Crise e preços não movimentaram a promoção

No sábado de ‘ressaca' após o primeiro dia da tão esperada – dia de promoções e queima de estoques inspirado nos Estados Unidos -, as ruas vazias e o céu cinzento não ajudaram a garantir a expectativa dos lojistas e comerciantes. Cartazes enormes e chamativos, descontos – que em algumas lojas variaram de 30% à 70% -, e vendedoras uniformizadas com o nome da promoção: nada disso pareceu ajudar muito. Desconfiados e mais cautelosos esse ano, os consumidores repararam mais nos preços e em fatores de adição no valor, como juros ou comparação com preços anteriores.

A diarista Silene Aparecida, 45, saiu com a expressão desanimada de uma grande franquia de loja de departamento no centro. “A promoção está a mesma coisa que o preço anterior. Não mudou nada, é uma pecinha por R$ 19,90 e o resto tudo o mesmo preço. É pra enganar bobo isso aí”, contou ela, que saiu de mãos vazias da loja. Silene parece ser uma das consumidoras que estão mais cautelosas e desconfiadas esse ano, reparando mais nas etiquetas que na vitrine da promoção.

 

“Não está valendo a pena”, comentou logo de início, a autônoma Mariana das Graças Ribeiro, 34. “O preço é o mesmo que eu vi dias antes”. Sobre o movimento no comércio, ela explica que “está do mesmo jeito”. “Talvez estejam mais desconfiados mesmo, por conta de toda a crise, e também esperando o décimo terceiro”, explicou.

O que explica Mariana, de fato marcou a promoção esse ano. Com o aumento no desemprego – Mato Grosso do Sul, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) estava com o maior índice de desempregados do país no segundo trimestre de 2016 -, crise política e econômica, as pessoas parecem mais ‘analíticas' ao arriscar o próprio bolso. Ano de mudanças em cargos políticos, época de décimo terceiro – que para muitos ainda não caiu na conta -, e a espera pelas promoções de natal e ano novo, fizeram os consumidores procurarem por artigos de maior necessidade, ao invés de itens de ‘consumismo'.

(Luiz Alberto)

É o caso da assessora jurídica Nilma Portilho, 36, que procurava por um guarda-roupas – que aliás ela já busca há um ano, sem ver o preço abaixar -. No caso deles, no entanto, a busca continua: o produto não ‘entrou' na lista da Black Friday. “Um ano e o preço do produto não abaixa”. “Eu vejo que entram produtos de giro, mais, produtos de menor valor. O que a gente quer não entrou”, explicou o companheiro dela, Genilton, Moreira, 48, que trabalha na construção civil. Os dois acreditam, no entanto, que celulares e outros eletrônicos estão chamando atenção pelo preço: está valendo a pena. “Abaixaram [o preço], principalmente celulares, fogões também”.

“Primeiro, final do mês e todo mundo está esperando a promoção maior, que é final de janeiro. É insegurança também, estão poupando mais”, analisa Nilma.

Enquanto vendedores gritavam palavras de ordem em meio à manhã pouco movimentada, uma senhora passava pela vitrine de calçados: “Ihh, está precisando abaixar e muito”, falava ela.

Mais analistas, entendendo mais daquilo que estão comprando. Maria do Carmo, 59, aposentada, é uma dessas consumidoras. “A gente, primeiro, tem que olhar com cuidado porque estamos atravessando um período difícil. Impostos vindo sem parar, crise, se não olhar com cuidado, vai passar dificuldade o ano que vem”, explica. Sobre o famoso preço da Black Friday, ela afirma: “olha, eu não sei não, porque às vezes nessas coisas tão bonitas você olha e no preço, embutido, tem um juros enorme”, contou.

 

Até o comércio mais popular entrou na onda da Black Friday (Luiz Alberto)

 

Desempregada, Camila Monteiro Legaloski, 27, também ‘segurou' a carteira. “É pouca coisa a diferença de preços. Reparei em questão de R$ 10, R$ 20 reais. Acho que só foi bom pro povo vir ao comércio”, avalia.

O que dizem os vendedores

Lindomar Dias, 31, gerente de um loja de calçados – que integra uma conhecida rede -, afirma que as vendas foram satisfatórias, mas que “nem se compara com os anos anteriores”. “Caiu assim uma média de 30%”, contou. “Coincidiu com décimo terceiro, instabilidades políticas e crise. Eu trabalho há muito tempo no comércio, e em anos de troca de políticos as pessoas ficam mais cautelosas mesmo”, explica.

Já a vendedora Elda Reis, 28, que há 10 anos trabalha na área, afirma que o cenário é preocupante. “Está parado assim há dois meses, nunca vi isso durante todo esse tempo que trabalhei”. Sobre a Black Friday, desanimada, ela admite: “não está bom não amiga. Está horrível. Tinha muita expectativa que salvasse esse ‘fim de mês'. Acho que não se prepararam, não guardaram dinheiro”, complementou.

Black Friday

A ‘sexta-feira negra' ou Black Friday acontece após o Dia de Ação de Graças norte-americano, em que dezenas de lojas fazem grandes promoções e vendem produtos muito desejados a “preços irresistíveis”. A história por trás da origem da Black Friday, de acordo com o site ‘mega curioso' ainda é um tanto misteriosa e tem quem fale até que a data surgiu no final do século XIX após duas instituições financeiras terem quebrado no mesmo dia em plena corrida do ouro. “Coincidentemente, em uma sexta-feira”, explica o site.

O linguista Ben Zimmer, ainda assim, explica que a teoria ‘mais aceita' sobre o surgimento da Black Friday é que o termo foi criado por policiais da Filadélfia na década de 1960 para referir ao dia após o feriado do Dia de Ação de Graças em que o trânsito se tornava um caos.