#CG121: Enfermeiros e médicos encaram medo e se arriscam por pacientes com coronavírus
Médicos e enfermeiros relatam medo do novo vírus e desafios para cuidar de pacientes durante a pandemia em Campo Grande
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Os dias são marcados pelo cansaço dos longos plantões, o medo de infectar a família, a saudade de um abraço dos filhos e a tristeza de se despedir dos pacientes que não resistem à batalha contra o coronavírus. Assim é a rotina de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem em Campo Grande. Enquanto muita gente ignora os perigos da doença, os profissionais contam sobre as dores e dificuldades de trabalhar na saúde durante a pandemia.
“Somos os últimos rostos que eles vão ver”. É assim que a enfermeira Kellen Bueno, de 37 anos, descreve a sensação de trabalhar com pacientes que estão internados em estado grave com coronavírus. Para ela, ainda pior do que ver um paciente partir é saber que ele não pôde se despedir dos familiares.
“Não pode ter visita, a família fica sabendo de tudo por boletim médico. Infelizmente, no dia a dia, sabemos que quando o quadro se agrava, é só nós por eles”, afirma ela, que é uma da equipe de enfermeiros da Santa Casa.
O médico Marcelo Santana Silveira, de 41 anos, cuida dos pacientes de coronavírus no pronto-socorro do hospital da Unimed. Ele conta a experiência de medo que os pacientes vivenciam quando recebem o diagnóstico.
“Muita gente não tem medo enquanto a doença não chega, quando vê só no noticiário, mas nunca teve contato. Mas quando os pacientes percebem que a situação é grave, que estão com falta de ar e chance de serem intubados,aí a gente vê o medo. Medo de deixar a famílias, muitos deles com filhos pequenos”, relata.
A reportagem traz a história de um dos enfermeiros e um médico campo-grandenses, que são o exemplo da dedicação dos profissionais da saúde durante a pandemia. Enquanto parte da população continua irresponsável e a taxa de isolamento social segue baixa, eles arriscam suas vidas para cuidar de quem precisa.
Kellen é a ‘mãezona’ da equipe dos enfermeiros
Durante a pandemia de coronavírus em Campo Grande, Kellen está à frente de uma equipe de seis profissionais no CTI (Centro de Terapia Intensiva) da unidade do Trauma, na Santa Casa. Ela conta que já estava apreensiva no início da pandemia, por liderar uma equipe. Porém, conforme a doença avança em Mato Grosso do Sul, o medo aumenta.
“Medo por você e pelos colaboradores, afinal de contas nós temos famílias. Tem toda uma equipe de enfermeiros que gira ao seu redor, eu sou estilo mãezona, me preocupo com todos, tento dar condições para que todos mantenham integridade física, orientando, para não cometer falha, nós não podemos falhar”, frisa. Ela conta que já perdeu colegas próximos para a doença, o que aumenta ainda mais a preocupação com os enfermeiros.
A enfermeira foi uma das primeiras da equipe a testar positivo para o coronavírus, mas felizmente se recuperou rápido. Ela conta que enfrenta uma ‘saga’ antes de entrar em casa, para não infectar os filhos e o marido. As roupas são lavadas separadamente e o sapato não pode entrar em casa de jeito nenhum.
Apesar da rotina de uso de EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) serem cansativos, o que dói é não poder abraçar e beijar os filhos como antes. Ela tem dois filhos, sendo uma de 14 anos, o que torna a situação ainda mais dolorosa. A menina, que antes era apegada à mãe, não pode mais dormir no mesmo quarto. Até a hora do filme requer cuidados, a família não pode ficar muito próxima.
“O que mais dói é o filho querer abraçar, mas não pode. Fazer eles entenderem isso dói muito. Acham que a gente não quer abraçar eles, eles não entendem que a situação é diferente”, diz.
Além do distanciamento com os filhos, não poder ver os pais é outro sentimento que Kellen carrega no peito. “Não tenho contato com minha mãe e meu pai porque são de idade, dói bastante”.
Kellen conta que o cenário preocupa em Campo Grande, mas a população pode ajudar. “A única forma de ajudar é fazer isolamento. A gente faz com a nossa própria família, nossa rotina diária mudou completamente. Se não ficarem em casa, não vamos voltar a ter vida normal. Não pode levar uma vida como era antes. Enquanto isso não passar, precisamos do apoio de todo mundo, conscientização”, alerta.
Marcelo se voluntariou para atender pacientes de Covid-19
Assim como Kellen, o médico Marcelo enfrenta uma rotina exaustiva de plantões nos cuidados aos pacientes de Covid-19 em Campo Grande. Ele trabalha em um hospital privado e conta que se voluntariou para trabalhar no pronto-socorro de Covid-19, assim como outros trabalhadores da saúde da instituição. Para ele, a pandemia evidenciou a dedicação desses profissionais.
“Eu atendia no pronto-socorro geral. Quando abriu o pronto-socorro de Covid, solicitaram profissionais. Você não é obrigado, mas muitos profissionais de saúde optaram pelo plantão de Covid. Foram raros os profissionais que não quiseram enfrentar”, explica.
No dia a dia do hospital, atender os pacientes com coronavírus requer não só conhecimento, mas também uma preparação psicológica. O médico explica que é preciso se preparar corretamente com os EPIs, tomar muito cuidado para utilizá-los da forma mais correta possível, para evitar a contaminação dele e dos enfermeiros.
Ele conta que a rotina é marcada pela tristeza, pois deve estar preparado para lidar com a partida de um paciente com Covid-19. Ainda mais doloroso é lidar com o sofrimento da família.
“É uma sensação muito ruim, ter que lidar com isso. Estamos vendo muitas pessoas jovens morrendo, assim como idosos, temos que lidar com o sofrimento da família, que não pode se despedir do paciente. Ele vai do hospital direto pro sepultamento”, diz. Apesar das dores, a esperança se renova toda vez que um paciente em estado grave se recupera do coronavírus.
Em casa, a preocupação é se proteger da melhor forma possível, para não infectar os filhos. Ele conta que não entra de calçado em casa e que toma banho no banheiro de fora. Outro cuidado é tentar ficar afastado dos filhos.
“Tenho colegas que se isolam em casa. Eu não porque minha esposa também é médica e atua na linha de frente no setor público. Não temos com quem deixar os filhos, então a gente não se afastou. A gente tem fé que vai melhorar, que vai passar”.
Marcelo torce pelo fim da pandemia e espera que os pacientes levem uma lição: valorizar o sistema de saúde. “Apesar de todas essas mortes, o sistema de saúde não baixou a guarda, os profissionais de saúde se mostraram comprometidos, isso temos que reconhecer”, ressalta.
Para a população, fica o recado para que todos se conscientizem e evitem perder familiares. Evitar aglomerações e locais lotados é essencial para barrar a transmissão do coronavírus. É uma medida simples, que pode salvar vidas e vai permitir que os profissionais da saúde possam voltar a abraçar seus filhos.
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