Denúncias de fraude nas cotas para negros em universidades inspiram debate
Casos aconteceram no Espírito Santo e na Bahia
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Casos aconteceram no Espírito Santo e na Bahia
Este ano, apenas a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) destinou em seu processo seletivo 2.276 de vagas para as cotas (raciais, de escolaridade e outras) e 2.259 para ampla concorrência, segundo informações da própria universidade. Em abril, algumas universidades brasileiras receberam denúncias de fraudes nos sistemas de cotas raciais, onde pessoas claramente brancas e sem traços negros ou indígenas, entraram pelo sistema. De acordo com o MEC (Ministério da Educação), o critério de raça é autodeclaratório. Já a renda familiar per capita terá de ser comprovada por documentação, com regras estabelecidas pela instituição. Dessa forma, alguns coletivos negros se mobilizaram em uma campanha para chamar atenção sobre o tema.
Em Mato Grosso do Sul, a questão tem sido abordada por militantes do movimento negro e também por estudantes, de forma a tornar-se cada vez mais transparente. “As cotas vêm lógico para oportunizar pessoas negras e um dos quesitos é a questão do fenótipo, e nosso olhar é esse”, explica Romilda Pizani, educadora social e conselheira estadual das políticas para os negros do Estado. Para ela, existe um desconhecimento sobre como são realizadas essas seleções. “Em primeiro lugar a mídia coloca a questão das cotas como se fossem negativas, o que não é verdade. Grande parte das pessoas que vem aderir ao sistema de cotas precisam disso, é um dos mecanismos para que se faça valer as políticas para a população negra”, analisa.
Romilda faz parte de uma comissão que trabalha na UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) dando um parecer sobre as cotas solicitadas na seleção realizada pela instituição, comissão essa que foi pioneira no Estado e que existe desde 2003, segundo informações da coordenadora da Comissão de Acompanhamento de Candidatos Negros às Vagas de Ações Afirmativas da UEMS, Maria de Lourdes Silva. “Desde o decreto do governo que estabeleceu a questão das cotas, ficou resolvido que haveria uma comissão, que acompanha a declaração do fenótipo do estudante que solicita uma vaga cotista. É nos traços das pessoas que é dito que lugar vão ocupar, e foi uma saída importante que tivemos. Já nos deparamos com pessoas brancas que tentaram se passar por negro para conseguir uma vaga”, descreve ela.
Graças à comissão, segundo Maria de Lourdes, o pedido da estudante em questão foi indeferido. “Quando o candidato não atende aos critérios, além de caber recurso, ele volta pelas vagas gerais”, exemplifica. A coordenadora se recorda especificamente de uma aluna que enrolou os cabelos e passou uma base mais escura na pele para tentar garantir uma vaga cotista no curso de medicina. “Mas as pessoas que tentam burlar o sistema são uma minoria. De cada 100 alunos, apenas dois ou três tentam fazer isso. É grave pois ainda temos uma justiça escravagista e conservadora, e tudo isso é uma questão de direitos”, acredita. A comissão da UEMS funciona em cinco unidades, nos campus de Paranaíba, Dourados, Campo Grande e Aquidauana.
Revolta pela fraude
A advogada negra Karla Carolina Viana foi uma estudante que entrou no curso de direito graças à uma cota. “Eu entrei pelas cotas e como era Prouni tinha a exigência de estudar em colégio público todo o ensino médio (eu estudei a vida toda), a questão do salário (no caso era um salário mínimo pra família, minha mãe e dois irmãos) e eles pediram pra eu apresentar algum documento que dissesse que eu era negra ou parda. Aí foi difícil porque minha certidão de nascimento não tem cor, e serviu a carteira de reservista do meu avô”, relata a advogada. “A lei de cotas pra universidade diz que tem que ser um percentual baseado na quantidade de pessoas pretas e pardas declaradas por senso do IBGE naquela unidade da federação, só que o senso não determina quem são as pessoas (até por questão de logística) porque com certeza essas pessoas brancas que se declaram negras pra conseguir vaga não se declaram pretas ou pardas para o senso”, reflete.
Por isso, uma comissão como no caso da UEMS, formada por ativistas e educadores negros e índigenas (incluídos nas cotas de Mato Grosso do Sul felizmente), colaboram para que as fraudes não ocorram. “Não tem como querer dizer que para conseguir cota seja tão somente a questão de autodeclaração, porque não adianta ter um parente preto para você ser preto. Assim como o fato da família do meu pai ser branca, e ele ser branco, não faz de mim branca”, analisa Karla. “Se eu chegar numa roda e dizer que sou branca vão rir”, reflete a advogada.
Esse ponto da autodeclaração também é abordado pelo coletivo capixaba Negrada, que realizou uma campanha para as mídias sociais onde pessoas negras que entraram na universidade através das cotas seguravam placas dizendo “Minha avó era branca, logo sou branca, certo? Estranhou?”, para representar a questão da autodeclaração. “A portaria normativa número 18 de 2012 do MEC fala no seu artigo 9º, que sendo verificado informações falsas pode gerar o cancelamento da matrícula além das sanções cíveis e penais ou seja, a possibilidade de fraude é reconhecida pelo MEC, logo essa fraude pode existir”, exemplifica.
Para a coordenadora Maria de Lourdes, a discussão é positiva e deve continuar. “Essa questão de falar sobre as cotas é muito importante pois também politiza as pessoas, que precisam entender que isso nada mais é que uma reparação, necessária”, acrescenta.
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