Prestes a completar 123 anos oficiais no próximo dia 26 de agosto de 2022, , na realidade, teria feito 150 anos no dia 21 de junho. A contestação à data oficial do aniversário da Capital de Mato Grosso do Sul é levantada por historiadores e familiares do fundador da cidade, José Antônio Pereira, que não reconhecem como legítimo o dia escolhido para o município celebrar aniversário.

A polêmica ganhou holofotes no último mês de junho, quando a cidade completou 150 anos de fundação e o marco não foi lembrado por autoridades. A ausência de destaque para essa “idade” causou revolta a quem conhece e estudou a história de Campo Grande.

“Ignorância ou descaso?”, questiona o bisneto do fundador

Bisneto do fundador José Antônio Pereira, Édson Contar foi o primeiro este ano a levantar a voz para exigir o reconhecimento do dia 21 de junho, data que marca a chegada de José Antônio Pereira ao vilarejo que se transformou em Campo Grande. Para Édson e alguns estudiosos, este deveria ser o dia da comemoração do aniversário da Capital.

“Não vejo nada na mídia, nem citações da data pelos nobres vereadores ou pela Prefeitura da Capital”, reclama ele, afirmando ainda que tenta, “pela enésima vez, esclarecer aos desatentos, a verdade sobre datas festivas de Campo Grande”, cujo aniversário seria em 21 de junho e não em 26 de agosto como “vem sendo apregoado erroneamente”, garante o historiador e jornalista.

Conforme mostra o documento abaixo, dia 26 de agosto corresponde ao dia da elevação de Freguesia à Vila e não teria porque valer como aniversário. “Os documentos aí estão e são esclarecedores o bastante para que acabe com esse festival de desinformações que terminam por confundir nossa história”, dispara o jornalista.

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Documento de 26 de agosto de 1899 da resolução que eleva Campo Grande de Freguesia à Vila – (Foto: Arquivo Histórico)

Para ele, Campo Grande perde por não contar sua história da forma correta. “Perde a população, perde-se a oportunidade única, e toda essa geração não terá o que comemorar até o bicentenário (se não for esquecido igualmente)”, reclama.

Em resumo, Contar detalha e faz uma linha do tempo dos acontecimentos:

– 21/06/1872: Fundação de Campo Grande, data que marca a chegada de José Antônio com seu filho Antônio Luiz e dois agregados, acampando às margens do Prosa com o Segredo e decidindo aqui fundar um povoado.
– 23/11/1889: Elevação do povoado à categoria de Freguesia (lei 792)
– 26/08/1899: A Freguesia de Campo Grande é elevada à Vila (resolução 225)
– 20/07/1910: Instala-se a Comarca de Campo Grande (lei 549)
– 16/07/1918: Campo Grande é elevada à Cidade (lei 772)
– 11/10/1977: Campo Grande torna-se Capital do Estado de Mato grosso do Sul (lei complementar nº 31), cuja instalação deu-se a 01/01/1979

“Eis aí toda nossa história, sem prosa, sem versos, mas, documentada”, finaliza.

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Busto de José Antônio está localizado no canteiro central da Avenida Afonso Pena, cruzamento com a Avenida Calógeras – (Foto: Marcos Ermínio/Midiamax)
José Antônio
Monumento foi homenagem da colônia libanesa liberada, na época, pelo cônsul Assaf Trad – (Foto: Marcos Ermínio/Midiamax)
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Herma sobre plinto de granito foi construída em 1972, quando a fundação de Campo Grande completou 100 anos – (Foto: Marcos Ermínio/Midiamax)

O que pensam os cidadãos?

Apesar de ter virado assunto nos últimos meses por conta da reivindicação de Contar, gerações mais novas e nem tão novas assim jamais ouviram falar desta problemática levantada pelos pesquisadores mais antigos. O Jornal Midiamax então perguntou a alguns cidadãos campo-grandenses a opinião dos mesmos a respeito.

Dona de casa de 31 anos, Valéria Alves conta que nunca soube dessa conversa. “Pra mim, sempre foi 26 de agosto o aniversário. 21 de junho nunca ouvi falar”, diz ela à reportagem. Jonathan Silva, de 20, também desconhece a polêmica. O jovem estudante de engenharia civil ainda ressalta: “Mudar a essa altura? Melhor deixar assim, a menos que façam um feriado novo com essa data nova, aí ficaria bom”, brinca o rapaz.

Já o professor aposentado Eduardo Ribeiro, de 64 anos, recorda da celebração do centenário da fundação de Campo Grande, realizada pela Prefeitura em 1972, quando tinha 14 anos. “Tivemos dois centenários comemorados, um em 1972 e o outro em 1999, então ficou essa confusão”, comenta ele. Aos 42 anos, a vendedora Marcilene Torres é outra que se lembra do imbróglio entre as datas. Ela é filha de um antigo morador já falecido que contava essa história: “Papai falava sempre que estava errado 26 de agosto, que o certo era em junho, mas já passou tanto tempo isso que eu acho que não tem por que mexer agora”, pontua a cidadã.

