‘Vigiam meus passos, mas não calam minha voz’, diz Magno após 25 dias preso por ação em retomada

Magno de Souza diz que, enquanto ficou preso, sua família foi ameaçada por ‘jagunços’

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Área onde ex-candidato foi preso no dia 8 de abril (Foto: Marcos Morandi/Midiamax)

Um misto de alegria e tristeza. É assim que Magno de Souza, ex-candidato ao Governo de Mato Grosso do Sul, vive um dia após deixar a cela 61 da PED (Penitenciária Estadual de Dourados), onde permaneceu 25 dias detido. Ele foi preso durante ação da Sejusp-MS (Secretaria de Justiça e Segurança Pública) em área de retomada, no dia 8 de abril, em Dourados.

Magno é monitorado por tornozeleira eletrônica, medida cautelar ordenada pelo TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região), no dia 28 de abril. Magno só foi solto nesta terça-feira (2). Outros sete indígenas deixaram o presídio no fim de semana.

Em entrevista ao Jornal Midiamax nesta quarta-feira (3), Magno falou sobre o período em que permaneceu detido. Para ele, os dias serviram para fortalecer sua fé e seus ideais pela causa indígena.

“Posso te dizer que aprendi muito com todas as lágrimas que derramei. Senti que em alguns momentos chorava não só pela minha esposa e pelos meus filhos, mas por toda essa gente que guarda muitas dores e angústias, pelos meus vizinhos lá da Aratiku que são perseguidos por pistoleiros”, desabafa.

Ainda segundo Magno, enquanto estava preso, os seguranças privados que ele chama de ‘jagunços’ passaram várias vezes em frente à sua casa e fizeram ameaças. Ele denuncia que quatro barracos foram incendiados. “Eles vieram e disseram para a minha família que iriam atacar a qualquer hora e que iam queimar eles vivos. Isso tudo me deixava em pânico”.

Eles vigiam meus passos, mas não calam minha voz e nem os meus pensamentos. Continuarei denunciando as injustiças contra o nosso povo Guarani Kaiowa e Terena”. A convivência no cárcere, segundo Magno, não é nenhum motivo de orgulho, mas deve ser encarada a partir de agora como um incentivo para continuar lutando pela liberdade.

“Não somos bichos pra viver enjaulado e depois de tudo ainda ter que usar um aparelho inventado para cuidar de bandido. Índio nasceu mesmo é para ser livre”, relata à reportagem do Midiamax, enquanto matava a saudade da convivência com os familiares na retomada Aratiku, onde fica seu barraco.

Magno de Souza
Candidato do PCO, Magno de Souza, durante o Debate Midiamax, em 19 de setembro. (Foto: Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

‘Tudo invenção’

A respeito de ter sido apontado como líder do grupo que ocupa a área disputada entre indígenas e a construtora de um condomínio de luxo, Magno conta que tudo não passa de perseguição política por ter tido, segundo ele, a coragem de fazer denúncias contra a Sejusp-MS.

“Eu conheço algumas pessoas de lá sim, mas naquele dia estava apenas passando em frente, a caminho da casa da minha mãe que mora na Aldeia Jaguapiru. Era bem cedo e estava indo tomar um mate com ela quando a polícia me pegou junto com outras pessoas que estavam indo trabalhar”.

Magno disse que no momento em foi empurrado para dentro do camburão não teve nem oportunidade de se explicar. Segundo ele, um policial militar o segurou e começou a acusá-lo de envolvimento com o grupo e alguns colegas de farda também disseram que ele ia ser solto, mas que o dia que voltasse a encontrá-lo, fariam coisas muito piores.

“Eles me disseram que sabiam quem eu era, que tinha sido candidato a governador e que estava no comando daquela retomada e me levaram preso. Eles disseram ainda que tinha encontrado uma espingarda e que sabiam que era minha. Nunca andei armado. Minha arma é a Bíblia. Foi tudo uma invenção deles a mando das autoridades”.

Convertido pela religião pentecostal que tem forte penetração nas aldeias e retomadas de Dourados, Magno também contou que dobrou o joelho muitas vezes na cela em que estava, mesmo se acotovelando com os outros seis presos, que também são indígenas, mas são católicos.

“Deus sabe o quanto sofri e é testemunha do inferno que vivi, vendo o sofrimento dos meus parentes e sem poder fazer nada. Sentia muita saudade da minha família e dos meus filhos que também passaram necessidades até de alimentos durante todos esses dias. O que me restava era chorar e rezar em silêncio para que tudo aquilo acabasse logo”.

Indígena reencontrou a família após ser solto nesta terça-feira (Foto: Fala Povo)

Tornozeleira monitora passos do indígena

Questionado a respeito das restrições impostas pelo desembargador que concedeu a liberdade dele e de mais sete indígenas, Magno disse que irá cumprir o que determina a Lei e que ficará recolhido na retomada. “Vou respeitar a decisão da Justiça sim, de usar essa algema eletrônica [tornozeleira]. Mas sei que isso não é permanente. Um dia eles vão tirar isso de mim e poderei finalmente dizer que estou livre. Mas podem ter certeza que vou fazer o que juiz falou”.

