Em vez de mesas e cadeiras, lixo e entulho. As salas não têm portas nem janelas. Onde deveria existir um parquinho, o mato tomou conta. O que era para ser uma creche não passa de uma obra inacabada, que serve de abrigo a moradores em situação de rua ou usuários de drogas. Esse é o retrato da Emei (Escola Municipal de Educação Infantil) do bairro Jardim Radialista, em Campo Grande, uma das oito creches inacabadas na Capital que poderiam atender a família da Maria, do Miguel, da Ysis e de outras 8,7 mil crianças entre 0 e 3 anos que aguardam vagas em creches públicas. A situação em Mato Grosso do Sul também preocupa: estimativas apontam que a fila chega a 30 mil crianças nos 79 municípios.

Em uma iniciativa inédita no Estado, entidades lideradas pelo TCE-MS (Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul) com atuação em âmbito estadual e nacional se uniram em torno de um plano integrado para a garantia de direitos da primeira infância. A ideia é sensibilizar gestores públicos em todo o Estado a adotarem políticas públicas efetivas, com foco nas crianças de 0 a 6 anos e que possam ir além da educação, abrangendo uma série de direitos.

Nesta reportagem especial do Jornal Midiamax, vamos falar sobre a primeira infância em Mato Grosso do Sul, com destaque para a educação infantil. Entrevistamos autoridades, gestores públicos, especialistas e pais para conhecer o problema a fundo e discutir quais as oportunidades de melhoria das políticas públicas já existentes.

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Dos 0 aos 6 anos: entendendo a primeira infância

A primeira infância é o período que vai desde a concepção do bebê até os 6 anos de idade. Segundo o Ministério da Saúde, pesquisas revelam que essa fase é extremamente sensível para o desenvolvimento do ser humano, pois é quando começam a se formar as estruturas emocional e afetiva, e no cérebro se desenvolvem áreas fundamentais relacionadas à personalidade, ao caráter e à capacidade de aprendizado.

As experiências vividas na primeira infância influenciam diretamente na formação do adulto que a criança irá se tornar no futuro. Por isso, é tão importante proteger as crianças nesse estágio da vida e garantir a elas uma série de direitos.

No aspecto legal, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o Marco Legal da Primeira Infância oferecem as diretrizes para a formulação de políticas públicas voltadas a esse público-alvo no país. Entre as áreas prioritárias, de acordo com o Marco Legal, estão a alimentação e nutrição, a educação, a saúde, a assistência social, a cultura, o lazer e o brincar.

Quer saber como está a primeira infância no seu estado? O site “Primeira Infância Primeiro” é uma ferramenta da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para gestores públicos, que fornece informações, cursos e recomendações para que as crianças de 0 a 6 anos sejam priorizadas nas políticas públicas. Ao todo, 34 indicadores formam um raio-x da primeira infância nos 27 estados e em cada um dos 5.570 municípios brasileiros.

Crianças fora da creche: um problema estrutural

No Brasil, cerca de 7,36 milhões de crianças de 0 a 3 anos não frequentam escola ou creche no Brasil, segundo seus responsáveis. O número representa 63% das 11,74 milhões de crianças nessa faixa etária no país em 2022. Os dados são da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua do IBGE.

Entre as crianças que não frequentam creche, as principais dificuldades apontadas pelos pais ou responsáveis são: a unidade escolar não aceita a criança por conta da idade (18%); falta de vaga (9%); não há creche ou fica longe da residência (8%). Uma parcela significativa (57%) deixou de ir para escola por escolha dos pais ou responsáveis – que as consideram muito novas ou preferem cuidar delas em casa.

A dificuldade de acesso a creches afeta de maneira distinta a população de acordo com a renda. Para famílias que recebem até 1/4 do salário mínimo, a falta de vagas é apontada por 8% como motivo para as crianças não frequentarem creche; a ausência ou distância da creche representa motivo para 12% das famílias. Já entre o grupo de famílias que recebem mais de 3 até 5 salários mínimos, os percentuais são de 1% e 2%, respectivamente.