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Em Campo Grande, diariamente, cidadãos passam pela Rua José Antônio, que ganhou esse nome como forma de homenagear o fundador – (Fotos: Marcos Ermínio/Midiamax)

Argumentos sólidos

Historiadores de Campo Grande também têm seus argumentos. Sérgio Cruz, que pesquisa e documenta a história da Capital, parte da mesma opinião do bisneto de José Antônio Pereira. “Dia 21 de junho de 2022 foi celebrado o sesquicentenário da fundação de Campo Grande. Portanto, Campo Grande completou 150 anos. Eu não vi ninguém falar nada, ninguém tocou nisso, mas é importante dizer que em 1972 o comemorou o centenário da fundação”, conta, lamentando pela data não ter sido lembrada por nenhuma autoridade este ano.

Conforme Sérgio, em 1999, a comemoração de outro centenário da Capital de Mato Grosso do Sul, com base em 26 de agosto de 1889, aconteceu novamente, e essa celebração do mesmo fato deixou a população perdida. “Qual vale? Os dois valem, tanto o 21 de junho, quanto o 26 de agosto, mas era bom ressaltar essa questão”, destaca ele.

“Em verdade, Campo Grande começou no dia que o José Antônio Pereira chegou aqui, em 1872, mas comemora aniversário em 26 de agosto de 1899, quando foi elevada de Freguesia à Vila”, pontua o jornalista e historiador ao Jornal Midiamax.

Para defender a tese, Sérgio traça um paralelo: “O Brasil foi descoberto em 1500, certo? Então o Brasil comemorou 500 anos em 2000. Só que a data oficial da Independência do Brasil é 7 de setembro de 1822. Então nós também temos duas datas: a data do descobrimento de Campo Grande, em 21 de junho de 1872, e tem a data da emancipação que foi em 1899. O que se comemora aqui oficialmente é o 26 de agosto, que está completamente errado”, argumenta.

No entanto, contra a data há o fato da mesma não estar registrada em nenhum documento ou ata. “Só há os depoimentos de testemunhas e pessoas ligadas à família de José Antônio Pereira. O que consolida o 21 de junho é o Brasão do município, está lá: 1872 e 1899. Não tem polêmica nenhuma, é uma coisa natural”, pontua Sérgio.

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Monumento ao Carro de Boi, obra da escultora Neide Ono, remete à chegada de José Antônio Pereira a Campo Grande – (Foto: Marcos Ermínio/Midiamax)

Aniversário de Campo Grande em outra data

Consultada pelo Jornal Midiamax, Madalena Greco, reconhecida historiadora de Campo Grande, também não reconhece 26 de agosto como a data correta. Para a estudiosa, no entanto, o dia mais coerente não é 21 de junho.

“Penso que o aniversário deveria ser em 16 de julho de 1918, o dia em que Campo Grande foi elevada de Vila à categoria cidade. Inegavelmente, houve uma falha. Tentamos articular alguma coisa nesse sentido, mas não houve um retorno colaborativo por parte de nenhum órgão, e não vimos repercussão. Realmente passou batido. Acho que é legítima a reivindicação do Édson“, diz ela.

Para Madalena, 150 anos não é uma data qualquer. “Merecia a comemoração da chegada de uma comitiva que gerou um povoado. Poderiam ter feito alguma solenidade, um reconhecimento. 26 de agosto ficou sendo o dia oficial, eu não enxergo isso como legítimo, mas oficializaram essa data”, lamenta.

É comum que cidades celebrem aniversário na data correspondente à emancipação e não à fundação. No caso de Campo Grande, o aniversário se baseia na data de elevação da categoria Freguesia para a de Vila, o que não faz sentido para os estudiosos. Para o bisneto de José Antônio, o aniversário da Capital deveria ser em junho, mas, considerando o dia em que Campo Grande se tornou definitivamente uma cidade, Madalena crê que a celebração correta seria em julho.

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Projetado pelo engenheiro Newton Cavalcânti, no cruzamento da Avenida Afonso Pena com a Rua José Antônio, o obelisco foi inaugurado em 26 de agosto de 1933 – (Fotos: Marcos Ermínio/Midiamax)

Faz diferença mudar agora, deveria ser investigado?

Por mais de um século, a Capital sul-mato-grossense instituiu 26 de agosto como o dia oficial do aniversário. 123 anos depois, faria sentido ou alguma diferença mudar esta data? O município deveria investigar melhor e promover alguma alteração? Os historiadores opinam.

“Acho que não tem nada que arrumar, tem que deixar como está. Já virou cultura, é tradição na cidade. O que a Prefeitura podia fazer era comemorar também, não deixar passar em branco o 21 de junho. Levar para escolas, para os alunos saberem que foi o dia em que José Antônio Pereira chegou aqui, que é um dia importante para Campo Grande. Acho que isso tem que ser ressaltado. Infelizmente, ninguém fala sobre isso”, lamenta Sérgio. “Pra mim, é muito mais importante o 21 de junho do que o 26 de agosto”, conclui o pesquisador.

