Curva do coronavírus sugere imunidade maior na 2ª onda; MS ainda vive o primeiro impacto

Estudos veem ‘queda sustentada’ de casos de coronavírus em locais onde doença causou caos; Mato Grosso do Sul ainda vive primeira onda.

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Observações feitas a respeito de uma segunda onda do coronavírus (Covid-19) em regiões que foram afetadas de forma mais dura pela doença sugerem uma “queda sustentada” no total de mortes e de infecções. Na Europa e regiões dos EUA mais afetadas, a tendência já é observada.

No Brasil, Manaus (AM) e cidades do Nordeste que registraram mais casos da doença podem servir de indicadores da tese, que envolve uma espécie de “imunidade de rebanho” [a imunização coletiva da sociedade] providenciada diretamente pelas células, e não por anticorpos.

Tal efeito, porém, ainda deve demorar para começar a ser mensurado em Mato Grosso do Sul, que vive a primeira onda de infecções, com aumento exponencial dos infectados e do número de óbitos e um princípio de saturação do sistema de Saúde.

A “segunda onda” da Covid-19 já é observada em diversos países, alguns dos quais providenciaram novos fechamentos da economia ou promovem lockdown em regiões específicas. Contudo, em geral, as reaberturas ocorrem sem os picos de infecções registrados no início da pandemia –que, neste momento, e intensa no Sul e Centro-Oeste do Brasil.

O infectologista Julio Croda, da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), avalia diferentes itens no fenômeno observado. “Se você tem uma primeira onda enorme, com muita gente morrendo sem assistência médica, em casa, atingindo a maioria da população, com essa grande parcela que se contaminou nas cidades onde houve avanço de 400% no número de óbitos, o impacto vai ser menor”.

Basicamente, como na primeira onda não existia imunidade à Covid-19, a tendência agora é de que haja uma maior resistência ao coronavírus por parte da população. “Então provavelmente essas cidades terão leitos para os infectados mais graves”.

Imunidade celular seria explicação para menor impacto da 2ª onda de coronavírus

Embora essa observação seja animadora, ela ainda é analisada. A “imunidade celular”, gerada pela própria célula humana, é uma possibilidade observada, mas que carece de informações pela falta de exames específicos disponíveis. A imunidade contra o coronavírus a partir de anticorpos se mostra de pouca durabilidade.

Estudo do King’s College de Londres divulgado nesta segunda-feira (13) pelo site especializado Medrxiv indicam que a imunidade contra o SARS-Cov-2 (causador da Covid-19) desaparece em dois ou três meses. Em 90 casos estudados, o nível de anticorpos neutralizadores atingiu pico em cerca de três semanas depois dos primeiros sintomas, caindo em seguida.

Até mesmo pessoas com sintomas leves tiveram resposta imunitária ao vírus, contudo, apenas 16,7% dos infectados estudados tinham altas taxas de anticorpos neutralizadores 65 dias depois do início dos sintomas, conforme relatou a Rádio França Internacional.

Isso indicaria que uma vacina teria efeito por curto período de tempo. Contudo, o estudo também vai ao encontro de outras formas de imunização (como a “memória imunitária” do corpo do primeiro contato com o vírus). “Então, é possível que a nova infecção seja mais benigna”, disse a professora de Imunologia Viral Mala Maine, do University College de Londres.

“[Os anticorpos] não têm durabilidade, nos testes rápidos caem muito precocemente, com dois meses”, afirmou Julio Croda. Ele reforça que o Epicovid-19, um estudo conduzido pela Universidade Federal de Pelotas (RS), indica que na maioria das capitais do Norte e Nordeste que sofreram com a primeira onda do coronavírus há, após a reabertura, “queda importante no número de pessoas com anticorpos positivos”.

Tal fato ainda deixa pesquisadores ao redor do mundo apreensivos quanto aos resultados já observados e descobertos. “Talvez a imunidade de anticorpo não seja uma boa mensuração de quantas pessoas têm imunidade celular”, avaliou Croda.

“O que vamos observar a partir de agora, principalmente no Norte, onde houve flexibilização [das medidas de combate à Covid-19] em 1º de junho, é se a imunidade de rebanho é duradoura ou não. Não há essa reposta no mundo, talvez só o Brasil vai ter porque flexibilizou tudo”, prosseguiu o pesquisador.

Tais informações vão atestar, por exemplo, se os dados de imunidade coletiva foram superestimados ou calculados com erro.

MS ainda passa pelo primeiro impacto do coronavírus: 169 mortos e 13,4 mil casos

Já a imunidade para a população sul-mato-grossense demorará mais para chegar. Croda lembrou que o Estado vive ainda a primeira onda de infecções, com exposição da população neste momento à doença em uma realidade na qual começam a faltar leitos na rede hospitalar –o real motivo da defesa de práticas como o isolamento social, a fim de evitar que várias pessoas passem a depender do sistema de Saúde ao mesmo tempo, superlotando hospitais.

Com mais de 90% de seus leitos ocupados, o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, referência para tratamento do coronavírus no Estado, começou a utilizar contêineres para armazenar corpos nesta segunda-feira, a fim de não ocuparem espaços nos corredores e para que sejam adotadas medidas de biossegurança no sepultamento.

Julio Croda afirma que, agora, a preocupação deve ser evitar a realidade vivida no Norte e Nordeste, com superlotação e falta de leitos –indicando a saturação do sistema, com a total ausência de capacidade de se absorverem mais pacientes a tempo de oferecer tratamento.

“É ter paciente esperando na fila e gente morrendo em casa. Precisamos evitar isso nessa primeira onda. E isso exige medidas duras de distanciamento social”, afirmou o infectologista.

“Nesse momento estamos atingindo a capacidade máxima de leitos, de testagem e de busca ativa de casos e contatos. Campo Grande já não consegue mais fazer o RTPCR [o exame padrão ouro para identificação da Covid-19] em tempo oportuno; não consegue mais isolar casos e contatos ou monitorar a todos; está com a rede hospitalar quase saturando, com leitos clínicos e UTI no limite”, alertou Croda, segundo quem medidas como o lockdown começam a se provar necessárias.

O infectologista advertiu que a média móvel de casos de coronavírus –que identificam as flutuações curtas no volume de casos, como de um dia para o outro, ao traçar um padrão de longo prazo do avanço das infecções– subiu mais de 200% em 14 dias, enquanto dados de pesquisas indicam que “ainda teremos muita pandemia pela frente”.

O Covid19Analytics, estudo de acompanhamento da evolução do coronavírus no Brasil elaborado pela PUC-RJ, estima que, em 10 dias, o número de mortes por Covid-19 aumentará 82% no Estado, atingindo 304 em 23 de julho, com mais de 20 mil casos, um crescimento de 49%.

Nesta segunda, balanço da Secretaria de Estado de Saúde apontou que, desde 14 de março –data dos primeiros casos de coronavírus em Mato Grosso do Sul–, houve 13.461 infectados. Até o fim da manhã, o total de óbitos chegava a 169.

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