Com Sandy e Fagundes, filme de terror fala do drama da classe média
Há algo de assustador na classe média paulistana. Ao menos para o diretor e roteirista Marco Dutra. Em seus dois longas – Trabalhar Cansa (2011), codirigido por Juliana Rojas, e agora em Quando Eu Era Vivo, que estreia nesta sexta-feira (31), os temores desse estrato social se materializam na forma de criaturas medonhas e pânico […]
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Há algo de assustador na classe média paulistana. Ao menos para o diretor e roteirista Marco Dutra. Em seus dois longas – Trabalhar Cansa (2011), codirigido por Juliana Rojas, e agora em Quando Eu Era Vivo, que estreia nesta sexta-feira (31), os temores desse estrato social se materializam na forma de criaturas medonhas e pânico do sobrenatural.
Basicamente, a classe média é aquela que está esmagada entre a pequena camada de ricos e a gigantesca de pobres. Seu maior anseio é escalar a escada chegando ao topo, seu maior medo é ser puxado pelo pé e cair uns degraus.
Em Trabalhar Cansa, esse pânico se materializava em uma mancha preta na parede de um pequeno comércio aberto pela protagonista, e também no desemprego de seu marido. Em Quando Eu Era Vivo, não é tão óbvio assim. A história do filho pródigo (Marat Descartes, presença constante nos trabalhos do diretor) que volta para a casa do pai (Antonio Fagundes) depois do divórcio, busca em rituais religiosos a tradução para as ansiedades desse estrato social.
Além de divorciado e distante do filho, Júnior também está desempregado – um dos fantasmas da classe média. Ao chegar ao apartamento do pai, depara-se com Bruna (a cantora Sandy, assinando como Sandy Leah), estudante de música que aluga um quarto que era do rapaz, agora instalado na sala. Se existe alguma tensão entre os dois, logo se dissipa com uma pizza e o rapaz a observando, pela janela, tomar banho.
Entre pai e filho, no entanto, o conflito é crescente. Existem questões do passado que ficaram suspensas no tempo e envolvem a mãe (Helena Albergaria), fanática pelo ocultismo, que pratica rituais estranhos envolvendo os filhos pequenos, interpretados por Carlos Albergaria e Marc Libeskind. Mais do que suas lembranças, um tanto confusas, é por meio de fitas antigas de VHS, filmagens caseiras, que Júnior redescobre o passado, encontrando nele a suposta origem de seus males do presente.
Fagundes e Descartes são dois grandes atores cujo embate – dos personagens, das atuações – é o que há de mais interessante no filme. Na medida em que Júnior redescobre o passado, trancado literalmente num quartinho no fundo do apartamento, a tensão entre eles cresce, até culminar numa espécie de anticlímax na cena final.
Como atriz, a cantora Sandy é esforçada, mas enfrenta três obstáculos: ser coadjuvante de dois atores muito mais experientes do que ela, uma personagem que não diz a que veio, e sua persona como cantora. Assim, ela precisa ser Sandy o tempo todo, com maquiagem e cabelo irretocáveis, e, claro, precisa cantar para não decepcionar os fãs.
Por outro lado, coadjuvantes como Gilda Nomacce (excelente como uma manicure que também lida com ocultismo) e Tuna Dwek (namorada do personagem de Fagundes) trazem um respiro de que o filme tanto precisa.
Quando Eu Era vivo é baseado em um romance de Lourenço Mutarelli, A arte de produzir efeito sem causa, e segue mais ou menos a mesma estrutura de Trabalhar Cansa. Começa como um drama (lá social, aqui familiar), flerta com o gênero do terror, e, mais tarde se entrega de vez.
Agora, o que esse terror representa neste longa? O que esses rituais (satânicos?) do passado representam? Seria um medo da classe média de voltar às suas origens? Ou dos que venderam sua alma em troca de uma ascensão (estabilidade?) social? As hipóteses são muitas, mas as resoluções um tanto escassas, dada a quantidade de símbolos que se encerram em si mesmos, dispersos ao longo das quase duas horas de filme.
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