Operado em Campo Grande no último dia 31, um adolescente de 16 deu adeus a um problema congênito que afetava a aparência de seu corpo e também de sua autoestima. Portador do peito escavado – uma deformidade na parede torácica que leva ao afundamento do osso esterno e de cartilagens – ele passou pelo procedimento que lhe devolveu qualidade de vida e que pode livrá-lo do bullying.

Estima-se que, no Brasil, uma a cada 200 pessoas tenham esse afundamento no peito, também conhecido como ‘peito de sapateiro’. Diferente do jovem, no entanto, muitos pacientes resistem em procurar tratamento.

De acordo com a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) de Campo Grande, entre 2019 a 2023, apenas quatro cirurgias foram realizadas na Capital e cinco pacientes receberam atendimento ambulatorial, como consultas especializadas, exames por imagem e fisioterapia.

Entre os prejuízos trazidos pelo pectus excavatum estão o risco de problemas cardiorrespiratórios e problemas na autoestima. Muitos casos podem ser conduzidos com tratamentos menos invasivos, como o uso de colete e exercícios de fisioterapia, mas outros precisam de cirurgia.

Mais qualidade de vida

Conforme explica o cirurgião torácico Diogo Gomes Augusto, que participou do procedimento, o peito escavado pode trazer perda na qualidade de vida, especialmente em pessoas em idade escolar devido ao medo do bullying e vergonha em mostrar o tórax em atividades comuns para a idade, como jogar bola ou fazer natação. 

O peito escavado é uma doença congênita, ou seja, a pessoa nasce com ela. Geralmente, a deformidade começa a ficar mais evidente durante o estirão de crescimento na pré-adolescência. No caso do garoto de 16 anos, o caso piorou rapidamente, o que levou a necessidade de fazer a cirurgia. 

“Esse rapaz tinha desejo muito forte de resolver o problema e a cirurgia foi um sucesso, não teve uma intercorrência. O resultado ficou muito bom”, explicou o médico ao Midiamax. 

Uso de material inovador e seguro

No caso do jovem de 16 anos, a cirurgia foi necessária para corrigir o afundamento no peito. Há cerca de 30 anos foi desenvolvido um método menos invasivo que a cirurgia em que o peito precisava ser aberto, deixando uma grande cicatriz.

Um cirurgião americano chamado Donald Nuss sugeriu a introdução de uma barra de aço inox em posição côncava, como um arco, por baixo do osso esterno e, ao ser rodada essa barra para a posição convexa, corrige a deformidade. Esse método com material importado tornou-se padrão para o tratamento desses casos. 

Porém, esse método com a barra de aço ainda oferece riscos à saúde do paciente devido à possibilidade de deslocamento da barra mesmo com o uso de estabilizadores nas pontas. Isso podia levar a perfuração do pulmão ou lesão no coração.

Na busca por diminuir esses riscos e aumentar a segurança na operação, uma pesquisa do Instituto do Coração do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) desenvolveu uma barra de titânio. As barras podem ser posicionadas sozinha, de forma paralela ou em formato de “X”.

Doença é mais comum em homens. (Miguel Tedde)

De acordo com o informativo desenvolvido pelo médico Miguel Tedde, do Incor do HCFMUSP e que prestou apoio na cirurgia do jovem campo-grandense, o desenvolvimento desse material brasileiro trouxe mais segurança ao procedimento, com a redução de risco de deslocamento da barra, e diminuiu a dependência de um produto importado. O material já foi registrado na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Durante o projeto de pesquisa, a barra foi implantada com sucesso em 50 cirurgias. O tempo de internação no pós-cirúrgico na primeira fase caiu de sete para cinco dias e na segunda fase reduziu para quatro dias.

1h e meia de cirurgia

A operação do jovem de 16 anos durou cerca de 1 hora e meia e utilizou a barra de titânio. Conforme explica o médico Diogo Gomes Augusto, o garoto ficará com o dispositivo por três anos até estabilizar o osso na altura adequada. 

“Esse foi o terceiro caso do uso dessa barra aqui em Campo Grande do qual participei. Ela traz segurança e conforto no pós-operatório maior. Habitualmente esse material é disponibilizado por via convênio, mas ainda tem certa resistência”, explica o médico. 

Segundo o médico que trabalha na rede pública e particular, devido ao alto custo do material, o SUS disponibiliza somente o tratamento convencional. 

Desde que voltou da especialização em cirurgia torácica, em 2016, para Campo Grande, o médico conta que já atendeu cerca de 50 pacientes com essa doença, mas o número de cirurgias até agora foi pequeno, sendo cinco na rede particular e três via SUS.

“Ela não é uma doença comum, mas a gente tem uma quantidade razoável de pacientes aqui em Mato Grosso do Sul. Quando voltei da especialização em São Paulo não se falava muito da doença e esses pacientes acabavam sendo desestimulados do tratamento, mas agora vem aumentando a procura. A nossa intenção é que mais pessoas possam ter oportunidades de serem tratadas”, ele afirma.