Em meio à crise, terceirizadas lideram retrocessos ao trabalhador

Processos formam pilhas e empresas são reincidentes

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Processos formam pilhas e empresas são reincidentes

Trabalhou mais de um ano fazendo ‘acabamentos’ de veículos para um grande concessionária da Capital. Diariamente. Trabalho duro. Teve até problema de saúde. Ombro paralisado, água acumulando dentro da pele. Teve que parar por seis meses. Quando voltou? Rua. A via crucis desse trabalhador, ainda assim, não terminava ali. Ao dar entrada na papelada de praxe, descobriu que estava num beco sem saída. Sozinho e vulnerável, não receberia o salário do último mês. E foi só uma das decepções trabalhistas. O FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) nunca havia sido depositado pelo empregador. A empresa? A terceirizada Espuminha – que contratou lavadores de carros para a concessionária, e cujo dono acumula a revolta dos empregados e processo judicial. Quem relata a história é um dos dez trabalhadores demitidos, e que, agora, vê a si mesmo em um caminho tortuoso e com travessia difícil. Em Campo Grande, no entanto, a Espuminha é só mais uma das muitas empresas terceirizadas que protagonizam uma série de denúncias e retrocessos trabalhistas.

Com aparente desorganização, confusão nas sedes e sempre alegando dificuldades financeiras, as terceirizadas são o calcanhar de aquiles dos trabalhadores em Mato Grosso do Sul.

“Eu fiquei um ano e oito meses, não peguei férias, aí eu tive um problema de saúde, no meu ombro, fiquei parado pelo INSS, último dia que trabalhei foi dia 3 de agosto. Foi no dia 8 de novembro que eles me liberaram pra trabalhar de novo. O pagamento seria dia 7 ou dia 8 de dezembro, e não caiu, têm umas dez pessoas nessa situação. Aí no dia 12 de dezembro ele deu o aviso prévio pra nós assinarmos, aí eu peguei e falei pra ele: nós vamos cumprir trabalhando? Aí ele falou: ‘nao, vai ser indenizado’. Mas no dia 21 era pra fazer o acerto, ele pegou e não fez: ‘vamos deixar pra sexta’. Aí na sexta ele não atendeu mais. Os meninos foram lá e ele falou: ‘se quiser receber vai ser na Justiça’”, relatou o trabalhador.

A empresa, que é acusada de sempre recolher, mas nunca depositar FGTS, também apresenta uma organização suspeita. O trabalhador e o advogado dele afirmam que o dono da Espuminha chama-se Alexandre William Lima. Na carteira de trabalho dos empregados, no entanto, quem assina é Luis Carlos Baldoíno. “Nós fomos com o gerente e não consta, esse dono é Alexandre e está registrando como Luis”, relata ele.

Para a empresa, a internet apresente no mínimo três CNPJs diferentes, em três cidades diversas. Uma em Bauru, interior de São Paulo, outra em Ribeirão Preto, também em São Paulo e uma em Campo Grande. Na Justiça, Alexandre William Lima responde um processo por estelionato na 4º Vara Criminal da Comarca de Bauru.

“Na realidade não foi acertado as verbas rescisórias. Deixou de pagar FGTS, tudo isso, pelo que consta das informações da Caixa Econômica, até a presente data não havia. Ela é uma empresa terceirizada que presta serviços exclusivos pra essa concessionária. Tudo isso [CNPJ e processo judicial] vai ser objeto de consulta. É uma coisa que ainda, sinceramente, eu não investiguei a fundo, eu sei que eles não vão receber, porque já não pagou até agora, a empresa tem se esquivado das obrigações”, explicou o advogado do trabalhador, Stefano Alcova Alcantara.

O jornal Midiamax tentou contato com o proprietário, por meio do contato disponibilizado, sem sucesso.

Ainda assim, a Espuminha não é a primeira nem a última a causar danos aos trabalhadores. É o que conta o procurador do trabalho, do MPT-MS (Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso do Sul) Cícero Rufino Pereira.

Terceirização é antissocial

Terceirização mesmo quando é legal, é antissocial. É como classifica o procurador. “Não é um número grande de empresas no Estado de Mato Grosso do Sul que estariam descumprindo a legislação trabalhista, mas são grandes empresas e reincidentes, recorrentes. E que, na verdade, não é de hoje, então não é a crise, é a má administração, falta de responsabilidade com as questões trabalhistas. Já é um problema há muitos anos [terceirizadas], pra mim é o maior problema, se não o maior, um dos três maiores problemas no estado. E não só no estado. Eu tenho certeza absoluta que está entre os três, quatro maiores problemas no Brasil. Terceirização mesmo quando é legal é antissocial, no sentido que dá mais problemas pros direitos sociais do que solução”, explica Cícero.