Confira o infográfico a seguir:

Em Mato Grosso do Sul, estima-se que haja 30 mil crianças aguardando vagas em creches públicas, segundo o TCE-MS. Já na capital, Campo Grande, a fila de espera nas Emeis chegou a 8.736 crianças no início deste ano, conforme dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Educação. A maioria dos pedidos é por vagas entre 0 e 3 anos. Atualmente, existem 106 Emeis na cidade, que atendem crianças a partir de 4 meses de idade (grupo 1) até 5 anos (grupo 5).

Maria, Miguel, Ysis… o que fazem as famílias

Em MS, estima-se que 30 mil crianças de 0 a 3 anos aguardam vaga em creches públicas (Foto: Henrique Arakaki/Jornal Midiamax)

Quando uma família não encontra vaga na rede pública e não tem condições financeiras de pagar creche particular, restam poucas alternativas: deixar a criança aos cuidados de babás ou familiares, largar o emprego ou levar o caso à justiça. Entre janeiro e setembro deste ano, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul realizou mais de 2,5 mil atendimentos, somente na capital. Destes, cerca de 2 mil viraram ações no Poder Judiciário. A principal solicitação é uma vaga na educação infantil para crianças no grupo de 0 a 3 anos de idade.

Essa é a situação vivida pela auxiliar de limpeza Eduarda Bernardes, de 21 anos. Desde junho ela tenta uma vaga para a filha Ysis, de 10 meses de idade, em alguma creche pública de Campo Grande. Como mora sozinha no bairro Parque do Sol, na periferia da capital, ela precisa deixar a filha aos cuidados de babás. Em outubro, já cansada de esperar, Eduarda procurou o mutirão da Defensoria Pública para levar o caso à justiça e, assim, conseguir matricular a filha em uma Emei.

“Vou na escola, faço pedido, mas sempre falam que a creche está lotada e não tem vaga. Acho isso um descaso total. Vejo a prefeitura investindo valores absurdos com shows e eventos, enquanto que para escola ou saúde nunca tem dinheiro suficiente. Para mim, o governo não toma a providência certa”, afirma Eduarda.

Vou na escola, faço pedido, mas sempre falam que a creche está lotada e não tem vaga. Acho isso um descaso total.

Eduarda Bernardes, mãe com filha na fila por vaga em creche
Mutirão de judicialização de vagas escolares em Campo Grande (Foto: Divulgação/Defensoria Pública MS)

Em 2023, a Defensoria Pública já promoveu sete mutirões de judicialização de vagas escolares em Campo Grande, com centenas de atendimentos realizados a cada plantão. Segundo o Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Nudeca) da Defensoria Pública, o órgão tenta a solução administrativa junto ao município. Caso não seja possível, a Defensoria ajuíza ação para garantir o das crianças.

A demanda é atendida durante todo o ano. Basta que os pais ou responsáveis acessem o site da Defensoria ou ir até o Nudeca para solicitar atendimento.

Única solução é construir novas escolas, diz vereadora

A Câmara Municipal de Campo Grande promoveu, em agosto deste ano, um seminário para discutir a falta de vagas na educação infantil da capital. O evento contou a presença de representantes do Ministério da Educação, gestores públicos, parlamentares, especialistas e membros da sociedade civil organizada.

Vereadora Luiza Ribeiro (Foto: Divulgação/Câmara Municipal de Campo Grande)

Segundo a vereadora Luiza Ribeiro (PT), proponente do seminário, a judicialização dos pedidos por vaga nas creches tem provocado inchaço nas salas de aula, o que acarreta prejuízo na qualidade do ensino.

“O que o juiz faz? Defere o pedido liminarmente para garantir direito líquido e certo da criança, que está determinado em lei. A gente tem 106 escolas, e recebemos mais de 1,2 mil mandados de segurança só até setembro deste ano. Ou seja, a gente está inchando as salas de aula, não está contratando novos professores e isso acaba prejudicando a qualidade da educação infantil de Campo Grande”, afirma a vereadora.

