‘Não existe mais dia 20’: comerciantes amargam queda nas vendas logo depois do 5° dia útil

Autônomos ainda comparam prejuízo de 50% no faturamento neste ano

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(Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

A economia desacelerada com a inflação em alta reflete no dia a dia e a população reduz os gastos para dar conta de pagar as contas fixas de casa. Quem sente as consequências disso na pele é o comerciante que depende do consumo e da demanda de clientes para faturar. Para muitos, já não existe mais dia 20, quando tradicionalmente as vendas caíam. Hoje em dia, logo depois do 5° dia útil, a queda no faturamento vira regra.

Essa redução é sentida em vários setores, desde a alimentação ao vestuário. Autônomo e feirante há quatro anos, Nalvio Oliveira Santos, de 50 anos, viu vários amigos desistindo do ramo pelo abalo financeiro. Ele está em um ponto fixo do bairro Tiradentes, mas quando necessário migra para outro lugar que poderá ser vantajoso.

“A gente não sabe nem mais o que é 5° dia útil. Já mudei meu tipo de produção para complementar a renda várias vezes. Vendia verdura e mudei para fruta. Somava o custo do produto, do gasto com a gasolina e outras coisas, via que não tinha lucro nenhum. Hoje eu vendo as frutas, faço pamonha, curau, tudo para incrementar minha venda”, conta.

Para se ter uma ideia, há dois anos, o trabalhador conseguia faturar a partir de dois salários mínimos em poucos dias, atualmente sequer consegue somar um salário. “A gente tem que se virar para conseguir se salvar. Eu perdi uns 50% no faturamento. Ainda faço feira à noite e trabalho de manhã. Até na feira o movimento caiu muito depois do dia 10”.

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Nalvio precisa trabalhar o dobro para não ficar no prejuízo (Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Se para o mercado alimentício que não costuma parar está difícil, imagina para quem vende supérfluos. Doginal de Souza Silva, de 63 anos, comenta que para quem oferece produtos como os dele está ainda mais enfraquecido no bolso.

“Eu vendo coisinhas, para-brisa de carro, capa de volante e comecei a vender boné para ajudar. Sou aposentado e precisava de mais dinheiro, mas está cada vez mais difícil para a gente. Já dizia na minha terra: estamos lascados”, lamenta.

Em uma das ruas mais movimentadas do bairro, cheia de galerias e lojas, até quem vende peças em um valor acessível precisou se reinventar para fidelizar as clientes. “Minha prima tem essa loja há um ano, mas fazem três meses que percebemos que depois do pagamento dos assalariados o fluxo ‘morre’. Nós vendemos roupas no preço único de R$ 30. A gente agrada a cliente oferecendo um café, divulga na mídia espontânea das redes sociais, paga para o marketing e não tem como agora”, pontua Michelle Alves, de 36 anos.

Estratégias dos comerciantes para não quebrar

Só com adequação e estudo financeiro para não se perder na tentativa de lucro e continuidade de deixar as portas abertas. Caso do mecânico Roberto Pereira de Oliveira, proprietário de uma oficina que emprega outros seis profissionais. Mesmo dependendo de demanda espontânea, a solução foi agendar clientes para o capital girar no caixa, ou seja, agendando uma data de pagamento para cada cliente a empresa mantém faturamento constante durante o mês.

Extremamente organizada, a oficina conta com uma planilha interna que fica exposta marcando e descrevendo o tipo de veículo e conserto necessário. No computador, consegue estruturar o rendimento mensal, gastos e lucros.

“Hoje 90% do meu atendimento é agendado. Há meses que oscilam, mas consigo fazer com que tenha faturamento do dia 1° ao 10 e do dia 10 ao 30, assim o faturamento está sempre movimentado. Já teve tempos em que não conseguia faturar, isso antes de me reorganizar e ter ciência do meu financeiro. Fora o cliente que conhece e traz aqui, tem a demanda espontânea. Estou aqui nesse ponto há sete anos e 25 na área”.

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Roberto tem planilha para se organizar (Foto: Henrique Arakaki/Midiamax)

Neste cenário, quem lida com consertos não sente uma queda drástica. A mesma visão é compartilhada por uma atendente de 19 anos, que preferiu não se identificar, em uma assistência técnica eletrônica. Desembolsar para o conserto de um bem sai mais barato que comprar um novo aparelho.

“Nosso movimento melhorou, vendo o ano passado. Nós temos quatro lojas, então postamos no Instagram todo dia, além dos funcionários que fazem a divulgação por conta própria”.

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