Políticas públicas são responsáveis pelos bons resultados contra fome no Brasil

O Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo – 2014, que tem um estudo de caso chamado de O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Brasil, mostra que o Brasil reduziu de forma muito expressiva a fome. Publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o relatório diz que o […]

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O Relatório de Insegurança Alimentar no Mundo – 2014, que tem um estudo de caso chamado de O Estado da Insegurança Alimentar e Nutricional no Brasil, mostra que o Brasil reduziu de forma muito expressiva a fome. Publicado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o relatório diz que o índice criado pela FAO para medir dimensionar a fome a nível internacional ficou abaixo dos 5%, quando eles consideram que um país superou este problema. O relatório destaca políticas públicas federais de combate à pobreza, como o Fome Zero, a Bolsa Família, Programa de Aquisição de Alimentos em Agricultura Familiar (PAA) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

Segundo estudos anteriores, como o Relatório de Desenvolvimento Humano 2014, entre 2001 e 2012, a renda dos brasileiros mais pobres cresceu mais do que os brasileiros mais ricos, o que diminuiu a desigualdade social. Os 20% mais pobres tiveram aumento de renda três vezes mais do que os 20% mais ricos. Ou seja, a desigualdade social apontada quase que unanimemente como o maior problema do Brasil, diminuiu.

Para a professora Roseli Martins Coelho, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), sem desprezar os programas escolares e de incentivo a agricultura, as iniciativas mais importantes são as transferências direta de renda.

“O que teve mais impacto é a transferência de renda. Programas como Bolsa Família, que se concentra nas chefes de família, geralmente a mulher, foram muito importante. Também a atualização do salário mínimo foi importante. Há no Brasil cerca de 21 milhões de pessoas que recebem aposentadoria e cerca de 14 milhões destas recebem um salário mínimo. Muitas dessas pessoas são responsáveis pela família, e o salário mínimo ter aumentado significa uma melhora na qualidade de vida e, assim, na alimentação. O investimento no salário mínimo é muito importante da pobreza do Brasil.”

Coelho destacou as políticas públicas. “Inequivocamente essas políticas são frutos do governo Lula para cá. Muitos dizem que a diminuição da desigualdade social começou com o governo Fernando Henrique e o fim da inflação desregulada, o que não deixa de ser verdade. Mas o impacto direto na população mais baixa da pirâmide do trabalho, chamada de subproletariado, que fica abaixo da classe D, aconteceu com as políticas do PT”, comenta.

Apesar dessa melhora na desigualdade social (os pobres conseguirem ascender acima da proporção dos ricos), a desigualdade econômica, relacionada diretamente com a social, ainda é o maio problema brasileiro.

“Com certeza, o maior problema do Brasil ainda é a concentração de renda. Exemplificando para explicar melhor: a Alemanha também tem uma grande diferença de renda entre os mais ricos e os mais pobres. A maior parte da população não é rica, porém, as condições de vida da população mais pobre não são tão indignas como as condições de vida das populações mais pobres aqui do Brasil. O maior problema são as condições extremamente precárias dos mais pobres no nosso país. Este é o mais importante e esse é o desafio das próximas décadas.”

Para resolver esse problema, segundo Coelho, é preciso investir em educação, para aumentar a competitividade no mercado de trabalho, mas também valorizar todos os trabalhadores. “Nenhuma sociedade no mundo é composta só com trabalhadores que completaram a universidade. Para melhorar a vida do trabalhador que terminou só o ensino médio – porque até mesmo um pedreiro, um trabalhador braçal, não importa o que faça, deve ter a oportunidade de terminar pelo menos o ensino médio, por exemplo – o que deveria ser feito é aumentar a formalidade do trabalhar. Tirar o máximo possível de gente do mercado informal, onde os trabalhadores não têm direitos, não têm férias, décimo terceiro, sem falar nos casos escabrosos de trabalho análogo a escravidão, etc”, reflete Coelho.

O relatório da FAO-ONU destaca alguns programas pouco conhecidos, que não transferem renda mas tiveram um papel importante na redução da fome. Um deles é o Programa de Aquisição de Alimentos em Agricultura Familiar como o PAA, lançado em 2003, que garante o mercado para a produção agrícola familiar. Neste programa, o governo compra diretamente os alimentos dos agricultores familiares, que são usados para merenda escolar das escolas públicas, e alimentação de instituições de caridade. O Programa Nacional de Alimentação Escolar, que oferece refeições para os alunos, é colocado também em relevância.

O relatório diz que antes desse aspecto da alimentação escolar ser analisado, a subalimentação era superestimada. “Uma colaboração entre a FAO e o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) revelou que os dados nacionais usados para estimativa do parâmetro referente ao acesso aos alimentos não contemplavam o significativo consumo de alimentos fora do domicílio e, em especial, os fornecidos pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE)”, diz o relatório.

“Insegurança Alimentar e o excesso de peso: o mito do paradoxo”

Outra questão levantada no relatório é o sobrepeso. Se por um lado o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU, o número de obesos aumentou de forma também significativa. Um relatório do Ministério da Saúde publicado em 2013 mostra que a parcela de obesos nos últimos seis anos aumentou 54%. Dados da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel 2013) mostra que 17% da população está obesa. Parece realmente um paradoxo, mas segundo o relatório, obesidade e insegurança alimentar estão relacionadas.

A Segurança Alimentar diz respeito ao direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade em quantidade suficiente tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde. Quando a população não tem acesso a alimentos de qualidade, também está dentro dessa insegurança alimentar.

A relação do excesso de peso com populações de baixa renda tem um fator marcante, segundo o relatório: o consumo de alimentos de menor custo, que são justamente os mais calóricos. Eles ainda destacam outras situações onde existe uma relação entre sobrepeso e insegurança alimentar: a ansiedade e estresse relacionados com a restrição alimentar involuntária e a adaptação metabólica em resposta a longos e recorrentes períodos de restrição alimentar.

Ainda sim, o fato que parece ser mais marcante é o acesso à comida com alto teor calórico e pouco teor nutricional. “A questão da obesidade dentro da última fase da sociedade industrial capitalista tem relação com a grande oferta de produtos calóricos com calorias vazias, como dizem os nutricionistas. Assim, quem quer ficar em forma precisa de dinheiro para poder escolher o que come, se manter blindado dessa comida junkie que passou a ser a maior oferta”, diz Coelho.

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