Na opinião da parlamentar, só é possível zerar o déficit em Campo Grande por meio da construção de novas creches. Luiza Ribeiro estima que seriam necessárias 40 novas Emeis, além da conclusão de outras 12 unidades com obras paralisadas ou já retomadas.

“O problema depende de solução há muito tempo, mas se agravou nos últimos anos em razão do baixíssimo investimento em novas unidades de educação infantil. A única maneira de resolver esse problema é construindo novas escolas”, conclui.

A única maneira de resolver esse problema é construindo novas escolas

Vereadora Luiza Ribeiro (PT), sobre a falta de vagas nas creches públicas de Campo Grande

A Emei do bairro Jardim Radialista, citada na abertura desta reportagem, foi planejada ainda em 2014 para atender uma das regiões mais populosas da capital. No entanto, até hoje a unidade escolar não saiu do papel. A conclusão da obra foi relegada por sucessivas gestões municipais.

Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que aguarda a repactuação de contratos com o governo federal para retomar as obras da Emei do Jardim Radialista e de outras quatro unidades escolares. Após a repactuação, a prefeitura de Campo Grande espera entregar quatro unidades em 12 meses.

O órgão informou ainda que, até o início do ano passado, havia oito Emeis com obras paradas. Atualmente, três já foram retomadas e estão em andamento: Emei Jardim Inápolis, Emei São Conrado e Emei Oliveira III.

Obra inacabada da Emei Jardim Radialista, em Campo Grande (Foto: Aliny Mary Dias/Jornal Midiamax)

Plano municipal: criando metas para garantir direitos

O Marco Legal da Primeira Infância recomenda aos municípios brasileiros que criem planos voltados à primeira infância. Um plano municipal é um instrumento político e técnico que tem por objetivo estabelecer metas e desenvolver ações para que o Estado cumpra o dever de garantir a prioridade absoluta dos direitos das crianças.

Uma de suas principais características é a intersetorialidade, ou seja, a articulação de diferentes setores – da própria administração pública e também de entidades do terceiro setor – para alcançar o cumprimento do dever estatal.

Embora a lei esteja em vigor desde 2016, são poucos os municípios que aderiram à iniciativa. Em Mato Grosso do Sul, segundo o TCE-MS, apenas dois entre 79 municípios possuem essa legislação – Três Lagoas e . Uma das razões para esse descompasso é o fato de que o Marco Legal não obriga, mas apenas autoriza os municípios a criarem seus próprios planos.

Ordália Alves de Almeida, conselheira do CEE-MS (Foto: Divulgação/Câmara Municipal de Campo Grande)

Na avaliação da conselheira do CEE-MS (Conselho Estadual de Educação), Ordália Alves de Almeida, os municípios que desejam construir planos voltados à primeira infância precisam, primeiramente, criar comitês intersetoriais, de modo a dar condições de diálogo entre os diversos setores que atuam junto à primeira infância. Dessa forma, será possível construir marcos referenciais que vão subsidiar a elaboração dos planos municipais da primeira infância.

Ordália, que possui mestrado e doutorado em Educação, além de pós-doutorado em Sociologia da Infância, chama a atenção para a necessidade de mudança de paradigma entre os gestores públicos, com relação à garantia de direitos da primeira infância.

“Nós temos que fazer com que os gestores municipais tenham o entendimento de que educar e cuidar da primeira infância significa investimento, e não gasto. Lamentavelmente, nós ainda vivemos nesse contexto de entendimento de que os recursos destinados à primeira infância são gastos feitos pelos municípios, e não o contrário, investimentos que acabarão por resultar na minimização de despesas futuras que esses municípios terão”, afirmou a conselheira do CEE-MS.

Educar e cuidar da primeira infância significa investimento, e não gasto

Ordália Alves de Almeida, conselheira do Conselho Estadual de Educação

Quais os passos necessários para construir o Plano Municipal pela Primeira Infância? Este Guia para Elaboração do Plano Municipal pela Primeira Infância, elaborado pela RNPI (Rede Nacional Primeira Infância) e pelo CECIP – Centro de Criação de Imagem Popular, se dirige a prefeitas e prefeitos, que têm a missão de liderar, inspirar e orientar suas equipes na tarefa de elaborar e iniciar a implementação do plano municipal.

