Detran documenta carro com chassi trocado

A reportagem localizou o ‘dublê’ emplacado no Detran-MS: O erro grosseiro assustou o contribuinte, que rodou com um carro documentado no órgão oficial com as placas de veículo vendido como sucata.

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A reportagem localizou o ‘dublê’ emplacado no Detran-MS: O erro grosseiro assustou o contribuinte, que rodou com um carro documentado no órgão oficial com as placas de veículo vendido como sucata.

O serviço de vistoria do Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul documentou um automóvel trocado após uma sucessão de erros na venda do veículo em um leilão público. O carro, emplacado pelo Detran-MS, foi considerado um “double de placas” pelo próprio Instituto de Criminalística da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública).

Os dublês, na verdade, são veículos ilegais que usam placas de outro automóvel com as mesmas características do carro ‘esquentado’. A prática é bastante utilizada pelos criminosos porque é difícil identificar o golpe.

“Na rua, um dublê só cai se alguém ver o carro original junto com o carro frio, ou se passar por uma blitz muito ferrada, que verifique até o número do chassi. Mas isso é muito difícil. Quando param o carro frio, se estiver tudo certo, e o documento do original estiver em dia, a chance de escapar é muito grande”, conta um policial.

De acordo com o laudo 79.462, assinado por duas peritas criminais em março de 2009, o automóvel GM Omega, de cor preta e placas KOI-0644, possui o chassi original registrado no Detran-MS para um veículo semelhante, mas com as placas ADT-5817.

No inquérito policial 109/2009, conduzido pela Defurv (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Furtos e Roubos de Veículos), a troca foi confirmada.

Placa trocada no próprio Detran-MS

Mas, apesar de ter a numeração do chassi diferente da que constava nos registros anteriores do veículo, o carro chegou a circular com as placas do outro carro, recebidas no próprio Detran-MS.

O automóvel foi comprado em um leilão realizado pela Senad (Secretaria Nacional Antidrogas) através do departamento de Gestão de Políticas Públicas sobre Drogas e Convênios, da Sejusp, em outubro de 2006.

“Não dá para acreditar que um Detran cometa esse tipo de erro. Um carro passar pela vistoria, ser emplacado com o chassi de outro, e ninguém perceber, parece impossível”, espanta-se o contribuinte que comprou o carro no leilão, Vagner Gonçalves da Silva, de 39 anos.

Ele só descobriu que estava rodando com um ‘dublê’ em março de 2009, quando foi a um ferro-velho procurar peças para o automóvel e viu uma sucata com a mesma placa do carro que havia comprado do poder público.

“Eu fiquei assustado. Já tinha investido muito para arrumar o carro desde que tinha arrematado, e por isso corri para a Delegacia ver o que estava acontecendo”, conta Vagner.

De acordo com o delegado Geraldo Marim Barbosa, da Defurv, o contribuinte apresentou toda documentação da compra no leilão da Senad e o próprio carro.

Segundo o que relatou no inquérito, Marim instaurou o procedimento para investigar a existência do crime de ‘Adulteração de Sinal Identificador de Veículo Automotor’ e apreendeu o veículo.

Após ouvir Vagner, o delegado encaminhou o automóvel ao Instituto de Criminalística para exame pericial de identificação e determinou que fossem solicitadas ao Detran-MS informações sobre a cadeia dominial do Omega de placas KOI-0644, ou seja, detalhes sobre as transferências do veículo.

Foi feita a perícia e o carro foi deixado com o dono através de um ‘Auto de Depósito’. Vagner poderia rodar temporariamente como fiel depositário do próprio automóvel.

Artigo 311 no B.O.

O primeiro pedido de detalhes sobre as transferências do Omega dublê, segundo o inquérito, foi feito diretamente ao diretor-presidente do Detran-MS, Carlos Henrique dos Santos Pereira, em 5 de junho de 2009, quando também foi registrado o Boletim de Ocorrência 481/2009.

O crime de “Adulteração de Sinal Identificador de Veículo Automotor – Artigo 311 – CP” consta como fato comunicado, e Vagner não consta como comunicante, mas sim como testemunha.

Santos Pereira encaminhou as informações do Detran-MS sobre a cadeia dominial do carro para a Defurv mais de três meses depois, em 28 de setembro de 2009.

De acordo com a investigação, o carro entregue para Vagner após o arremate, na verdade, não era o que ele havia comprado. Era outro Omega, com as mesmas características, mas que foi vendido como sucata para um ferro-velho de Campo Grande em outro leilão.

Vistoriadores não perceberam

Com os documentos do leilão, Vagner apresentou o carro trocado no Detran-MS para a vistoria e a troca, mesmo com a retirada de decalque do chassi e do número do motor, que não batem, passou despercebida pelos vistoriadores do órgão estadual responsável pelo controle do registro de automóveis em Mato Grosso do Sul.

Emplacaram o carro vendido, que tinha placas ADT-5817, com as mesmas placas da sucata vendida posteriormente. De acordo com Vagner, após comprovar o erro, ele recebeu diretamente da Senad o reembolso do que pagou pelo lote no leilão e os gastos que teve.

No entanto, na última semana foi surpreendido ao saber que ainda constam em seu nome os débitos do veículo junto ao Detran-MS e do IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículo Automotor).

Além do carro que tinha as placas originais utilizadas no emplacado equivocadamente, a reportagem localizou também o Omega ‘dublê’. O carro continua com as placas erradas, no pátio de uma repartição pública em Campo Grande.

‘Não deu andamento’

Na Defurv, questionado sobre qual o desfecho do inquérito, e ainda se houve a responsabilização ou indiciamento de alguém pelo erro na vistoria e emplacamento, qualificado como ‘grosseiro’ pelo contribuinte, o delegado que relatou os autos se limitou a informar que ‘encaminhou tudo’ para a Corregedoria de Trânsito do Detran-MS.

No órgão estadual, após a exigência de que qualquer questionamento seja feito pelo jornal por escrito, através de endereço eletrônico, e prazo de três dias para ‘verificar os detalhes do inquérito antes’, foi confirmada a informação de que os autos foram recebidos em maio de 2010.

De acordo com nota oficial do Detran, o corregedor na época “não deu andamento ao procedimento”. O órgão ainda informa que abriu um processo administrativo para regularização e “possível troca de placas”. A Corregedoria “já está ouvindo os envolvidos”, conclui o Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul.

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