Insegurança e riscos em creches clandestinas são reflexos da falta de vagas públicas em MS
Profissionais alertam quanto aos riscos de matricular os pequenos nas creches clandestinas. Veja o que fazer nessas situações
Nathália Rabelo –
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Os dois casos de maus-tratos cometidos contra crianças em creches nas cidades de Mato Grosso do Sul reportados pelo Jornal Midiamax nesta semana chocaram a população. Em um deles, a dona de uma creche foi presa por suspeita de torturar e dopar bebês, enquanto outro estabelecimento é investigado por maus-tratos de crianças. Cenário amedronta pais e responsáveis que precisam deixar seus filhos aos cuidados de alguém para trabalhar, mas não conseguem vagas nas Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil). Mais baratas do que as escolas particulares, as creches clandestinas são vistas como “botes salva-vidas” nesses casos. No entanto, profissionais alertam quanto aos riscos de matricular os pequenos nessas unidades.
O ideal seria matricular bebês e crianças em escolas regulamentadas da rede pública ou privada. Contudo, a falta de vagas no ensino público destinado à educação infantil é uma realidade de milhares de famílias sul-mato-grossenses. Só em Campo Grande, ao menos 8.736 crianças aguardam por vagas nas creches do município, conforme documento da lista de espera de 2023. Além disso, pagar a mensalidade de instituições particulares está fora da realidade de muitos moradores. Então, colocar os filhos em creches mais baratas acaba sendo a única opção para muita gente.
O problema é que esses locais oferecem o serviço sem autorização e fiscalização do poder público. Na maioria das vezes, funcionam em residências e sem equipe preparada para os cuidados com as crianças.
Sobre essa questão, Ordália Alves Almeida, doutora em Educação e pós-doutora na área da Sociologia da Infância, ex-professora da UFMS e Conselheira do Conselho Estadual de Educação (CEE), explica ao Jornal Midiamax o quanto o direito da educação infantil é um dever dos entes federados, ou seja, município, Estado e união.
“São seres vulneráveis”
Segundo a especialista, existe todo um entendimento que a educação infantil precisa contar com os melhores profissionais porque “as crianças, em função da idade, são seres vulneráveis e precisam de adultos qualificados que as respeitem como cidadãs e as considerem como seres humanos, permitindo a vivência da infância nas melhores condições”.
Então, ela elenca que uma das medidas para evitar casos de violência como esses ocorridos em MS é, justamente, provocar o poder público.
“As famílias precisam recorrer ao poder público solicitando e exigindo que sejam criadas mais instituições de educação infantil. É um direito público de qualquer criança. Dever do Estado é ofertar vagas na educação infantil para crianças de 4 a 5 anos”, comenta. Além disso, Ordália afirma que as entidades municipais precisam ainda dar mais olhar para as crianças de 0 a 3 anos que precisam de uma unidade escolar qualificada.
“Precisa assumir esse papel de forma mais intensiva e fazer investimento na educação infantil. Educação infantil não é gasto, é investimento”, alega Ordália.
Também deve haver a formação adequada dos profissionais que atuam na primeira infância para que haja respeito à integridade dos menores. Além disso, a atenção dos pais na hora de escolher uma creche é fundamental.
O que é uma creche clandestina?
Creche clandestina é toda a instituição de ensino que não tem a regulamentação necessária para funcionar. Segundo Heraldo Stockler Bojikian, presidente do Conselho Municipal de Educação de Campo Grande, é a própria entidade responsável por fornecer o credenciamento e autorização às unidades de ensino.
“Qualquer instituição de educação infantil na rede pública ou privada precisa estar credenciada ao Conselho e Autorizada pelo conselho. Se ela não tiver esses documentos, ela está irregular”, explica Heraldo ao Jornal Midiamax.
Especialista ainda alega que matricular crianças em lugares não regulamentados pelo município as expõem a série de riscos de integridade física, falta de segurança, baixa qualidade de ensino e até ambientes inadequados para atividades. Por isso, pontua o quanto o Conselho trabalha de forma articulada com a Semed (Secretaria Municipal de Educação) para autuar creches clandestinas.
Como identificar uma creche clandestina?
Ainda segundo o profissional, é fácil descobrir se uma creche ou escola está irregular. “Nas escolas tem que existir um mural com aval de funcionamento, licença sanitária e toda a documentação necessária de credenciamento e autorização do seu funcionamento”, diz Heraldo.
Caso a documentação não esteja visível no local, o Conselho orienta os pais a pedirem na diretoria a conferência dos documentos e alerta: a unidade não pode recusar de mostrar porque toda a documentação é liberada pelo CME e de domínio público, ou seja, existe a obrigação de ser exposta. A medida vale tanto para creches públicas quanto para as privadas.
Se mesmo assim o responsável sentir resistência da instituição ou constatar sua irregularidade, o Conselho Municipal de Educação deve ser acionado. Além disso, Ordália complementa que a instituição é autorizada a funcionar por até cinco anos, dependendo da documentação. Então, 180 dias antes do vencimento, a creche ou escola deve entrar com pedido de renovação do credenciamento.
Como denunciar
Assim como em Campo Grande, as demais cidades de Mato Grosso do Sul que possuem seus próprios Conselhos Municipais de Educação devem concentrar as denúncias de creches clandestinas na entidade. Na capital, o telefone é o (67) 2020-3935. Assim, quando procurado, o Conselho Municipal de Educação recebe a denúncia e informa a Secretaria responsável, que destina um inspetor para verificar as informações.
Se constatadas as irregularidades e, mesmo assim, a unidade não fizer as adequações, o Conselho notifica o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul).
