Baird ajudou a ‘transferir’ corrupção no Governo de MS para grupo de Reinaldo Azambuja
João Roberto Baird usou o direito de ficar calado quando questionado pela Polícia Federal sobre pagamentos que fez em 2015 ao frigorífico Buriti Comércio de Carnes Ltda. Investigações da Operação Vostok indicam que uma conta da indústria foi usada para lavar R$ 12,9 milhões em propina recebidas pelo grupo chefiado pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB). […]
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João Roberto Baird usou o direito de ficar calado quando questionado pela Polícia Federal sobre pagamentos que fez em 2015 ao frigorífico Buriti Comércio de Carnes Ltda. Investigações da Operação Vostok indicam que uma conta da indústria foi usada para lavar R$ 12,9 milhões em propina recebidas pelo grupo chefiado pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB).
Famoso como empresário no setor de informática que manteve contratos milionários no Governo de MS nas últimas décadas, Baird se apresenta atualmente como pecuarista e é um dos indiciados por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa ao lado do governador e de mais 20 pessoas no Inquérito 1190 do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Velho conhecido da Polícia Federal, ele já é réu na Lama Asfáltica, outra operação de combate à corrupção no poder público sul-mato-grossense, que apurou ilícitos durante o governo de André Puccinelli (MDB).
Agora, segundo as investigações, Baird teria atuado na ‘transição’ do esquema para o governo Azambuja. Delações de integrantes da alta cúpula da JBS sustentam que a propina era combinada em troca de isenções fiscais.
Reinaldo Azambuja foi indiciado pela PF, em julho, suspeito de ter recebido R$ 67 milhões do grupo.
‘Faz-tudo’ do esquema
Segundo apurações no Inquérito Policial 4-2019-1, da Dicor/PF (Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da Polícia Federal), Baird se tornou um dos operadores de Reinaldo Azambuja. O pecuarista teria participado da articulação com a JBS para combinar o modus operandi dos pagamentos, ainda nos primeiros meses de 2015; emitido notas frias de venda de gado – usadas para tentar disfarçar a propina; e também intermediado os repasses, em espécie ou via transferência bancária.
As investigações dão conta de que Baird ‘esquentou’ R$ 7,217 milhões para o esquema, com a emissão de 11 notas fraudulentas. Os pagamentos ocorreram entre março e dezembro de 2015. O próprio Ministério da Agricultura atestou a falsidade dos documentos fiscais, uma vez que não houve a movimentação de gado alegada.
Baird admitiu, em oitiva, que o gado citado nas notas falsas de fato não foi entregue. Mas, na sua versão, a emissão foi para possibilitar pagamento de empréstimo de R$ 8 milhões feito por ele ao grupo JBS.
A polícia rastreou as transações bancárias de João Baird e constatou que, após receber os valores citados nas notas frias, o pecuarista transferia quantias para conta do frigorífico Buriti, de Aquidauana, administrada por um escritório de corretagem de gado em Campo Grande.
Informações bancárias, cruzadas com interceptações telefônicas, indicaram que parte dos valores pagos pela JBS a João Roberto Baird e transferidos para a conta do frigorífico Buriti depois eram revertidos para o governador Reinaldo Azambuja.
O pecuarista foi interrogado na PF especificamente sobre três cheques depositados em seu nome na conta do frigorífico, em abril de 2015. Os depósitos somavam R$ 691 mil.
A polícia queria saber a que negócios os pagamentos estavam relacionados, bem como quem representava o Buriti nestas transações. João Baird calou-se.
Pagamentos em espécie
O pecuarista e empresário também seria, segundo investigações, peça essencial para os pagamentos de propina em dinheiro. Só os valores em espécie repassados a Reinaldo Azambuja somariam R$ 12,1 milhões.
Em oitiva na polícia, o também indiciado na Operação Vostok Antônio Celso Cortez, também empresário do ramo da tecnologia, falou que se deslocava para São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) a pedido de Baird, onde recolhia “encomendas” com funcionários da JBS.
As investigações apontam que Cortez foi indicado pelo filho do governador Reinaldo Azambuja, Rodrigo Souza e Silva, em reunião com Wesley Batista.
Cortez narrou “cinco ou seis” viagens. Na capital paulista, se hospedava em hotel em frente ao escritório de João Roberto Baird, na Moema, onde recebia pacotes do tamanho de resmas de papel A4. Já no Rio, a entrega era feita no depósito de um supermercado.
Nos dois casos, as encomendas depois eram deixadas por Antônio Celso Cortez na sala de João Roberto Baird em seu escritório.
Baird admitiu aos investigadores que havia dinheiro nas caixas, mas que ele seria apenas “depositário temporário” dos valores. Ainda, que estaria prestando um favor a Joesley e Wesley Batista, irmãos e comandantes do grupo JBS. O pecuarista disse não saber a origem do dinheiro.