“Mas não pensam eles que vou desistir da política. Vou continuar me preparando para seguir em frente e incomodar eles com as minhas ideias em defesa da nossa gente indígena que vem sendo explorada desde que os portugueses aqui chegaram”, avisa o ex-candidato ao Governo do Estado.

Anciã é uma das integrantes da retomada Yvu Verá (Foto: Marcos Morandi, Midiamax)

Dos 9 presos em ação da Sejusp-MS, sete foram soltos no dia 29

A decisão para soltar os indígenas presos durante ação policial que contou com o Batalhão de Choque, a elite da Polícia Militar, saiu na sexta-feira, mas só foi cumprida no fim da tarde do sábado (29). Antes mesmo da soltura, lideranças relataram ameaças.

Dos nove indígenas presos, sete foram soltos naquele dia. Além de Magno Souza, outro indígena permaneceu na PED porque havia outro mandado de prisão contra ele.

Viaturas da Polícia Militar voltaram para a área na manhã deste domingo, um dia após a saída dos 7 indígenas da prisão. Segundo os indígenas que vivem na área que está em processo de reconhecimento como terra tradicional, os policiais deixaram o local sem fazer qualquer tipo de intervenção.

A ação da PM na área de retomada foi criticada por conselho, além de entidades que representam os indígenas.

Jornal Midiamax também revelou, em reportagem publicada nesta terça-feira (2), que indígenas de Mato Grosso do Sul sofrem uma violação de direitos a cada 11 horas. Os números constam em relatório divulgado pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. De janeiro a abril deste ano, foram 261 violações registradas pelo Disque 100.

Construtora ergueu muro ao lado de área reivindicada

Atualmente, a ocupação que margeia terreno da construtora de imóveis de luxo, Corpal Incorporadora e Construtora, que teria acionado a PM para retirar os indígenas da área, é composta por 30 barracos e 40 famílias.

A construtora ergueu um muro mesmo com alerta do MPF (Ministério Público Federal) de que a construção estava no limite da área reivindicada. O documento enviado à construtora é assinado pelo procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida, em que dá prazo de dez dias, a partir do recebimento do documento por parte da empresa, para a construtora responder sobre a construção na área. Caso não apresente justificativa ou provoque o retardamento indevido das requisições, a incorporadora poderá ser implicada.

Lideranças já haviam alertado que a construtora havia sido avisada para não levantar o muro até que a Justiça resolvesse a situação, porém, a incorporadora que detém condomínios de luxo em Dourados ignorou e levantou o muro, apesar dos alertas.

Consta no documento do MPF que a comunidade indígena estaria preocupada com a existência da obra do condomínio de luxo. Segundo consta, as obras teriam começado ainda em fevereiro, porém, em ritmo mais lento por conta das chuvas. Mas, em março, a construção teria ganhado celeridade. Então, no dia 6 de abril, iniciaram a ocupação da área.

Ainda, um indígena teria relatado às equipes do MPF que um funcionário da obra teria confirmado a construção de um muro em torno do perímetro do terreno e que seria contratado pela L R Serviços de Fundações, que estaria a serviço da Corpal.

Sejusp diz que cumpriu ‘dever legal’

Jornal Midiamax questionou o Governo do Estado e a Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública), por meio da assessoria de imprensa, a respeito da ação na área de Dourados.

Em resposta, a Sejusp informou que agiu no “estrito cumprimento do dever legal, para a preservação da ordem pública e da vida, uma vez que no local uma vítima, indígena, foi agredida com golpes de facão e ameaçada de morte com arma de fogo pelos acusados, que além da Lesão Corporal Dolosa e Ameaça a esta pessoa, cometeram ainda os crimes de Dano, Associação Criminosa, Esbulho Possessório – se o Agente Usa de Violência e, Posse ou Porte Ilegal de Arma de Fogo de Uso Restrito, uma vez que foi apreendida no local uma pistola adaptada para calibre 22 por eles utilizada”.

A secretaria também informou que “todos os acusados reconhecidos pela vítima foram presos e autuados em flagrante delito pelos crimes acima mencionados, sendo a prisão convertida em preventiva pela Justiça Federal, o que comprova a legalidade e necessidade da ação policial”.

A reportagem também tentou contato telefônico com Carlos Videira, mas as ligações não foram atendidas. As tentativas de contato foram devidamente registradas e o espaço segue aberto para manifestação. O Jornal Midiamax entrou em contato com o Ministério dos Povos Indígenas, para detalhes sobre acompanhamento federal das ações em Mato Grosso do Sul, e aguarda retorno.

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