Confira na íntegra a entrevista com a educadora Ordália Alves de Almeida, que fala sobre as políticas públicas voltadas à primeira infância em Mato Grosso do Sul e como os gestores públicos podem agir na direção da garantia dos direitos às crianças de 0 a 6 anos.

Em Campo Grande, o caminho da elaboração do plano municipal da primeira infância já começou a ser trilhado. A primeira audiência pública para tratar do assunto foi realizada em setembro deste ano, por iniciativa da Câmara Municipal. Questionado sobre o descompasso entre a recomendação do Marco Legal da Primeira Infância e a realidade na capital sul-mato-grossense, o vereador Professor Juari (PSDB) aponta para a responsabilidade do poder executivo municipal.

“Não é prioridade do Executivo. É a minha maneira de ver. Não estou dizendo que o município está omisso, não. É que existem tantas coisas que eles estão priorizando que [o plano da primeira infância] não é prioridade, infelizmente. É uma pauta extremamente importante”.

Não é prioridade do Executivo. É a minha maneira de ver

Vereador Professor Juari, questionado sobre o fato de Campo Grande ainda não contar com um plano municipal da primeira infância
Vereador Professor Juari (Foto: Divulgação/Câmara Municipal de Campo Grande)

O vereador, que preside a Comissão de Educação da Câmara e foi proponente da audiência pública, cobra que a prefeitura municipal tenha um engajamento maior com a elaboração do plano.

“Fizemos essa provocação com a audiência pública para que o gestor municipal pudesse assumir o compromisso com o plano. Inclusive colocamos nos encaminhamentos da audiência que, por iniciativa do executivo, seja criado um comitê permanente intersetorial da primeira infância. A iniciativa tem que ser do município. O Marco Legal da Primeira Infância deixa isso bem claro”, concluiu o parlamentar.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que as tratativas sobre o plano municipal da primeira infância estão em andamento, junto com todas as esferas envolvidas, como Saúde, Assistência Social, Segurança Pública, entre outras.

Inédito, programa do TCE-MS busca garantir direitos das crianças

A falta de vagas em creches é apenas uma dentre várias dificuldades que a sociedade tem enfrentado para garantir infância digna às crianças. Existem problemas crônicos, como ineficiência na prestação de serviços de saúde, falta de acesso à cultura e ao lazer, entre outros. E dada a complexidade do assunto, é preciso haver coordenação entre os vários setores.

Para contribuir com a efetiva melhoria das políticas públicas voltadas à primeira infância em Mato Grosso do Sul, o TCE-MS encarou o desafio e lançou um programa ousado, que pretende transformar a maneira como os gestores públicos lidam com o tema.

Em agosto deste ano, a Corte de Contas apresentou o Programa Integrado pela Garantia dos Direitos da Primeira Infância. O evento de lançamento reuniu cerca de mil pessoas no Centro de Convenções Rubens Gil de Camillo, em Campo Grande, e atraiu a presença de gestores públicos dos 79 municípios do Estado, além de representantes de entidades que atuam em favor dos direitos das crianças de 0 a 6 anos.

Célio Lima de Oliveira, coordenador geral do programa do TCE-MS para a primeira infância (Foto: Divulgação/Atricon)

Célio Lima de Oliveira, conselheiro substituto do TCE-MS e coordenador geral do programa, relembra que a iniciativa surgiu a partir da adesão dos tribunais de contas de todo o país ao Pacto Nacional pela Primeira Infância, coordenado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A adesão teve o apoio de entidades como a Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) e o IRB (Instituto Rui Barbosa). Em Mato Grosso do Sul, o programa foi institucionalizado na gestão do conselheiro Jerson Domingos, presidente do TCE-MS.

