Chega ao fim a novela que inventou um Mato Grosso do Sul paralelo para contar sua história
De várias formas e diversas vezes, “Terra e Paixão” adaptou ou modificou a cultura sul-mato-grossense ao retratar os costumes locais. Novela tem seu último capítulo exibido nesta sexta-feira (19) pela TV Globo
João Ramos –
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Depois de nove meses e 221 capítulos, a novela “Terra e Paixão” chega ao fim nesta sexta-feira (19). Ambientada em Mato Grosso do Sul, a obra termina em alta com os telespectadores do Estado, mas nem sempre foi assim… Entre erros e acertos, após inventar tantos detalhes sobre MS e desagradar em alguns pontos na representação da cultura local, é possível concluir que o folhetim de Walcyr Carrasco deu certo? Ou não?
Recapitulando os fatos, o MidiaMAIS se despede da novela das nove elencando as polêmicas mais marcantes que “Terra e Paixão” provocou em Mato Grosso do Sul e faz um balanço do legado que a trama deixou para o Estado.
Bom… pra começo de conversa, ocupar o lugar de “Pantanal” no coração dos sul-mato-grossenses foi uma tarefa árdua e a história de Walcyr Carrasco precisou se esforçar não só para agradar os moradores de MS, mas também para conquistar os brasileiros de modo geral, depois de ter herdado o horário de sua antecessora “Travessia” com a audiência lá em baixo.
Mas, sem falar em Ibope e focando na representatividade local, a trama enfrentou, do mesmo modo, um caminho espinhoso. Nesse período nada curto de nove meses no ar e um ano de gravações, “Terra e Paixão” virou notícia e repercutiu diversas vezes em Mato Grosso do Sul ao retratar a cultura do Estado. A trama cometeu algumas gafes consideradas imperdoáveis, mas, em certo ponto, até no erro cativou os sul-mato-grossenses.
A passos lentos…
Nos primeiros meses, houve uma rejeição inicial e tudo era motivo de crítica. Isso porque muitos “viúvos” e “viúvas” do remake de “Pantanal” (2022) fizeram birrinha com a produção novata. Havia uma ciumeira pelo fato de outro folhetim estar levando o Estado para o resto do país, sendo que, na cabeça de muitos, “só Pantanal era digna” de tanto. Os ataques eram gratuitos e as comparações com o remake aconteciam de modo a sempre diminuir a atual novela das nove e enaltecer o remake pantaneiro.
Caio (Cauã Reymond), Aline (Bárbara Reis), Antônio La Selva (Tony Ramos), Irene (Gloria Pires), Daniel (Johnny Massaro) e companhia, foram conquistando a audiência mês a mês e, aos poucos, os sul-mato-grossenses começaram a se render à história, a ponto de apoiarem o tereré individual e “passarem pano” para a chipa feita com mel e canela.
Mato Grosso do Sul paralelo
Há quem diga que, para contar sua história no Estado, “Terra e Paixão” praticamente inventou um Mato Grosso do Sul paralelo, onde se toma tereré com guampas e garrafas separadas por pessoa, onde a receita de chipa leva água e mel e, principalmente, onde as cidades de Florbela e Nova Primavera existem.
Com o último capítulo marcado para às 20h20 desta sexta (19), relembre abaixo os aspectos mais questionáveis que o folhetim de Walcyr Carrasco inventou sobre MS ao longo de seus 221 episódios e como cada um deles deu o que falar entre os moradores.
Tereré adaptado foi considerado “higiênico”
Tipicamente sul-mato-grossense, o tereré foi incorporado às rotinas dos personagens – algo que não aconteceu em “Pantanal”. Em “Terra e Paixão”, a maior parte dos núcleos contou com a bebida. Mas a novela se equivocou ao exibir, até mesmo em ambientes familiares, cada pessoa com sua guampa e sua garrafa – o oposto da tradição, cuja guampa é compartilhada em roda.
Fora do roteiro, esses detalhes não foram escritos pelo autor Walcyr Carrasco e sua parceira Thelma Guedes. As gafes partiram da direção e de improvisos dos próprios atores em cena.
Assim, sem se apegar ou entender a tradição, a trama inventou um novo jeito de tomar tereré. E, no fim de tudo, os sul-mato-grossenses tão críticos e impiedosos acabaram, em sua maioria, aprovando a versão “higiênica” da cultura herdada do Paraguai.
Com o passar dos meses, “Terra e Paixão” caiu tanto nas graças do público local que, quando alguém criticava o jeito da novela representar o tereré, apareciam centenas de pessoas para defender e aplaudir a “adaptação”.
O público de MS terminou manifestando apoio ao tereré individual nas redes sociais, fazendo alusão à higiene, e defendendo que a cultura local deveria de fato ser desse jeito. Dá pra entender…?
O surto da chipa com mel e canela
As redes sociais foram à loucura quando, após mais de 160 capítulos, a novela das nove decidiu ensinar uma receita de chipa. A iguaria sul-mato-grossense, também herdada do Paraguai, ganhou uma sequência de cenas só para ela.
