Passados quase três anos desde a deflagração da fase ostensiva, a Operação Computadores de Lama ainda não resultou em nenhuma condenação. Três investigados por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e desvio de dinheiro público por meio do direcionamento de licitações de serviços de informática e TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) do governo estadual foram denunciados pelo MPF (Ministério Público Federal).

Agentes da Polícia Federal, da Receita Federal e da CGU (Controladoria-Geral da União) foram às ruas de Campo Grande, Dourados, Jaraguari e Paranhos, em novembro de 2018, para cumprir mandados de busca e apreensão, prisão preventiva e sequestro de bens. As medidas evidenciaram a Computadores de Lama, sexta fase da Operação Lama Asfáltica.

Um dos presos foi João Roberto Baird, apontado como dono de um conglomerado de empresas do ramo de informática com contratos com o governo — casos de Itel Informática; PSG Tecnologia Aplicada; Digitho Brasil Soluções em Software, atual Digix; e Mil Tec Tecnologia da Informação. Supostos “testas de ferro” do empresário, Antonio Celso Cortez e Romilton Rodrigues de Oliveira também acabaram detidos. 

Baird, Cortez e Oliveira foram denunciados pelo MPF por evasão de divisas em dezembro de 2018. A Justiça Federal recebeu o feito em abril de 2019. A ação relacionada a Antonio Celso Cortez depois acabou desmembrada.

Segundo a denúncia, Baird e Cortez remeteram ao Paraguai, mediante rede de doleiros, R$ 1,7 milhão obtido a partir de atividades criminosas. O valor foi movimentado apenas entre junho e setembro de 2017.

Já Romilton de Oliveira, até então visto como mero funcionário de uma fazenda, manteve dinheiro atribuído a Baird em depósito no banco BBVA do Paraguai, entre 2015 e 2016. Além disso, tinha R$ 721 mil de participação na empresa Ganadera Carandá, também apontada como sendo do empresário.

De acordo com o MPF, a ação penal contra o trio está em fase de instrução. A etapa antecede o julgamento e, logo, uma eventual sentença condenatória.

Lei abriu caminho para terceirização da informática no governo de MS

Deflagrada no fim do primeiro mandato do governador (PSDB) — reeleito naquele ano —, a Computadores de Lama trouxe à tona relações nebulosas do governo estadual com empresas de informática e TIC.

Suspeitas de favorecimento em licitação, desvio de recursos públicos e corrupção pairam sobre estas contratações pelo menos desde 2013, ano em que foi sancionada a Lei Estadual 4.459. A norma extinguiu do plano de cargos e carreiras as funções de Analista de Tecnologia da Informação e de Técnico da Tecnologia da Informação, o que abriu espaço para terceirização do serviço.

Secretarias e autarquias estaduais têm, até hoje, contratos vigentes com empresas atribuídas a João Roberto Baird, casos da Digix, da Mil Tec e da PSG. As atividades desenvolvidas por elas são similares às desempenhadas por grupos como o Imagetech, que recebeu R$ 117,9 milhões do governo durante a gestão Reinaldo.

Embora já tivessem vínculo com a administração antes de o tucano assumir, a média dos ganhos anuais das empresas do grupo mais que dobraram com ele no Parque dos Poderes.

No caso da Imagetech Informática, os R$ 2 milhões anuais entre 2012 e 2014 saltaram para R$ 5 milhões. A Imagetech Serviços passou dos R$ 507 mil por ano para uma média de R$ 1,3 milhão.

Hoje dona dos maiores contratos, a Geoi2 não recebeu recursos do governo entre 2012 e 2013. A relação da empresa com o Executivo estadual deslanchou a partir de 2017, quando ganhou R$ 5,8 milhões.

Três CNPJs do grupo Imagetech funcionam no mesmo endereço, no Jardim dos Estados, região nobre de Campo Grande – Felipe Silveira/Midiamax

 

Sócios também atuam nos mercados imobiliário e financeiro

Hoje, são R$ 22,2 milhões em contratos das Imagetech e da Geoi2 vigentes com Sefaz (Secretaria de Estado de Fazenda), SED (Secretaria de Estado de Educação), Funsau (Fundação Serviços de Saúde de Mato Grosso do Sul) e (Departamento Estadual de Trânsito) — um deles foi aditado recentemente. Os números são todos do Portal da Transparência.

Ivan Abrahão Marinho e Arthur Affonso de Barros Marinho, pai e filho, são os donos das três empresas, abertas entre 2002 e 2010, em Campo Grande. Eles também administram juntos a Lotus Comércio de Combustíveis Ltda.

O emaranhado de CNPJs é ainda mais extenso. Ivan também é sócio na Imobiliária Dimensão Ltda e tem três holdings — a IM Participações Eireli, a AM Participações Eireli e a IAM Participações Eireli Ltda. Somados, os capitais sociais das três empresas chegam a R$ 26 milhões. Arthur é sócio do pai na AM.

As empresas de informática não foram sempre de Ivan e Arthur Affonso. A entrada do pai na sociedade da Imagetech Tecnologia em Informática se deu em janeiro de 2018, por exemplo.

Já no caso da Imagetech Tecnologia em Serviços, quem figurava no quadro societário antes de Ivan Abrahão Marinho era Reinaldo de Andrade Silva. Reinaldo hoje é proprietário da Bluetrix Tecnologia Ltda, com sede em Santana do Parnaíba (SP).

No fim do ano passado, a Bluetrix fechou contrato com a (Fundação do Trabalho de Mato Grosso do Sul) para desenvolver aplicativo de vagas de emprego. Fechado em R$ 2 milhões, o vínculo já foi aditado para R$ 3,1 milhões. A contratação foi feita sem licitação e com recursos carimbados para o combate à pandemia de covid-19.

Os contratos mais recentes das Imagetech e da Geoi2 são assinados por Ricardo Souza de Andrade. Ele já figurou como sócio da Souza & Andrade Ltda, a Carimfor, empresa de Campo Grande do ramo de fabricação de artigos para escritório e gravação de carimbos.

Empresas que receberam R$ 117,9 milhões funcionam no mesmo local

Segundo contratos e aditivos assinados com o Executivo estadual, os três CNPJs do grupo Imagetech funcionam no Terrace Tower, edifício comercial e residencial de 29 andares localizado na rua 15 de Novembro, região do Jardim dos Estados — área nobre de Campo Grande.

Em nota enviada anteriormente à reportagem, o grupo Imagetech afirmou que “atua no mercado de tecnologia há mais de 18 anos, possuindo mais de 250 colaboradores, sendo referência em seu segmento, no mercado privado e público, sempre prezando pela transparência e lisura nas suas operações”.

“Os sócios também atuam no ramo de combustíveis e imobiliário há mais de 30 anos. O grupo não é e nunca foi objeto de qualquer investigação, segue as regras de compliance e os contratos em vigor com o Poder Público sempre foram fiscalizados, atestados e cumpridos fielmente, e podem ser acessados no Portal da Transparência”, completou.

TAC prevê fiscalização maior sobre contratos de informática

Apesar de todos os indícios levantados nas investigações da Polícia Federal, regionalmente os contratos de informática foram alvo de um acordo entre o MPMS (Ministério Público Estadual) e o governo do Estado em junho de 2020. Com o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), ficou prometida “maior fiscalização e lisura nos processos de compra e contratação de empresas na área de Tecnologia da Informação”.

Os contratos sob a alçada do termo giram em torno dos R$ 400 milhões anuais, de acordo com o Ministério Público. O acordo prevê maior rigidez e transparência nas licitações para o segmento.