Primeiro transexual do Brasil diz em MS que ficar no armário é ser conivente com a homofobia
Quando criança, ainda com 3 ou 4 anos, sempre que alguém a tratava por “ela”, a menina corrigia o sujeito por “ele”, mentalmente, é claro. Foi assim durante um bom tempo, até que uma mudança efetiva acontecesse. Aos 27 anos, Joana virou João. Retirou as mamas, os órgãos reprodutores femininos e se desfez daquela identidade […]
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Quando criança, ainda com 3 ou 4 anos, sempre que alguém a tratava por “ela”, a menina corrigia o sujeito por “ele”, mentalmente, é claro. Foi assim durante um bom tempo, até que uma mudança efetiva acontecesse. Aos 27 anos, Joana virou João. Retirou as mamas, os órgãos reprodutores femininos e se desfez daquela identidade que tanto a incomodava.
Hoje, aos 63 anos, com toda essa experiência e bagagem de vida, João W. Nery, considerado o primeiro transexual masculino operado no Brasil, tem ainda mais certeza de que a identidade de gênero “é uma coisa que se adquire desde pirralho”. Para ele, sair do armário é se tornar visível. Na visão deste escritor, estudioso do assunto e psicólogo por formação, quem se “tranca” está sendo, de certa maneira, conivente com a homofobia.
Em Campo Grande, onde esteve para ministrar uma palestra e divulgar seu livro “Viagem Solitária – memórias de um transexual 30 anos depois”, durante o primeiro Congresso da Diversidade Sexual, realizado na OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul), João se dispôs a mais um “dedo de prosa”.
Sua primeira aparição pública foi em 2011, no programa “De Frente com Gabi”. Apesar da trajetória, que serve de exemplo para muita gente, ele evitou os holofotes porque, perante a lei, quando decidiu tirar uma segunda identidade, “na raça”, como homem, tornou-se um criminoso. Como o “crime” prescreveu, João decidiu contar ao mundo sua história.
Altos e baixos – A “ousadia”, hoje ele entende, custou caro, uma vida inteira de dedicação. “Com essa nova identidade masculina, eu perdi todo o meu currículo escolar. Virei um analfabeto. Deixei de ser psicólogo, de ser professor e fui, durante 30 anos, exercer profissões que não me exigiam currículo. Virei pedreiro, vendedor, pintor de parede, construtor, cortador de confecção, chofer de táxi”, contou.
Ele multiplicou-se profissionalmente, como costuma dizer. Perdeu, e muito, mas a experiência foi válida. Não fosse o “atrevimento” de uma jovem corajosa, Joana seria, quem sabe, apenas Joana, uma mulher frustrada, inconformada com a própria condição.
“Na década de 50 não existia a palavra transexual, então, eu não era nada. Era um E.T. porque não havia rotulação. Eu não me considerava lésbica. Também não era hétero. Era um monstro”, afirmou, sem economizar nas palavras mais fortes.
A primeira paixão, relembrou, foi na infância, e uma menina era a sua paquera. Tentando se adequar, desde cedo, aos padrões sociais, João, à época Joana, uma menina de 6 anos, entendeu que era proibida de expressar toda sua afetividade. “Sofria transfobia na pracinha onde brincava. Me chamavam de Maria Homem. Fui crescendo aos trancos e barrancos”, relatou.
A mudança – De início, achou que o mundo estava certo e ele doido. Depois, convenceu-se de que o mundo era maluco e ele era o certo. Foi a melhor coisa que vez. A decisão de assumir seu “lado homem” aconteceu em plena Ditadura Militar, no passado negro do Brasil. Na época, além de esse tipo de cirurgia ser considerado crime, mutilação do ser humano, não se discutia transexualidade.
João Nery foi submetido à mastectomia (retirada dos seios) e à histerectomia (retirada do útero). Não fez a neofaloplastia, procedimento para “construção” de pênis, porque o procedimento era, e ainda é, experimental. Mas o escritor já disse, aos quatro ventos, que não precisa ter o órgão para sentir-se masculino.
Batalha – Para ele, a sexualidade vai muito além da identidade de gênero, o que considera uma invenção social. “Não temos só o homem e a mulher. Isso aí é um binarismo hipócrita, reducionista, porque, na verdade, a sexualidade humana é muito mais ampla do que essa noção, que varia em função da cultura, da história e do tempo. O que é ser feminino e masculino? Eu, hoje, me identifico como ‘transhomem’ e tenho orgulho de ser, exatamente para desmistificar isso. Tem pessoa que não quer ser homem ou mulher…”, argumentou.
Falta, na avaliação de João, “detonar o gênero”, criar um novo pensamento e quebrar paradigmas para que uma mudança social efetiva aconteça. “Homofobia, transfobia e as fobias no âmbito social começam em casa. A escola é um segundo passo. Ela reproduz e produz”, disse, citando como exemplo a evasão escolar de travestis. “Pra mim, é expulsão”, sentenciou.
O psicólogo defende, ainda, a realização de um trabalho com as famílias. “Tem gente que só pensa nos filhos e esquece os pais e as mães que não estão preparados para ouvir do filho que ele é gay, que a filha é lésbica ou trans. Eles também precisam de ajuda”, disse.
Muita coisa mudou em 30 anos. Nery afirma que o movimento LGBT ganhou mais visibilidade e respaldo, mas em compensação, “tem uma violência absurda que não existia antes”. Para o escritor, é preciso se mostrar. Cada um tem um tempo, ele ressalva, mas “se você está no armário, não está visível”. “Ficar no armário é, de certa maneira, ser conivente com a homofobia”, acrescentou.
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