De maneira inexplicável, a trama inventou ingredientes e o passo a passo de uma receita de chipa que não existe, feita com água, mel e canela. “Indispensáveis pra chipa ficar boa”, como disse o texto de Walcyr Carrasco. Dessa vez, a culpa foi do autor – e ninguém sabe de onde ele tirou a tal receita diferentona. Criativo, não?
Contudo, já rendidos à “Terra e Paixão”, vários sul-mato-grossenses decidiram dizer que comem chipa com mel, ou que a protagonista poderia comer chipa com o que quisesse. Pouco importou o fato da novela apresentar o quitute de uma maneira bem diferente (e equivocada) da que é feita por aqui.
Ou seja, em “Terra e Paixão”, até a chipa foi inventada.
Nova Primavera e Florbela: MS ganhou mais duas cidades na trama
Algo que muitos não entendem até hoje é o fato de “Terra e Paixão” ter escolhido contar sua história em uma cidade fictícia, usando imagens de locações reais de Mato Grosso do Sul.
O recurso é comum em obras de ficção (afinal, são fictícias, não?) e serve para dar mais liberdade para o autor mirabolar e desenhar um universo próprio, sem se prender a possíveis aspectos geográficos reais limitantes.
O problema é que, como sempre, os sul-mato-grossenses queriam se ver mais representados na telinha e manifestaram o desejo de ouvir os personagens citando os lugares onde moram.
Primeiro, Carrasco ambientou “Terra e Paixão”, apenas na fictícia cidade de Nova Primavera. Para compor as imagens externas do município, a direção da trama usou takes de Lagoa Bonita, pequeno distrito de Deodápolis (MS).
Mas, alguns bons capítulos depois da estreia, Walcyr percebeu que precisava expandir o universo de sua novela e incorporou outra cidade fictícia ao mapa de MS: Florbela.
Desse modo, a trama criou duas cidades para Mato Grosso do Sul e os personagens de Nova Primavera passaram a frequentar Florbela como quem vai de Aquidauana à Campo Grande e vice-versa.
Ainda que tenha apostado em lugares irreais, o folhetim não deixou de mencionar a Capital Campo Grande do início ao fim. Até Alcinópolis fez uma pontinha quando Dirceu (Eriberto Leão) pegou um ônibus desta cidade para Nova Primavera.
No entanto, Dourados e Deodápolis, municípios de Mato Grosso do Sul usados para a ambientação de “Terra e Paixão”, jamais foram mencionados por qualquer personagem nos 221 capítulos da novela. Isso o povo sentiu!
Terra e Paixão deu certo?
Apesar de inventar essas cidades, costumes e até receitas ao levar Mato Grosso do Sul para o país, é possível afirmar que a novela termina com a conta lá em cima com os moradores. Embora criticada, “Terra e Paixão” deu certo a ponto de “Pantanal” nem ser mais lembrada ou mencionada pelos telespectadores e o balanço final da repercussão mostra uma aceitação positiva do público local construída ao longo dos meses.
Se no começo a atual novela das nove gerava críticas negativas e comparações com o remake, no final, os sul-mato-grossenses só querem ver Irene e Antônio se dando mal, Aline ganhando os gêmeos, Ramiro dando apertãozinho em Kelvin, Anely sendo feliz com Luigi, Lucinda acordando do coma e, principalmente, querem saber “quem matou Agatha?”
Não só os sul-mato-grossenses, mas os brasileiros criaram vínculo e desenvolveram afeto pelos personagens da trama. A criação desse elo estabeleceu uma conexão direta com a audiência, que iniciou na casa dos 25 pontos e termina batendo recordes acima dos 33 – números alcançados apenas por “Pantanal” nesta década.
Novela explicou que este Mato Grosso é DO SUL e ganhou moral no Estado
O pico de Ibope e os comentários nas redes sociais atestam que “Terra e Paixão” não deu certo apenas em MS, mas em todo o Brasil. Por aqui, as gafes foram até esquecidas e o interesse, no final das contas, ficou concentrado na história. O longo tempo no ar (nove meses) também contribuiu para o esquecimento das polêmicas e para o foco no desenrolar das tramas, trazendo um saldo positivo para a novela.
Pesa ainda o fato da obra de Walcyr Carrasco ter exibido cenas que explicaram ao público nacional que este Mato Grosso é DO SUL, expondo para o Brasil a importância da diferenciação entre MS e MT. Foi justamente ao levar essa questão da identidade local para a telinha que a novela ganhou a maior moral com os sul-mato-grossenses e se consolidou no coração dos telespectadores do Estado.
E, assim como “Pantanal”, “Terra e Paixão” deixará órfãos. Estes que, inclusive, já estão até torcendo o nariz para a substituta, o remake de “Renascer”, que estreia segunda-feira (22).
E por falar em Pantanal…
Depois de três anos seguidos, com duas novelas uma atrás da outra em horário nobre, é hora da ficção global dar uma folga a Mato Grosso do Sul. Até o momento, não há previsão de novas produções ambientadas no Estado, mas, a tirar pelo sucesso descoberto em histórias contadas em MS, não deve demorar muito para outro folhetim ser realizado em solo sul-mato-grossense.
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