“São empresas, principalmente de limpeza, vigilância, que, na verdade, não tem idoneidade financeira. Elas são montadas, organizadas, principalmente por empresas grandes e por um certo período, até trabalham e tal, mas depois, ou por falta de administração ou por falta de saber coordenar a empresa, param de pagar. Há uma disputa entre elas, nem sempre o que ela recebe condiz com os custos. Vai empurrando com a barriga, empurrando com a barriga, não vai depositando FGTS, daqui a pouco some”, complementa.

Na pilha de processos na mesa do procurador, duas ‘gigantes’, com problemas históricos e que, no final de 2016, protagonizaram um dos maiores escândalos do ano em Campo Grande: Omep (Organização Mundial para Educação Pré-Escolar) e Seleta (Sociedade Caritativa e Humanitária). As duas organizações são alvo de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), e passam por raio-x que pode desvendar uma espécie de máfia nos contratos, envolvendo crimes de improbidade administrativa,falsidade ideológica, peculato, lavagem de capitais e associação criminosa. O principal eixo da investigação são os supostos funcionários fantasmas. Em meio ao escândalo, 4,3 mil trabalhadores contratados passam por dificuldades.

 

 

Após a Justiça decretar o fim dos contratos, os funcionários de creches, Casa da Mulher Brasileira, e outros locais da administração municipal, esperam chegar ao fim do percurso, que acaba com a substituição dos trabalhadores por concursados. Isso porque, conforme explica o procurador, as terceirizações dos serviços que ficaram nas mãos das entidades foram ilegais, já que seriam atividades-fim e não meio, o que é atualmente proibido pela legislação brasileira.

“O problema é a terceirização ilícita. Há, pelo menos, dez anos, existe terceirização ilegal, que o MPE [Ministério Público Estadual] já tentou resolver. Cadê a questão da crise? A Prefeitura falou assim, não vou te pagar porque eu estou em crise? Não. O dinheiro estava lá, o convênio estava lá, só que o convênio, foi o judiciário, ao analisar o caso concreto, falou: ‘não, para tudo, cessa tudo, não é crise, é ilegal o convênio e não era de hoje’. Só nos últimos dias dez novas denúncias trabalhistas. Elas significam 10% dos meus dez anos de MPT. O maior problema é a terceirização. Terceirização é mais uma forma de fraude trabalhista”, afirma Cícero.

O Prefeito da Capital, Marquinhos Trad (PSD), declarou, durante audiência, que irá resolver o impasse, e preencher os trabalhos com cargos concursados, até julho.

A Terceirizada e a quarteirizada

Em Campo Grande, uma ‘quarteirizada’ também protagoniza sofrimento aos trabalhadores. No H.U (Hospital Universitário) da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), funcionários estão em greve, na tentativa de receber, ainda, salário atrasado e benefícios. O hospital é administrado pela Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que, por sua vez, contratou a Máximus Terceirizações, para fornecer trabalhadores em setores como nutrição e manutenção.

As duas estão, hoje, em um imbróglio financeiro, que acaba sendo descontada apenas nos trabalhadores. A Máximus alega dificuldade financeira, e uma dívida da Ebserh junto à entidade “em R$ 1 milhão”. A Ebserh, no entanto, afirma que há, no contrato, previsão que estipula a responsabilidade única da Máximus junto aos trabalhadores, mesmo que na ausência de repasse durante três meses.

“A empresa diz que está correndo atrás de empréstimo. E o trabalhador está num jogo de empurra empurra porque o H.U diz que não deve nada, aí vem a empresa e fala que deve, entendeu? A gente nem sabe onde essa empresa está. O endereço dos holerites é em Marília, São Paulo, só que o cara me liga de um DDD 31 que é de Belo Horizonte”, explicou o vice-presidente do Steac-MS (Sindicato do Trabalhadores nas Empresas de Asseio e Conservação de Mato Grosso do Sul).

Um dos trabalhadores em meio ao impasse é Celso Monteiro Silva, 32. O descaso, conforme relata, é incisivo e o atraso já não é mais surpresa. A familiaridade com os atrasos no pagamento, remontam ao terceiro mês de trabalho. “É a semana de pagamento que nunca chega”, nas palavras do trabalhador.

“Desde a primeira conversa que foi no dia 3 de janeiro, a empresa não tinha passado a aproximadamente 450 trabalhadores, não tinha passado a segunda parcela do décimo, tinham prometido em novembro que iam depositar em dezembro, e décimo depositado uma vez só. O que acontece, não é a primeira que eles vem atrasando. A gente já está assim há um tempão, a empresa vem, fala uma coisa, fala outra, fala que é semana que vem, semana que vem, e essa semana que nunca chega”, relata.

