Contos, mitos e lendas, folclore de MS nasceu de outros países e culturas

Criado em uma família rica em tradições e pai que foi perseguido pelo Saci, Andriolli é apaixonado pelo folclore

Ouvir Notícia Pausar Notícia
Compartilhar
Andriolli é pesquisador e especialista em folclore
Andriolli é pesquisador e especialista em folclore

Hoje, dia 22 de agosto, é comemorado o Dia do Folclore no Brasil. Mas você já parou para pensar na importância dele para a construção da história de pessoas, lugares e tradições ao redor do país, especialmente em Mato Grosso do Sul? O que para muitas pessoas é visto apenas como lendas urbanas e contos para “dormir”, para outras é a razão de vários pensamentos nascidos de crenças centenárias.

Para falar com mais propriedade sobre o folclore brasileiro, e de quebra contar sobre os principais mitos que existem na região sul-mato-grossense, convidamos o jornalista, consultor e pesquisador Andriolli de Brites da Costa, 31 anos, especialista no assunto. Se você está interessado(a) em conhecer mais sobre esse vasto universo, acomode-se em um lugar confortável e fica aqui com a gente, porque temos muita história incrível para contar.

Vamos começar, então, apresentando o nosso convidado. Andriolli é de Campo Grande, mas hoje mora no Rio Grande do Sul por causa do mestrado. O interesse pelo folclore começou no próprio seio familiar, especialmente por causa dos costumes dos avós que foram passados através de gerações até chegar a ele.

“Desde cedo me fascinava os saberes dos meus avôs, o modo como eles controlavam o vento e a tempestade usando simpatia. A forma como contavam histórias e permitiam nos encantar com os mitos e as lendas”, recorda o pesquisador.

Dos chás usados para curar alguma doença até a riqueza dos pratos típicos que saboreava em casa, todos os elementos que compõem o folclore o fascinavam. E a relação que tinha com o seu pai foi uma grande precursora dessa paixão.

[Colocar ALT]
Saci-pererê (Foto: Reprodução)

“Meu pai contava desde cedo que já foi perseguido pelo Saci, que o Saci atacava ele na porteira quando ele ia na chácara dos meus avós e sempre com muito respeito. E não contava como se fosse alguém que estivesse tentando me distrair. Ele sempre falou com muito respeito do que ele viveu em Terenos e eu, então, aprendi esse mesmo respeito”.

A pesquisa acadêmica veio depois, na faculdade, ao descobrir que poderia estudar o folclore no âmbito das ciências sociais. Desde então, ele nunca mais parou e conta com o próprio site e Podcast para falar sobre os mitos e lendas que permeiam ao redor do Brasil. Sem mais delongas, vamos conhecer mais sobre esses contos?

Folclore brasileiro

Em 2010, Andriolli fez um roteiro de filme sobre a lenda dos tesouros enterrados no Paraguai, que é muito conhecido na fronteira.

“Desde cedo, isso chamou muita atenção das pessoas lá porque os tesouros enterrados são tão marcantes no imaginário paraguaio, que pessoas morrem todos os meses — e eu percebi isso fazendo a minha pesquisa — procurando tesouros protegidos por espíritos. Tesouros, esses, que datam da época da guerra contra o Paraguai. Na lenda, se você tiver o coração puro, seguir uma cena ritualística, você consegue retirar esse ouro encantado e ele será seu. E isso move tanto as pessoas, que tem gente que vive e morre por causa disso”, fala o pesquisador.

Guerra do Paraguai (Foto: Reprodução)

 

Ele esteve recentemente em Parintins, município do Amazonas, onde histórias semelhantes também percorrem entre os povos.

“Só que lá no Estado (AM) o tesouro tem relação com à Cabanagem, que foi um conflito armado muito impactante na região do Pará. Contam que as pessoas da época enterraram seus pequenos tesouros na esperança de se protegerem do conflito armado e depois esqueceram onde estavam enterrados. Dizem que seus espíritos ficam presos à terra por causa do valor material. Lá, eles acreditam que essas pessoas aparecem em formas de bolas de fogo luminosas chamando a atenção daqueles que sejam dignos para retirar o tesouro. Só que aí tem toda uma ritualística e, lá no Pará, tem também os desafios. E, depois de completar os desafios, a pessoa pega o tesouro e precisa ir embora. Por isso que muitos vizinhos lá ‘somem’ do nada”, revela Andriolli.