Segundo dados mais recentes de 2021, 39 municípios do Estado contam com o próprio CME. São eles:
- 1 – Água Clara
- 2 – Aquidauana
- 3 – Amambaí
- 4 – Anastácio
- 5 – Aparecida do Taboado
- 6 – Antônio João
- 7 – Aral Moreira
- 8 – Bataguassu
- 9 – Bela Vista
- 10 – Bodoquena
- 11 – Brasilândia
- 12 – Caarapó
- 13 – Camapuã
- 14 – Campo Grande
- 15 – Cassilândia
- 16 – Chapadão do Sul
- 17 – Coronel Sapucaia
- 18 – Corumbá
- 19 – Corguinho
- 20 – Dourados
- 21 – Jardim
- 22 – Ladário
- 23 – Laguna Carapã
- 24 – Miranda
- 25 – Naviraí
- 26 – Nova Andradina
- 27 – Paranhos
- 28 – Paranaíba
- 29 – Ponta Porã
- 30 – Porto Murtinho
- 31 – Ribas do Rio Pardo
- 32 – Rio Negro
- 33 – São Gabriel do Oeste
- 34 – Selvíria
- 35 – Sete Quedas
- 36 – Sidrolândia
- 37 – Sonora
- 38 – Tacuru
- 39 – Três Lagoas
Se a sua cidade não está nesta lista, você pode acionar o município para saber se o CME foi criado recentemente. Caso não, as denúncias de creches irregulares são recebidas pelo Conselho Estadual de Educação.
Creches clandestinas são febre em Campo Grande
No início do ano de 2023, o Jornal Midiamax publicou reportagem sobre o assunto. Relacionado à falta de vagas em Emeis que devem ser ofertadas pelo município de Campo Grande e os altos custos para matricular os filhos em instituições particulares, creches clandestinas tornam-se “febre” em Campo Grande a cada início de ano.
A localização de ofertas é fácil de encontrar, desde em redes sociais a sites de compra e venda. Na época, a reportagem encontrou anúncios numa pesquisa simples e fácil nas redes sociais. As propostas revelam várias pessoas oferecendo serviço para “cuidar do seu filho”. Um dos atrativos também é o preço, que costuma ser até 3 vezes mais barato que uma creche particular.
Em uma unidade regulamentada na Vila Sobrinho, por exemplo, o serviço custa R$ 780,00 para o período integral e R$ 530,00 para os interessados no meio período. O local conta com planejamento pedagógico e professores formados. Em outra unidade educacional no centro da Capital, o custo para alunos do berçário, somente para o período matutino, é de R$ 1.447,00, incluindo o almoço. Além disso, o custo com material escolar sai por R$ 920,00.
No caso da creche onde dona foi presa por torturar e dopar bebês, pais pagavam R$ 200 para deixar crianças. Isso porque a cidade com pouco mais de 50 mil habitantes possui lista de espera de 400 crianças para uma vaga na rede pública.
Valores altos que culminam num ensino regulamentado nem sempre são acessíveis para muitas famílias. Então, o Jornal Midiamax questionou a Semed de Campo Grande se existe alguma previsão na liberação de vagas e quais ações o município está à frente para dar andamento à fila de espera com mais de 8 mil crianças.
Emeis em Campo Grande
Em nota, a Semed informou que Campo Grande tem 106 Emeis (Escolas Municipais de Educação Infantil), que atendem crianças a partir de 6 meses até 5 anos de idade.
“Desde 2017, a lista de espera teve redução ao longo dos últimos anos – para as etapas de 0 a 3 anos nas Emeis. A Secretaria Municipal de Educação disponibilizou, para o ano letivo de 2023, um total de 6.404 novas vagas nas Escolas Municipais de Educação Infantil. Para o ano letivo de 2022 foram disponibilizadas 5.678 novas vagas”.
Secretaria ainda informa que não há déficit de vagas para os alunos das etapas obrigatórias do ensino fundamental da Reme – alunos de 4 e 5 anos – uma vez que “todos os que solicitam vagas, são prontamente designados para uma unidade escolar, onde a matrícula pode ser efetivada”.
Além disso, pontua que o município entregou 9 escolas nos últimos seis anos, sendo 8 deles Emeis nos bairros Tijuca, Centenário, Noroeste e Paulo Coelho Machado – Varandas do Campo (2018), Vespasiano Martins, Nascente do Segredo (2019), Zé Pereira (2021) e Vila Nasser (2022), além da Maria Regina de Vasconcelos Galvão, no Parque Novo Século (2018) e a criação de uma nova escola municipal no Bairro Coophavilla II, que até o ano passado era extensão da E.M. Dr. Eduardo Olímpio Machado.
“Ou seja, já são 15 novas unidades, entre novas (9), municipalizadas (4) e prédios alugados (2). Existe a previsão de concluir outras oito obras de novas escolas nos próximos três anos, totalizando 23 escolas de ensino fundamental e Emeis até 2024. A Prefeitura de Campo Grande está priorizando a conclusão de obras já iniciadas, para depois começar projetos novos. São Emeis localizadas nos seguintes bairros: Vila Popular, São Conrado, Jardim Inápolis, Bairro Talismã, Jardim Anache e Bairro Oliveira III”, informa a Semed.
Fiscalização
Também questionada sobre a fiscalização das creches clandestinas, a Semed informou que atua sobre sua jurisdição no acompanhamento de escolas de educação infantil autorizadas.
“Em caso de denúncias específicas de crianças atendidas em casas ou outros estabelecimentos, a equipe de inspeção escolar é acionada para averiguar cada situação de irregularidade. Cumpre esclarecer que não cabe à Semed a fiscalização de creches, e sim, acompanhamento de cerca de 160 escolas de educação infantil particulares em Campo Grande”, conclui a nota.
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