A explicação do procurador do trabalho, de uma confusão administrativa, parece se encaixar do caso do H.U. “Nós tivemos nessa semana, cada representante, tivemos uma reunião com a direção do hospital, eles falam que o ano passado o hospital estava no vermelho, foi em Brasília, buscou recursos pra pagar essas pendências, o hospital tem até três meses pra repassar essa verba pras empresas, ela está ciente no contrato. Aí o que acontece, na reunião que tivemos, confirmaram que não está devendo nada para a empresa”, explicou Celso.

Não é o que alega a Máximus. “Nós estamos com R$ 1 milhão pra receber, fatura de novembro está com atraso aí, entendeu? E eles prometeram, no início de dezembro, que iriam quitar tudo, com certeza mesmo, eles [Ebserh] liquidaram a de novembro aí, mas não pagaram”, declarou o diretor administrativo, Elson Sales. Ele nega a cláusula que “assegura o pagamento dos funcionários em até três meses, independente do repasse da Ebserh”.

“Três meses é pra quando você fornece algum equipamento, alguma coisa, e a empresa pode ficar três meses sem receber, que é o nosso caso né. A gente não aguenta também, ficar três meses sem receber, ninguém suporta”. Elton também declarou “ter um bom relacionamento com a Ebserh. “A questão é que o fato existe [atrasos de salário e benefício] e nós estamos resolvendo o fato”. O diretor afirmou que a segunda parcela do décimo foi paga na sexta-feira (13) e que o salário de janeiro seria pago no início da semana.

 

Hospital Universitário (arquivo/Midiamax)

 

 

Sobre a sede da empresa, o diretor afirmou ser em São Paulo, mas que “a unidade responsável pelos contratos em Campo Grande é Belo Horizonte”. De acordo com ele, toda a empresa “está sendo transferida para Belo Horizonte”. Na Justiça, a Máximus responde a um processo na 3ª Vara do Trabalho de São Bernardo do Campo, em São Paulo.

O H.U reafirma que, mesmo com os atrasos, o contrato junto a empresa prevê que a Máximus deve realizar os pagamentos. “O Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap) informa que esteve em contato durante toda a semana com a empresa Maximus visando resolver a situação do pagamento de seus funcionários. De acordo com a empresa, nesta sexta-feira (13) foi feito o depósito referente a segunda parcela do décimo terceiro”.

A ‘crise’ chega ao MPT

Em meio aos problemas, mais um desdobramento da ‘crise’ complica a situação. É o que explica Cícero Rufino. O procurador do trabalho afirmou que o órgão “sofreu cortes drásticos” de verbas do Governo Federal. Os cortes fazem com quem as audiência sejam realizadas depois de muito tempo, o que amplia a dificuldade do trabalhador. No conjunto interligado de questões, o resultado, nas palavras do procurador, é um só: precarização trabalhista.

“Desde o ano passado, o que acontece? As audiências estão sendo marcadas um ano depois, aí sim a crise está influenciando. O governo federal, que cortou drasticamente o dinheiro que repassava. E aí o que acontece? A justiça que tinha uma audiência pra marcar em três meses, marca em um ano. Mato Grosso do Sul era muito rápido, em dois anos resolvia, regra geral, as coisas que outros demoravam seis anos. E o que acontece com o trabalhador que precisa comer, tratar dos seus filhos, pagar o que precisa pagar? O que acontece com esse trabalhador que precisa esperar um ano pra audiência? Aí, com isso, o que oferecerem a ele, ele aceita: precarização trabalhista”.

Cícero é otimista com 2017. Acredita que a recessão financeira irá ceder no Brasil. Ainda assim, outras crises, conforme explica, vêm por aí. Para ele, as novas propostas de reforma trabalhista, que incluem, entre outras coisas “a prevalência do negociado sobre o legislado” – onde trabalhador e sindicato negociariam a posição do trabalhador independente da legislação -, irão incidir sobre um cenário já caótico. Cícero chamou a reforma de “livre negociação entre o pescoço e a guilhotina”.

“Se hoje em dia, com todas as garantias, já acontece isso, imagina se você tirar do Estado sua função de legislar. Indicar o mínimo e permitir que a iniciativa privada, a seu bel prazer – ainda que tenha sindicato de trabalhadores de um lado e sindicato de empregadores de outro-, cuidem de um direito fundamental. Trabalho é direito fundamental, artigo 6º. Então, vai ser a livre negociação entre o pescoço e a guilhotina”, declarou.

Ainda assim, ele orienta que os trabalhadores procurem o MPT. “Qual a salvaguarda final? O último recurso que o trabalhador tem? É, dependendo do caso, se a lei assim permitir, o MPT, e se não der, o MPT vai judicializar, vai na justiça do trabalho, ou, às vezes, chamar o fiscal do trabalho, que também vai lá e multa pra ver se com base na multa a empresa paga ou vai atrás de um advogado trabalhista”, orienta o procurador.

 

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