então, o reflorestamento pode ser feito “em área pública do Município de Campo Grande, no prazo de 24 meses da concessão da autorização de desmatamento”.
Confira quem assinou o acordo:
- procurador-geral do MPMS, Alexandre Magno Benites de Lacerda
- promotor de Justiça – 34ª Promotoria de Justiça de Campo Grande – MPMS, Luiz Antônio Freitas de Almeida
- secretaria de Estado e Administração de MS, Ana Carolina Araujo Nardes
- presidente do Imasul, André Borges Barros de Araújo
- procuradora-geral de MS, Ana Carolina Ali Garcia
- procurador-geral adjunto de MS, Márcio André Batista de Arruda
- desembargador presidente do TJMS, Sério Fernandes Martins
- defensor público-geral da Defensoria Pública de MS, Pedro Paulo Gasparini
O Jornal Midiamax acionou o Imasul, MPMS e o Governo de MS sobre o acordo, questionando se houve novo pedido de autorização e análise do desmatamento. O contato foi feito por e-mail oficial de cada parte, devidamente documentado. Até o momento não houve manifestação sobre o assunto. Porém, o espaço segue aberto para posicionamento.
Autorização para 3 hectares
O processo de supressão vegetal no Parque dos Poderes começou a tramitar em 8 de novembro de 2018, quando o Governo do Estado encaminhou o pedido para desmatar 3,31 hectares da região.
Em 11 de março de 2019, o fiscal ambiental do Imasul, engenheiro agrônomo Renato Antônio Barbosa, disse que apenas um item do processo de licença estava em desacordo. Apontou que o Governo deveria “corrigir o item ‘empreendimento’ do processo” para receber o aval para o desmatamento.
Após a correção, o fiscal ambiental do Imasul se manifestou pela supressão de área nativa no Parque dos Poderes em 29 de março daquele ano.
O parecer geral do Imasul é de 30 de abril de 2019, assinado por Leonardo Tostes Palma, gerente de unidades de conservação na época. Assim, o Governo foi autorizado a desmatar 3,31 para construção de estacionamento e novos prédios.
Vale ressaltar que o projeto previa ainda o uso de árvores derrubadas para a construção dos novos prédios.
MPMS recuou
Em 2019, o MPMS entrou com ação, com pedido de tutela de urgência, para barrar o desmatamento no Parque dos Poderes. Então, populares e ambientalistas se uniram em baixo-assinado com mais de 11 mil participantes para denunciar a supressão vegetal. A Justiça concedeu a tutela em 19 de novembro daquele ano e, em caso de descumprimento, o Governo do Estado seria multado em R$ 5 mil.
Na época, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa pontuava que a decisão foi tomada devido à possível lesão direta ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ainda deu prazo para que o Estado e o MPMS apresentassem provas de que o desmatamento do Parque seria feito sem prejuízos a fauna e flora.
No entanto, o Estado entrou com pedido para suspender a liminar que paralisou as construções. Assim, em 3 de dezembro de 2020, o desembargador Paschoal Carmello Leandro determinou a retomada das obras. Isso, porque ele afirmava que o desmatamento já havia sido concluído e paralisar as obras poderia ser um risco à ordem administrativa.
Depois disso, o MPMS recuou e pediu a suspensão do processo. A área, que chegou a ser desmatada, abrigaria uma extensão do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul).
Acontece que, após as brigas judiciais, o Pleno do TJMS suspendeu o projeto arquitetônico da construção do complexo administrativo e judicial da corte. A decisão foi tomada para executar novos estudos sobre a obra, com a possibilidade de fazer melhorias técnicas e ambientais, ou quaisquer outras que sejam necessárias.
Alteração de lei
Conforme detalhado no acordo, o Estado enviará Projeto de Lei à Assembleia Legislativa para alterar a Lei 5.237/2018. A lei “Cria o Complexo dos Poderes e estabelece o Programa de Preservação, Proteção e Recuperação Ambiental das áreas que abrangem o Parque dos Poderes, o Parque Estadual do Prosa, o Parque das Nações Indígenas”.
A lei partiu de projeto idealizado e apresentado pelo deputado Amarildo Cruz (PT). Em novembro de 2018 a matéria foi aprovada na Alems (Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul).
Amarildo faleceu em março de 2023 e o projeto era considerado como um dos maiores orgulhos do deputado. “O Complexo dos Poderes é um importante equipamento urbano que precisa ser preservado, conservado e integrado ao Patrimônio Histórico-Cultural, Natural e Paisagístico do Estado”, afirmou o deputado na época em que apresentou o projeto.
Em 2018, o deputado justificou que o “Parque Estadual do Prosa preserva amostras de ecossistemas do Cerrado, espécies da flora e fauna e as nascentes do Córrego Prosa” e por isso pediu a preservação da área do Parque dos Poderes.
Ambientalistas prometem recorrer
Agora, o acordo firmado entre o Imasul, MPMS e o Estado permite que o projeto de construção de novos prédios no Parque dos Poderes seja retomado. Contudo, a novidade não agradou ambientalistas, que planejam ingressar com petição no processo.
A advogada Giselle Marques, do movimento S.O.S. Parque dos Poderes, confirmou nesta quarta-feira (30) a intenção do grupo. Os ambientalistas querem pedir ao juiz da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos a não homologação do acordo.
Para a ambientalista, o acordo não prevê penalidade em caso de descumprimento. “O acordo prevê a possibilidade de desmatamento de novas áreas que nem mesmo estão autorizadas pela Lei 5.327/2018, ou seja, está em desacordo com essa lei”, afirma.
Por fim, a advogada diz que não há lógica que, em uma ação contra o desmatamento, seja permitido o desmatamento de quase 19 hectares no Parque dos Poderes.
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