Histórias de ruas importantes entrelaçam à dos imigrantes

Dos bolichos nas ruas mais importantes à Casa Primavera, árabes formaram muito da história

Começa então a história de não somente pessoas, mas de ruas da Capital, cujo capítulo da imigração árabe é bastante forte. E a primeira rua que se destacou por seus “turcos”, como ficaram chamados pelos campo-grandenses, foi a Avenida Calógeras.

Segundo o historiador Paulo Coelho Machado,  em seu livro “Pelas Ruas de Campo Grande”, que está sendo reeditado pelo Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul (IHGMS), a Calógeras teve o nome de Rua Santo Antônio, mas com a construção de quartéis em 1921, acabou recebendo um novo nome. Ali, muitos desses “turcos” se encontram até hoje.

Registro da Rua Velha, como era chamada a Rua 26 de Agosto na época da imigração vinda do Oriente Médio / Foto: IHMS/Reprodução

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A Casa Primavera

Era depois da Rua 15 de Novembro que se erguia a Casa Primavera. Na época com uma residência nos fundos, era talvez o comércio de maior prestígio nos idos dos anos de 1920. O dono: Abdalla Jorge Warde. “Abdalla era um homenzarrão musculoso, alto, claro, discreto e amável, a voz rouca e murmurante. Rosto grande, comprido, olhos miúdos, escondidos por óculos de aros finos. Nasceu na cidade de Kálaf, na Turquia, mudando-se a família para Homs, na Síria, perto do rio Orontes ou Nahr-el-Asi”, descreve o historiador na obra.

Casarão onde se localizaram vários bolichos / Foto: IHGMS/Arquivo

 

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A professora e historiadora Maria Madalena Dib Mereb Greco é quem está em plena produção dessa nova edição de “Pelas Ruas de Campo Grande”, e relembra com carinho as pesquisas de Paulo, que tinha uma relação de muito respeito com os imigrantes sírios. “Temos muitas lembranças desse povo por aqui. Em 1894 a Rua 26 de Agosto era chamada de Rua Velha, e lá se concentravam muitos árabes, turcos. Abdalla Jorge veio muito novo para cá. Além dele outras famílias se firmaram como a família de Abraão Julio Rahe, a família Abussafi, a família Scaff”, relembra a historiadora.

A Casa Primavera vendia os famosos “secos e molhados”, tecidos, calçados, comida, aviamentos, de tudo um pouco. Abdalla chegou em Santos em maio de 1914, e dois meses depois estouraria a Primeira Guerra Mundial. Foi de São Paulo até o Paraná, mas por aqui firmou raízes. Em 1917 chegou em Campo Grande. “Reunidas as economias e com o crédito obtido entre os patrícios árabes, começou a mascatear pela Vacaria. Em Campo Grande hospedava-se na Pensão de Jacob Marques, na Rua 7 de Setembro”, revela “Pelas Ruas de Campo Grande”.

Professora Madalena diz que muitos “patrícios” vieram ao Brasil atraídos pela bonança desse povo e pelas oportunidades que Campo Grande ofereceu.

Raízes hoje

Os registros históricos dos árabes, turcos e sírios, além dos palestinos, por aqui, já remontam desde 1894, segundo dados do IHGMS. Hoje, basta dar uma volta no Calçadão da Barão do Rio Branco para encontrar descendentes por ali, trabalhando no comércio. Porém, segundo Madalena, as gerações foram se especializando em medicina e direito, e muitos comerciantes árabes enriqueceram. Campo Grande abraçou e deu oportunidade a esses imigrantes.

Famílias inteiras de árabes, turcos e até palestinos, além dos libaneses, chegaram aqui vindos de Corumbá / Foto: IHMS/Arquivo

 

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Um desses imigrantes é Eid Toufic Anbar, hoje presidente da Associação Cultural Monte Líbano, que está aqui há 16 anos. “Eu vim para cá em 1975, me formei aqui. Formamos a Associação Cultural Monte Líbano para manter a tradição da cultura libanesa, e sabemos pela história que em 1906 chegaram os primeiros libaneses”, afirma ele. “Há registro em cartório disso”.

Segundo Madalena, os primeiros árabes da Capital aportaram por aqui através de Corumbá, atraídos pelas oportunidades. “A primeira telefonia fixa de Campo Grande foi um libanês que trouxe, a família Nader. A primeira maternidade, a Cândido Mariano, também foi um libanês”, enaltece Eid.

Paulo relembra um pouco desse povo em “Pelas Ruas de Campo Grande”. “A maioria dos libaneses de Campo Grande é natural de Zahlé, bonita cidade a noroeste de Beirute, com perto de 400 mil habitantes, produtores de cereais, frutas, hortaliças e pouca indústria, hoje praticamente arrasada pela inglória guerra que há tanto tempo perdura naquele simpático país, outrora chamado de Suíça do Oriente. Muitos dos libaneses que retornaram do Brasil passaram a viver em Zahlé e lá estão a sofrer as calamidades da terra”.

Colaborou com esta reportagem o Instituto Histórico Geográfico de Mato Grosso do Sul.
Créditos da foto de capa ao Grupo Litani/Guilherme Molento