Madalena Greco destaca que já tentou fazer algo pelo reconhecimento, sem resultados. “Chegamos a fazer um concurso de monografias para trazermos repercussão a esse assunto, mas não houve interesse público”, conta a historiadora.

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Carta do Presidente do TJMS na íntegra

Presidente do TJMS entrou na jogada

Descendente direto de José Antônio Pereira, o desembargador Carlos Eduardo Contar, presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), entrou na jogada e enviou um ofício à Câmara Municipal de Campo Grande em 22 de junho de 2022, indagando a falta de comemoração dos 150 anos anos de fundação do município.

No documento, o presidente do TJMS ressaltou o “retumbante silêncio” do Poder Público Municipal em relação à data e disse que a Municipal deveria reparar a omissão da Prefeitura. “Na qualidade de cidadão campo-grandense e chefe de um dos Poderes do Estado de Mato Grosso do Sul, venho até Vossa Excelência para registrar o retumbante silêncio do Poder Público municipal no tocante às comemorações dos 150 anos de fundação de Campo Grande, cuja data remonta o dia 21 de junho de 1872”, iniciou Carlos Eduardo Contar.

“Certo é que caberia, dentre outro, também à Câmara de Vereadores de Campo Grande, conhecer, divulgar e promover a cultura, tradição e demais fomento às atividades de preservação e respeito à história de nossa sociedade. Assim, ao não comemorar a marcante passagem do sesquicentenário, é certo que – ao menos – deveria o Legislativo Municipal reparar tal omissão buscando de alguma forma promover a divulgação de tal efeméride ao longo do ano, promovendo ainda que tardia (e de forma a se lamentar) a devida correção e festejos do legítimo aniversário de nossa cidade”, pontuou o desembargador.

Em resposta ao ofício de Contar, a Câmara Municipal de Campo Grande destacou as consequências que uma possível alteração da data do aniversário da cidade traria, especialmente por 26 de agosto dar nome à rua, escola, unidade de saúde, edifícios, além de ser feriado e marcar inaugurações de obras e espaços públicos.

Com base nisso, o Presidente da Câmara, Carlos Augusto Borges, argumentou ainda que não há motivos para o Poder Legislativo divulgar a data do aniversário em um dia diferente do já celebrado.

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Casarão construído por José Antônio Pereira e seu filho Antônio Luiz, por volta de 1880, onde está localizado o Museu José Antônio Pereira – (Fotos: Marcos Ermínio/Jornal Midiamax)

Algum município já alterou a data do aniversário?

Florianópolis, a Capital do Estado de Santa Catarina, já mudou a data de aniversário. Em 2015, a Câmara de Vereadores do município aprovou a alteração. As motivações? Exatamente as mesmas de Campo Grande.

Estudo realizado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina em 2003, a pedido da Prefeitura de Florianópolis, seguiu diversos arquivos históricos e obras de vários autores, concluindo que 1673 seria o ano correto mais próximo para a fundação do município, que depois se tornou a Capital do Estado.

Com isso, Floripa ganhou 53 anos a mais, já que antes, o ano base para a comemoração do aniversário era 1726. Ainda assim, 23 de março permaneceu inalterado como data da celebração, já que dia e mês exatos da fundação são desconhecidos.

O município de Valença, no Rio de Janeiro, está passando pela mesma situação. A cidade celebra a data com base em 29 de setembro de 1857, mas, após análises de historiadores, um projeto de Lei foi criado em 2021 solicitando alteração para 17 de outubro de 1823. A matéria foi aprovada por unanimidade no dia 17 de março de 2022. Com isso, Valença ganharia mais 34 anos. O projeto, no entanto, ainda precisa ser sancionado pelo prefeito.

Seria esse o destino de Campo Grande, trocar a data de aniversário depois de mais de um século comemorando idade em um dia supostamente errado? A Prefeitura Municipal da Capital de Mato Grosso do Sul foi procurada pelo Jornal Midiamax, mas não respondeu nenhuma das tentativas de contato sobre o interesse em uma possível investigação e/ou divulgação da data da fundação, como é solicitado pelos historiadores.

O fato é que monumentos e homenagens espalhadas por Campo Grande reconhecem o fundador e a fundação, mas, para os pesquisadores, a data de comemoração do aniversário não acompanha a correta trajetória histórica da Capital. Apesar do costume e do conformismo que enraizaram 26 de agosto, a exemplo dos municípios citados acima, tudo pode acontecer.

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Documento de instalação da Comarca de Campo Grande – (Foto: Arquivo Histórico)

Na sua opinião, a data do aniversário de Campo Grande deveria ser alterada para 21 de junho, com base na fundação, ocorrida em 1872, e não mais ser celebrada em 26 de agosto, quando a Freguesia foi elevada à Vila? Mande a sua opinião para o nosso WhatsApp.

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