Revolta popular Cabanagem  (Foto: Reprodução)

 

Folclore de Mato Grosso do Sul

E quais são as lendas que percorrem as terras sul-mato-grossenses? Andriolli explica que, como MS tem fronteira com dois países — Paraguai e Bolívia — e faz divisa com cinco Estados (MT, GO, MG, PR E SP), tem forte influência de várias culturas, especialmente a indígena e caipira.

[Colocar ALT]
Pai do Mato (Foto: Reprodução)

“A gente vai ter mitos que circulam por vários lugares do Brasil, mas que aqui vão ter características próprias. Um deles, que eu já dei o exemplo, são os espíritos protetores de tesouro que a gente encontra com muita frequência nas regiões de fronteira. Nós temos também o Saci, Curupira, Caipora e os específicos, como o Pai do Mato que aí no nosso Estado vai ser especialmente conhecido como Mãozão, um mito paraguaio muito famoso de um protetor da mata que tem como características as mãos poderosas. Se ele encosta na sua cabeça, você enlouquece. E nós temos a presença do Humãozão na região do Pantanal da Nhecolândia”, explica.

E não acaba por aí. “Temos também Caboclos da Água, negros da água, que também são mitos aquáticos de pessoas anfíbias que estão normalmente ligadas à proteção de tesouros. Então, para você cruzar certo rio, você faz uma oferenda ao negro da água, às vezes de fumo ou cachaça, ou às vezes buscando proteção para mantê-lo longe. Isso é um mito que circula em todas as regiões de água do Brasil, do São Francisco ao nosso Paraguai”.

Caboclos da Água (Foto: Reprodução)

 

Há também os mitos dos homens-fera, que revelam a natureza brutal do homem. Nessa esfera, destaca-se o lobisomem, que representa o nosso próprio medo de que alguém próximo a nós se mostre violento, brutal e animalesco.

[Colocar ALT]
Pé de Garrafa (Foto: Reprodução)

“Nas matas, vamos ter a presença grande do Pé-de-Garrafa, que é um mito famosíssimo em Mato Grosso do Sul de uma criatura totalmente deformada que só tem um pé em formato redondo, tal qual o fundo de uma garrafa, e uma boca gigantesca com um único olho. E o seu único ponto fraco é o umbigo”, fala.

O folclore é construído por elementos que se cruzam e dão vida a outros. Um exemplo disso é o Saci, uma das figuras folclóricas mais conhecidas no Brasil. O pesquisador explica que a figura tem influências guaranis, dos negros e portuguesa, fragmentos da nossa própria origem.

“A partir do folclore a gente consegue entender a nossa história, a gente consegue desnudar a nossa história porque tem muita coisa que, por fazer parte da tradição, a gente acha que sempre esteve aí. Mas que isso não é verdade. Então, quando a gente consegue entender as raízes, a gente vai encontrando elementos variados que a compõe.”

Podcast ‘Poranduba’

Como falamos anteriormente, Andriolli tem um podcast específico em que fala sobre o folclore. Chamado Poranduba, o podcast já tem 104 episódios entre monólogos e entrevistas que propõem reflexões sobre temas folclóricos, como lobisomem, artesanato e diversos outros.

“As pessoas pensam que folclore é tudo ficção, que é tudo mentira e isso não é verdade. Folclore tem sentido, e se alguma coisa parece que não tem sentido é porque a gente que não percebeu, a gente que não entendeu. Só precisa ter um olhar mais cauteloso para entender o que aquilo significa”, reflete Andriolli.

O podcast está disponível nas plataformas digitais, como Spotify e YouTube ou qualquer outra plataforma de streaming. Você também pode acessá-lo pelo site do Andriolli, onde contém vários conteúdos sobre folclore: https://colecionadordesacis.com.br/

Andriolli de Brites da Costa faz palestras sobre folclore (Foto: Arquivo Pessoal)

 

Conteúdos relacionados

pé comida piranha bioparque pant