Alvo da Polícia Federal na Operação SOS-Saúde, o Instituto Gerir usou empresas ligadas a seus próprios diretores para desviar pelo menos R$ 27,4 milhões da Saúde Estadual. As investigações apontam que a OS (Organização Social) contratada para administrar o Hospital Regional de Ponta Porã também ganhou com o superfaturamento de contratos.

Segundo a PF, somente os desvios por meio de contratos do instituto com as empresas Tclin Serviços de Saúde Ltda-EPP e Andrade Hospitalar ME, também chamada de A Medical, podem chegar a R$ 20,3 milhões. As duas tiveram sigilos bancários quebrados, o que possibilitou a identificação de diversas transferências bancárias suspeitas, para pessoas físicas e jurídicas, que aparentam ter beneficiado intermediários e empresas de fachada.

As apurações também apontam que a Rafael de Araújo Costa-ME recebeu de maneira irregular R$ 3,1 milhões por meio de um contrato com sobrepreço. Além de outras irregularidades, a empresa não tinha nenhum empregado formalmente registrado.

Os principais beneficiários dos desvios teriam sido Rafael de Araújo Costa e Silvia Cristina do Prado. A última seria esposa do tesoureiro do Instituto Gerir, Fábio Galvão.

Outro R$ 1,6 milhão pago a Athos Soluções Hospitalares Ltda-ME para uma reforma no Hospital Regional também teria sido desviado. De acordo com a PF, a Athos e a Corpor Controle e Participações Eireli têm endereço e telefone idênticos, o que configura indício de que a primeira é uma empresa de fachada.

Em 2016, a Athos faturou R$ 1,2 milhão mesmo sem ter empregados. A receita bruta declarada pela empresa em 2015 e 2016 é inferior às movimentações financeiras constatadas pelas investigações.

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Hospital Regional de Ponta Porã – Divulgação

Outro contrato sob suspeita foi firmado com a AJM Instituto de Projetos Ltda, cuja diretora é filha de uma funcionária do Instituto Gerir. A empresa teria recebido R$ 1,3 milhão. 

Passados três dias do contrato com a AJM, a OS firmou vínculo com a MD Internacional Ltda, cujo diretor, David Clemente Monteiro Correia, é superintendente do instituto.

Por fim, a Polícia Federal levantou superfaturamento de R$ 1 milhão em contrato do Instituto Gerir com a Wareline do Brasil Desenvolvimento de Software Ltda. Os sócios da empresa têm o mesmo sobrenome do superintendente-executivo da empresa, Adilson Usier Leite.

Segundo divulgado pela Receita Federal, as empresas “laranjas” eram “quarteirizadas” para exercer a suposta prestação de serviços. Mas, na verdade, eram apenas captadoras dos desvios.

OS recebeu R$ 80 milhões do governo de MS

O Instituto Gerir foi contratado, em 2016, pelo governo de () para administrar o Hospital Regional Doutor José de Simone Netto, de Ponta Porã, por R$ 226 milhões e vigência de cinco anos. Contudo, em 2019, o recém-nomeado titular da SES (Secretaria de Estado de Saúde) encerrou o acordo e contratou outra entidade.

À época, a justificativa alegada para o rompimento do vínculo foram problemas por atrasos no pagamento de funcionários e bloqueios de contas do instituto, o que inclusive impedia a OS de receber repasses do Estado. Em 31 meses de serviços, o instituto recebeu R$ 80 milhões – ou seja, aproximadamente um terço do valor teria sido desviado, segundo as investigações da Operação SOS-Saúde.

Apesar de a apuração ter começado no âmbito do contrato firmado com o Governo de Mato Grosso do Sul, o Instituto Gerir foi constituído em Goiânia (GO) e já atuava em Goiás, inclusive administrando o maior hospital daquele estado, o Hugo. Embora formalmente não possuísse fins lucrativos, a entidade cresceu exponencialmente desde a fundação, em 2011, passando a administrar diversas unidades de saúde espalhadas por vários estados, o que implicou o recebimento de quase R$ 1 bilhão entre 2014 e 2019.

As investigações tiveram origem a partir do relatório de auditoria de avaliação da gestão terceirizada do hospital em Ponta Porã. Na ocasião, foram constatadas pela CGU (Controladoria-Geral da União) irregularidades em diversas contratações no período auditado, compreendido entre 8 de agosto de 2016 e 31 de julho de 2017, o que resultou na instauração de inquérito policial em 14 de fevereiro de 2019.

Operação cumpriu mandados em MS, SP, GO e DF

Deflagrada ontem (4), a Operação SOS-Saúde consistiu no cumprimento de 34 mandados de busca e apreensão em 25 endereços diferentes, dos quais 11 estão localizados no estado de São Paulo, 10 em Goiânia (GO), três em Brasília (DF) e um em Campo Grande, além do sequestro de bens e valores. As apurações miram indícios de dispensa irregular de licitação, peculato, falsificação de documentos e organização criminosa.

Os trabalhos contaram com a participação de 16 servidores da CGU, 54 da Receita Federal do Brasil e 112 policiais federais. Também foram alvos das medidas cautelares os gestores da Organização Social que, na época, administrava o Hospital Regional de Ponta Porã; empresas que receberam irregularmente valores financeiros e seus respectivos sócios-administradores; além de dois contadores e seus escritórios.

Em nota, o governo do Estado ressaltou que rompeu o contrato com o instituto investigado antes do prazo e que acompanha o desenrolar da operação.