Chama atenção de quem passa pelo bairro do Jardim Pênfigo, região sul de Campo Grande, a quantidade de placas de “vende-se” e “aluga-se” nos portões das casas, algumas recém-construídas, outras mais antigas. Existe, no entanto, uma explicação, e ela não cheira nada bem, literalmente.

Faz anos que o bairro, e outros como Parque do Lageado e Los Angeles, às margens da BR-262, no rodoanel, sofrem com o mau cheiro causado por uma empresa de adubos e fertilizantes. Pelo menos é o que muitos desses moradores alegam. Inclusive, em mais um capítulo da fétida “cruzada” contra essa empresa, cerca de 90 pessoas pedem indenização de R$ 30 mil por danos morais na Justiça por conviverem tanto tempo com o mau cheiro.

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Mapa de local afetado pelo mau cheiro, segundo a defesa. 

A aposentada Maria Leme, de 62 anos, é dona de uma das casas com plaquinhas. Faz dois anos que ela tenta vendê-la por conta do mau cheiro constante, mas não consegue justamente por esse motivo.

“A própria imobiliária não pega casa aqui porque já sabe desse problema e não consegue vender. Tem dia que de madrugada, você acorda com o mau cheiro, não dá nem pra abrir uma janela. Não dá pra suportar. O menino da imobiliária falou que minha casa vale 300 mil, mas se eu conseguir vender por 150 mil já vou conseguir ser muito. Não tem valor as casas aqui”, disse ela.

A operadora de caixa, Catiane Borges, de 33 anos, vive de nariz tampado. Ela conta que se sente refém da situação porque não tem uma hora nem um cheiro específico. “Às vezes é de lavagem, às vezes de chiqueiro, esterco. Traz vergonha pra gente, não pode receber uma visita. Não dá pra comer direito porque parece que o esgoto tá transbordando dentro da sua casa. Você perde o apetite”.

Conforme Catiana, os moradores já fizeram de tudo, abaixo-assinado, entraram na Justiça, reclamaram diretamente, “mas eles recorrem, jogam a culpa para estação de tratamento de água e a estação joga a culpa neles e o povo que lute. A gente só quer uma solução. Quando está fedendo você não pode ficar dentro de casa por causa do cheiro, se você sai pra fora não consegue respirar. O jeito é ligar o ventilador e ficar na frente”.

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Casa com anúncio de venda (Foto: Leonardo de França)

Processo judicial

 Na última ação, em julho deste ano, cerca de 90 pessoas pedem indenização de R$ 30 mil por danos morais.

Os pedidos têm como subsídio laudos de perícia e do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, que identificaram atuação potencialmente poluidora da empresa.

A empresa Campo Grande Fertilizantes Orgânicos Indústria e Comércio, a Organoeste, enfrentou a primeira ação em maio de 2013. O autor foi o então promotor de Justiça, hoje procurador de Justiça da 22ª Procuradoria de Justiça Criminal, Alexandre Lima Raslan. Assim, o Ministério destacou dois problemas ambientais graves cometidos pela fábrica de fertilizantes.

O primeiro apontamento é que a “localização da empresa, que está situada nas proximidades do aeroporto de Campo Grande, causa a atração de pássaros com a sua atividade, colocando em risco a segurança viária”. E a segunda, diz respeito a própria “poluição ambiental, pela inadequação do processo produtivo e instalações”.

Então, no segundo problema, o MPMS destaca que está diretamente relacionado com o “forte odor de putrefação”. A 34ª Promotoria de Justiça lembra que o município de Campo Grande foi inserido na ação, por ter concedido a licença ambiental para a empresa. Segundo a promotoria, a gestão municipal não ocasionou “medidas efetivas e seguras para eliminar os riscos gerados pela operação do empreendimento”.

Levando em conta essas situações, um grupo de cerca de 90 moradores está processando a empresa Organoeste e pedindo R$ 30 mil cada por danos morais.

Segundo o pedido dos advogados que representam os moradores, a solicitação é “para condenar a ré ao pagamento de indenização pelos DANOS MORAIS, nos termos do art. 927 do Código Civil, a qual sugere-se que seja no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), corrigindo-se monetariamente com aplicação de juros de mora, a partir do evento danoso, até a época da solução da lide e, consequentemente, na fase de execução”.

Em última decisão da Gabriela Müller Junqueira, da 7ª Vara Cível de Campo Grande, após pedido da defesa, ficou determinada uma nova perícia que precisará responder perguntas formuladas pelos advogados da empresa e dos moradores. E ainda ficou estabelecido que o valor dessa perícia deverá ser pago pela Organoeste, caracterizando a inversão do ônus da prova.

Pátio da empresa que está sendo processada (Foto: Leonardo de França)

 

Defesa da empresa

O Jornal Midiamax conseguiu falar com a empresa que afirmou que compreende o problema, mas que o mau cheiro é um problema histórico e que estaria ligado a outras empresas, uma vez que são vizinhos do aterro sanitário e da estação de tratamento de esgoto, ambos empreendimentos que geram emissão de odor.

“Historicamente, a população já acusou a estação de tratamento de esgoto, como fazem com nossa empresa atualmente, de causar desconforto à população. A estação foi inocentada judicialmente, pois não é possível determinar um único agente causador do odor, segundo a perícia judicial da época. Ainda assim, entendemos que o serviço ambiental prestado pelo aterro, pela estação e por nossa empresa é essencial para a manutenção do meio ambiente e para o ideal tratamento dos resíduos atendendo a Política Nacional de Resíduos Sólidos”.

Sobre a perícia, a Organoeste ainda disse que contratou uma empresa especializada na quantificação da emissão de odores, com tecnologia europeia, que atende empresas como a Petrobrás, e essa empresa atestou em laudo que as emissões odoríferas da empresa “não causam impacto na população. Referido laudo já foi encaminhado ao órgão ambiental competente”.