Em 2019, foi firmado o Pacto Nacional pela Primeira Infância entre o CNJ e diversos atores que integram a rede de à infância no Brasil, como entidades públicas e privadas, organismos internacionais e representantes do terceiro setor. O objetivo é priorizar a proteção da primeira infância, como previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Marco Legal da Primeira Infância.

Na visão do coordenador do programa, a primeira infância é o momento certo de aplicar políticas públicas, para que no futuro não seja necessário lidar com os reflexos negativos que a falta dessas políticas acarretaria. Célio reforça que a conscientização é a chave para o sucesso da iniciativa.

“Sabemos que não se implementa um programa desse através de leis ou normativos. É preciso que haja o convencimento dos gestores públicos. Quando vamos conversar com as pessoas, sejam gestores ou auditores, dizemos: ‘você é pai, você é tio, você é avô. Há uma criança na sua vida que tem todo um acolhimento que muitas não têm’. Então é injusto que uma vá competir com a outra lá na frente”.

Há uma criança na sua vida que tem todo um acolhimento que muitas não têm’. Então é injusto que uma vá competir com a outra lá na frente

Célio Lima de Oliveira
Coordenador do Programa Integrado pela Garantia dos Direitos da Primeira Infância, do TCE-MS

Confira o infográfico a seguir:

O programa está estruturado em cinco dimensões: fiscalização, capacitação, comunicação, mobilização e boas práticas. Atualmente, segundo a coordenação, cerca de 100 voluntários estão diretamente envolvidos no planejamento de uma série de ações que serão colocadas em prática nos municípios a partir de 2024. O objetivo é ajudar os gestores públicos a implementar políticas públicas voltadas à primeira infância em seus territórios.

A iniciativa do tribunal já recebeu o apoio dos seguintes parceiros institucionais: Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública e Assomasul (Associação dos Municípios do Estado).

Cearense de Sobral, Célio conta com a equipe do programa integrado do TCE-MS para transformar a realidade da primeira infância nos 79 municípios sul-mato-grossenses.

“Para nós, o cenário ideal é que os municípios tenham seus comitês e seus planos implementados. Que exista uma política estadual voltada para a primeira infância, envolvendo todos os municípios, e que essas políticas públicas estejam inseridas no planejamento estratégico desses municípios. Assim, o tribunal poderá voltar à sua origem para acompanhar, dentro da execução orçamentária e das prestações de contas, o resultado de todo esse trabalho que a gente está fazendo”, conclui o coordenador.

Confira a entrevista com Célio Lima de Oliveira, coordenador do Programa Integrado pela Garantia dos Direitos da Primeira Infância, que conta em detalhes sobre o surgimento da iniciativa, os desafios de sua implementação e o papel do TCE-MS no cenário estadual da primeira infância.

Também como forma de contribuir com a causa da primeira infância em Mato Grosso do Sul, o TCE-MS anunciou que irá abrir mão de R$ 1 milhão por mês do duodécimo, durante um ano, para que o Governo do Estado use esse recurso na construção de creches. O anúncio foi feito pelo conselheiro Jerson Domingos, presidente da corte de contas, durante o 1º Congresso dos Municípios de Mato Grosso do Sul, em outubro. Na ocasião, o órgão também começou a firmar acordos de cooperação com os 79 municípios para adesão ao Programa Integrado pela Garantia dos Direitos da Primeira Infância.

“O conceito do Tribunal de Contas hoje é bastante diferente, é compreensível, é parceiro da gestão pública. Eu quero emprestar a nossa experiência para que os recursos públicos sejam bem aplicados. Que a gente possa levar esse projeto para o Brasil todo para que o nosso país tenha uma igualdade social e oportunidade para todos”, disse o presidente do TCE-MS, Jerson Domingos.

Lançamento do Programa Integrado pela Garantia dos Direitos da Primeira Infância (Foto: Divulgação/TCE-MS)

Casa do conhecimento, instituto inspira programa em MS

O trabalho realizado pelo TCE-MS em favor da primeira infância se dá de forma integrada com entidades de atuação nacional. Uma delas é o IRB, associação criada há 50 anos pelos Tribunais de Contas do país para auxiliá-los no desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas atividades.

