“Saudade que dói”: o significado do Dia das Mães para quem perdeu a filha para o feminicídio

Marisa Rodrigues lembra que há 3 anos passa o dia das mães sem a filha, morta por ex-guarda municipal

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Marisa abraça amiga de Maxelline que também foi vítima de Valtenir (Foto: Stephanie Dias)

Sem se conhecerem, Marisa Rodrigues da Silva, de 52 anos, e Ilma Cardoso, de 54, têm mais em comum do que se possa imaginar. As duas são mães de mulheres que tiveram as vidas interrompidas por homens que não aceitavam a liberdade feminina — ensinada a elas na infância. O segundo domingo de maio, quando se comemora o Dia das Mães, é a data de maior saudade para elas.

Há três anos a cuidadora de idosos Marisa passa o dia das mães sem sua única filha mulher. Maxelline da Silva dos Santos foi morta a tiros pelo ex-guarda municipal Valtenir Pereira da Silva, condenado nesta quinta-feira (5) — três dias antes do dia das mães — a 44 anos de prisão, durante Tribunal do Júri. Mais do que a filha do meio, Maxelline era a melhor amiga da mãe e a ‘alegria da família’ nas festas comemorativas.

Marisa lembra que era a filha quem preparava a decoração do segundo domingo de maio para a família se reunir, todos os anos. Sempre sorridente nas fotos das redes sociais, ela fazia com as próprias mãos, além da decoração, uma cesta café da manhã para Marisa anualmente.

“Minha filha era simplesmente perfeita, ela colocava muito amor em tudo o que fazia. Sempre estava muito feliz e era amiga de todo mundo”, lembra. Professora por formação e vocação, a mãe revela que a filha havia sido contratada por uma escola particular 15 dias antes do assassinato, e estava realizada profissionalmente.

Marisa Rodrigues da Silva, mãe de Maxelline. (Foto: Henrique Arakaki – Jornal Midiamax)

As amizades que conquistou durante a faculdade e nos empregos anteriores, entretanto, permaneciam. Para Marisa, esse era um dos maiores orgulhos da filha. O programa preferido das duas era passear e fazer compras no centro da Capital aos sábados. Marisa criou a rotina de fazer deste um “momento mãe e filha” semanal, uma vez que elas não moravam mais juntas.

“Ela ligava e dizia ‘mãe, vou passar para te pegar no sábado’, e éramos bem unidas, apesar dela ter a própria casa. Eu não consigo fazer mais essas coisas, só consigo trabalhar, chegar em casa e ir para o meu quarto”, desabafa.

Marisa foi acolhida pelas famílias de seus pacientes, idosos, a quem dedica o amor de sobra desde que perdeu Maxelline. Durante um ano, a cuidadora de idosos morou com a irmã, pois não conseguia olhar para sua própria casa sem lembrar da filha que se foi.

“A casa dela [Maxelline] era alugada. Foi muito triste pegar a mudança dela, eu não consegui. Ela era muito organizada, limpinha e cuidadosa. Ela tinha um carro e uma moto, mas disse que ia vender o carro para comprar outra moto, e a que já tinha daria para o irmão”, relembra.

Nas datas comemorativas, como no Dia das Mães e festas de final de ano, a família se reúne para tentar “disfarçar a dor da saudade”, segundo Marisa. O aniversário da filha de Marisa era justamente no dia 30 de dezembro.

Preocupada em não dar trabalho para os irmãos e para a mãe, Marisa lembra que Maxelline sempre avisava de seus passos e compromissos. “Ela sempre falava ‘mãe, estou indo trabalhar; cheguei no trabalho; estou almoçando; vou passar na sua casa; como estão meus irmãos?’ e estava presente na minha vida”.

Outro orgulho que Marisa sentia como mãe era saber que sua filha tinha dedicação pelos estudos e era acolhida pelos lugares em que passava. “Minha filha estava estudando para concurso e as crianças na escola adoravam ela”, finaliza.

“Saudade que dói”

Há quatro anos sem a filha no dia das mães, Ilma Cardoso, mãe de Mayara Amaral, relembra que não só a data tornou-se difícil após a partida da musicista, mas o mês de maio inteiro. Com o sonho de ter três ou quatro filhos, a costureira se dedicou à criação das duas filhas sem cobranças que pesam sobre mulheres desde a fase da infância.

“Eu sempre disse que elas são independentes, que deveriam ter a própria vida, inclusive financeira, vestir a cor que elas queriam e usar a roupa que quisessem. Quando falavam ‘mãe, essa cor é de menino’, eu explicava que elas não podiam ter esse bloqueio. As duas gostavam de jogar futebol, que era dito até pela minha família como um esporte apenas masculino”, explica.

Ilma Cardoso, mãe da Mayara Amaral. (Foto: Leonardo de França – Jornal Midiamax)

Nesse ano, o dia das mães será comemorado junto a casais de amigos, já que, sem Mayara e a mais velha Pauline — que atualmente mora nos Estados Unidos —, Ilma tenta preencher o vazio de não ter companhia para almoçar em mais um domingo como esse. “Me dediquei muito a elas, e faria tudo de novo. Eu sempre quis ser mãe, era meu sonho. Além da saudade, estou passando por outras fases difíceis, financeira e emocional”, desabafa.

Durante a ligação em entrevista ao Jornal Midiamax, Ilma faz intervalos para conter o choro. Ela relembra que o programa preferido de mãe e filha, junto a Mayara, era assistir à Cachorra Priscila, personagem da TV Colosso. “Eu fazia questão de tirar foto dela e guardar tudo, mas infelizmente o pai levou a maioria quando saiu de casa. No começo contratamos até um fotógrafo, que era nosso vizinho, mas depois aos 2 anos a Mayara não quis mais tirar foto com ele”, lembra.

Para não ficar sem as memórias de infância da filha, Ilma comprou sua própria câmera fotográfica e aprendeu a usá-la. Anos depois, a filha Pauline fez curso de fotografia e começou a ajudar a mãe nos registros da família. Apesar de passar o Dia das Mães sozinha, Ilma sente felicidade em saber que a agora única filha está bem e construindo sua vida.

“O fato de eu estar longe [da Pauline] é uma saudade boa porque sei que ela está bem, mas a outra [saudade da Mayara] dói porque eu sei que ela não está comigo. Visitei o túmulo dela apenas três vezes, porque aquilo para mim não representa nada”, compara Ilma.

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