Tanto Baird como Cortez doaram quantias para a campanha de Reinaldo Azambuja ao governo do Estado, em 2014. O primeiro contribuiu oficialmente com R$ 200 mil. O segundo, com R$ 300 mil.
Preso na Operação ‘Computadores de Lama’
João Roberto Baird tem extenso histórico de envolvimento em investigações de corrupção e lavagem de dinheiro. Ao longo dos anos, os incontáveis contratos com administrações estaduais e municipais ajudaram o pecuarista e empresário a construir um império na área de tecnologia.
Em novembro de 2018, Baird chegou a ser preso pela Polícia Federal em desdobramento da “Computadores de Lama”, sexta fase da Lama Asfáltica. As investigações apontaram que ele estaria por trás de pelo menos quatro empresas de tecnologia e informática. Somados, os contratos destas com o governo do Estado, de 2012 a 2017, beiravam R$ 800 milhões.
Uma das empresas, a Itel Informática Ltda, hoje atende pelo nome de Mil Tec Tecnologia da Informação Eireli e ostenta contrato de R$ 11,6 milhões com a SED (Secretaria Estadual de Educação). Aditado sete vezes desde a celebração, em 2015, o vínculo atual se estende até maio do ano que vem.
Outra, a PSG Tecnologia Aplicada Ltda, tem Antônio Celso Cortez como representante. O empreendimento acumula contratos vigentes com Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito), no valor de R$ 44,5 milhões, e com a Sefaz (Secretaria de Estado de Fazenda), de R$ 48,8 milhões.
As investigações também davam João Baird como dono da Digithobrasil Soluções em Software Ltda, que hoje mantém contratos com SED (R$ 15,8 milhões) e Sefaz (R$ 49,5 milhões), além da Agehab (Agência de Habitação Popular de Mato Grosso do Sul), de R$ 5,7 milhões.
Ainda no bojo da Lama Asfáltica, João Baird e João Amorim – dono da Proteco Construções Ltda e também detido durante a operação – foram apontados suspeitos de liderar suposto esquema para lavar dinheiro em offshores na Holanda.
Rolo no Detran-MS
Anos antes, em 2005, Baird já era investigado por suposto envolvimento em desvio de R$ 30 milhões do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito), por meio da contratação sem licitação de uma de suas empresas para recolher valores do seguro DPVAT.
A condenação veio 13 anos depois, a um ano e dez meses de prisão, convertida em multa de R$ 200 mil e prestação de serviços à comunidade. Baird foi julgado culpado por ter se apropriado de código de identificação do extinto banco Excelsior, mas absolvido das acusações de fraude em licitações e associação criminosa.
Doações para campanhas
Baird também não se acanhava em fazer vultuosas doações para campanhas políticas. O pecuarista e empresário tampouco fazia preferência ideológica.
Segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), João Roberto Baird distribuiu R$ 1,053 milhão a candidatos nas eleições de 2014, última em que fez doações. Eleito, Reinaldo Azambuja (PSDB) recebeu R$ 200 mil, enquanto o derrotado Delcídio Amaral, à época no PT, abocanhou R$ 750 mil.
Na corrida pela Câmara dos Deputados, Luiz Henrique Mandetta (Democratas) foi agraciado naquele ano com R$ 100 mil. O valor desembolsado ao então candidato à Assembleia, Flávio Kayatt, foi o mesmo. Jorge Batista, no antigo PTN (hoje Podemos), recebeu R$ 3 mil de Baird para sua campanha a deputado estadual.
Além disso, João Baird dispensou mais R$ 930 mil a comitês e diretórios estaduais de partidos em 2014. O PMDB (hoje MDB) do então candidato ao governo Nelsinho Trad (hoje no PSD) recebeu R$ 630 mil. O PR (atual PL), coligado com o PT de Delcídio, teve doados R$ 200 mil. O comitê financeiro único do PDT, também aliançado com a sigla petista, foi beneficiado com mais R$ 100 mil do empresário.
Outro lado
A defesa de João Roberto Baird disse ao Jornal Midiamax que não vai se manifestar, como também fez o advogado de Antônio Celso Cortez.
A defesa de Rodrigo Souza e Silva declarou que “refutam-se [sic] veementemente as imputações que lhe são dirigidas na conclusão no Inquérito 1190/STJ, devendo a questão ser decidida no Poder Judiciário, em processo resguardado pela ampla defesa e contraditório”.
A assessoria de imprensa do governador Reinaldo Azambuja foi procurada, mas não respondeu até a publicação da reportagem. Anteriormente, nota oficial registrou que Reinaldo recebeu o indiciamento com ‘surpresa e indignação’.
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