Em relatório publicado em 2022 pelo CNJ, que apresentou os principais resultados após quatro anos de vigência do Pacto Nacional da Primeira Infância, a atuação do IRB foi apontada como relevante para o fortalecimento da mobilização de uma rede da primeira infância entre os Tribunais de Contas brasileiros.

O documento do CNJ citou a realização do 1º Seminário Nacional A Primeira Infância e os Tribunais de Contas, com a temática “criança como prioridade”. As discussões promovidas durante o encontro culminaram na Carta de Fortaleza, que apresenta recomendações de ações para fazer valer os direitos das crianças de 0 a 6 anos no Brasil junto às políticas públicas dos governos municipais, estaduais e federal.

Conselheiro Edilberto Pontes, presidente do Instituto Rui Barbosa (Foto: Divulgação/IRB)

Representantes do IRB participaram do lançamento do programa do TCE-MS, em Campo Grande, em agosto deste ano. Durante sua palestra, o presidente do instituto e vice-presidente do TCE-CE (Tribunal de Contas do Ceará), conselheiro Edilberto Pontes, buscou enaltecer a importância de se investir em políticas públicas para a primeira infância no país. Para ilustrar a questão, o conselheiro comparou a história de vida de duas crianças à luz da falta de equidade, ou seja, deixar de garantir às pessoas o que elas precisam para que todos tenham acesso às mesmas oportunidades na vida.

“Uma terá alta probabilidade de enfrentar problemas com drogas ou ter conflito com a lei. Outra vai ter uma profissão de destaque, como professor, médico ou juiz. Ao fazer com que brasileiros não consigam explorar toda sua potencialidade, o que estamos fazendo é jogar fora recursos públicos e a potencialidade desse país. Gente que poderia ser excelente médico ou professor, ao contrário, vai dar muita despesa para a sociedade. Vai se gastar com uma série de políticas públicas, que vão ser aplicadas no futuro e terão baixíssima taxa de retorno (…) se você tivesse investido nos primeiros seis anos”, disse o conselheiro Edilberto.

Mesmo não sendo responsáveis por elaborar políticas públicas voltadas à primeira infância, os tribunais de contas de todo o país chamaram para si a responsabilidade de orientar e conduzir gestores públicos para que promovam efetiva melhoria no atendimento às crianças de 0 a 6 anos. Para esse trabalho, os tribunais contam com o apoio dos comitês técnicos do IRB.

Edson Ferrari, presidente do comitê técnico da primeira infância do Instituto Rui Barbosa (Foto: Divulgação/IRB)

O conselheiro Edson Ferrari, que preside o comitê técnico da primeira infância do IRB e também é presidente do TCE-GO (Tribunal de Contas de Goiás), destacou que o instituto está preparando uma campanha nacional voltada sobre o tema.

“Queremos mobilizar gestores públicos e trabalhadores dos tribunais de contas para sensibilizar os estados e municípios para essa questão. O IRB está incentivando os tribunais de contas a criarem comitês voltados para esse tema. Mato Grosso do Sul é um belíssimo exemplo disso, porque já tivemos acesso ao orçamento estadual previsto para 2024 e já estão previstos recursos para alavancar as políticas públicas para as crianças”, declarou o conselheiro Edson, que também palestrou na capital sul-mato-grossense durante o evento do TCE-MS.

O coordenador geral do programa do TCE-MS reconhece o valor da contribuição do comitê técnico do IRB em prol de uma atuação efetiva dos tribunais de contas do país.

“A união de todos os tribunais de contas dentro de um comitê técnico faz com que se discuta os problemas, se mostre o que já se fez para que sirva de inspiração a outros que estão começando. Aprendemos muitas coisas com os tribunais do Tocantins, Rondônia e , por exemplo. O comitê técnico do IRB serve para agregar, compartilhar conhecimento e dividir suas necessidades”, concluiu Célio Lima de Oliveira.

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