“Estes poemas foram escritos pelo adolescente que fui. Nunca os mostrei. Agora, lendo-os de novo, mais de 60 anos passados, senti-me emocionado e esqueci os senões”.

Assim começa a apresentação do livro , escrito por Abílio Leite de Barros. Irmão caçula de Manoel de Barros – ambos já falecidos – ele compartilhou do amor à escrita igual ao irmão. No entanto, diferente do mais velho, viveu uma vida reservada e por vezes com o ‘poeta' reprimido pelas obrigações do campo. Neste Dia do Poeta, o MidiaMAIS te convida a conhecer a história do pecuarista, escritor e poeta que, apesar de ter vivido longe dos holofotes, deixou seu legado na literatura sul-mato-grossense.

Nascido em em 1929, Abílio estudou Filosofia no Rio de Janeiro, universidade onde conheceu a baiana Carolina Leite de Barros, com quem foi casado e teve três filhos: Mercedes, Leonardo e Luciano, o último já falecido.

Carolina e Abílio Leite de Barros
Carolina e Abílio Leite de Barros (Foto: Arquivo Pessoal)

Casal se mudou para Corumbá, na região da Nhecolândia, para tocar a fazenda na década de 60 após o falecimento do pai de Barros. Abílio e Carolina trabalhavam como professores universitários na época, mas trocaram a vida acadêmica pela do campo.

Quem recordou esses momentos de vida ao lado de Abílio Leite de Barros junto com o MidiaMAIS foi a própria Carolina. Aos 93 anos, ela revive como as palavras transcendiam a vida do escritor.

Segundo a aposentada, sua maior paixão era o pasto. Razão pela qual sempre se dedicou à pecuária. No entanto, outra personalidade oculta começou a se manifestar: o Abílio escritor.

Poeta e escritor

Quando os filhos atingiram certa idade, a família precisou se mudar para devido às aulas.

Dessa forma, o homem escreveu suas primeiras crônicas para o jornal do sindicato rural da cidade. Sua maior fonte de inspiração era o Pantanal, especialmente devido ao nível de desinformação que as pessoas tinham sobre o bioma. As palavras nasceram, então, para informar sobre o paraíso de Mato Grosso do Sul.

“Ele ficou tão revoltado que decidiu escrever o livro ‘Gente Pantaneira' para mostrar o que era o Pantanal e quem era o pantaneiro. Ele nunca levantou uma palha pra divulgar as coisas que ele fazia. Então, era o tipo de personalidade dele, ele não queria aparecer. Ele se escondia. Ele foi escrevendo”, conta Carolina que, por sinal, digitou todas as obras do marido no computador para enviar às editoras.

Abílio Leite de Barros
Abílio Leite de Barros (Foto: Arquivo Pessoal)

Dono de uma inteligência riquíssima, Abílio Leite de Barros também era advogado e Licenciado e Bacharel em Filosofia. Portanto, a escrita já era uma conhecida até se tornar sua fiel companheira. No entanto, as obrigações diárias reprimiram o lado poetista de Abílio.

“Eu acho que o poeta faleceu pela necessidade de cuidar das coisas práticas da vida. Uma fazenda que ele recebeu e conseguiu transformar em três. Conseguiu dar uma fazenda para cada filho e isso com honestidade e trabalho dele. Isso sufocou o poeta. No fim da vida, ele olhando as poesias, ele falou ‘vou publicar'. E publicou”, recorda Carolina, emocionada.

Abílio escreveu nove livros: Gente Pantaneira, Uma Vila Centenária, Opinião, Histórias de Muito Antes, Pantanal – Pioneiros, Crônicas de uma nota só (A Era Lula), Recoluta, Poesia e A Crônica dos Quatro – com Maria Adélia Menegazzo, Maria da Glória Sá Rosa e Theresa Hilcar.

‘Literatura é um desejo de ser e de fazer'

Tristeza quase saudade daquele que eu seria se triste hoje não fosse esse triste que sou”, trecho retirado da poesia Essa Triste, de Abílio Leite de Barros, retrata seu íntimo.

Enquanto isso, em ‘O Experiente', o jovem Abílio mostra sua confiança com a vida. “Esperanças? Já esperei. / Hoje sou Experiente,/ trago comigo a marca/ de uma idade que não tive”.

Admiradora do trabalho dos irmãos Barros, a escritora Raquel Naveira escreveu um ensaio sobre as obras de Abílio intitulado “Dois Irmãos: Abílio e Manoel”.

No texto, ela compara a relação deles com Theo, negociante de arte e caçula do renomado Vicent Van Gogh. Conforme Naveira, Theo deu ao irmão todo suporte e apoio financeiro para que se dedicasse exclusivamente à pintura.

Os irmãos, durante anos, trocaram cartas comoventes onde Theo procurava encorajar o irmão depressivo e Vincent revelava seus pensamentos, sua alma torturada de artista […] Um pouco assim foi Abílio para Manoel: o irmão sempre presente, lúcido na condução das finanças, consultor e amigo dos sobrinhos, porto seguro em meio a tempestades familiares e políticas. Manoel vivia para a poesia, dizia que ‘estudara por linhas tortas', que Deus ajeitara nele um dom: ‘pertencer para uma árvore, escutar o perfume dos rios'. Era alguém que não desejava ‘cair em sensatez' e que só almejava o ‘feitiço das palavras‘”, escreveu Raquel.

Como bem recorda Carolina, viúva de Abílio, o lado poético do artista foi sufocado pelas obrigações do campo, pelos caminhos traçados em cima do cavalo, pelas contas que precisava pagar e pela responsabilidade de ser pai de família.

Mesmo assim, sua escrita se eternizou na literatura regional e nacional a ponto de ocupar a cadeira 32 da Sul-Mato-Grossense de Letras, conforme pontuado por Henrique de Medeiros, presidente da ASL.

“Quanto aos poetas contemporâneos, todos que aqui vivemos e escrevemos somos contaminados pelo universo pantaneiro”, ressalta Raquel Naveira sobre as influências de Abílio Leite de Barros nos dias atuais.

Abílio, esposa e filhos
Abílio, esposa e filhos (Foto: Arquivo Pessoal)

Abílio Leite de Barros, o Guardião do Pantanal

Por causa da sua importância para o agronegócio e ambientalismo regional ligado à preservação de jacarés no Pantanal na década de 1980, Abílio Leite de Barros foi homenageado em 2015 com selo comemorativo dos Correios, na abertura da 77ª Expogrande.

Ele também ficou carinhosamente conhecido como Guardião do Pantanal e até ganhou uma música em sua homenagem. Confira:

Abílio Leite de Barros faleceu aos 90 anos no dia 28 de outubro de 2019 por causa de demência senil.


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