Projeto da UFMS propõe melhor reaproveitamento do esgoto e retorno aos rios de água mais limpa
UFMS Retornar aos rios uma água mais limpa, com recuperação dos nutrientes, remoção de patógenos e poluentes emergentes, além de produzir bioenergia e fertilizantes, é a proposta multifacetada de um novo processo biotecnológico com utilização de microalgas para melhoramento e melhor reaproveitamento do esgoto doméstico pré-tratado. Coordenada pelo professor Marc Árpád Boncz, da …
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Retornar aos rios uma água mais limpa, com recuperação dos nutrientes, remoção de patógenos e poluentes emergentes, além de produzir bioenergia e fertilizantes, é a proposta multifacetada de um novo processo biotecnológico com utilização de microalgas para melhoramento e melhor reaproveitamento do esgoto doméstico pré-tratado.
Coordenada pelo professor Marc Árpád Boncz, da Faculdade de Engenharias, Arquitetura e Urbanismo e Geografia (Faeng), a pesquisa “Tratamento terciário de esgoto com microalgas: teste piloto de um processo único para recuperar nutrientes, remover patógenos e fármacos e purificar o biogás” já apresenta resultados preliminares.
“A situação atual em respeito ao saneamento básico no Brasil demonstra uma melhora bastante grande em relação às décadas anteriores, mas ainda há um longo caminho pela frente. O índice de coleta de esgoto atualmente é de 49 %, mas somente 39% do esgoto recebe tratamento, e ainda geralmente de forma insuficiente”, diz o professor Marc.
Na Europa ou nos Estados Unidos, segundo o pesquisador, o tratamento de esgoto é muito mais completo porque utilizam tecnologia que apresenta, além da redução de carbono (das gorduras, dos carboidratos etc.), uma maior redução dos nutrientes, como nitrogênio e fosfato.
“No Brasil, basicamente, só se remove matéria orgânica. Os nutrientes acabam por ser despejados nos rios, onde ocorre crescimento exagerado de algas, porque a matéria orgânica foi removida do esgoto, mas os minerais que as ajudam a crescer não”, completa o pesquisador.
O tratamento de esgoto geralmente envolve as fases de gradeamento, sedimentação primária, tratamento secundário – considerado o principal tratamento – e o pós-tratamento, chamado de terciário. “Por questões de custo e eficiência, o tratamento secundário geralmente é feito por meio de um processo biológico, sendo aeróbio (na presença de oxigênio) ou anaeróbio (na ausência de oxigênio). Historicamente, este tratamento secundário é projetado para remover a maior parte da carga de matéria orgânica, mas dificilmente remove parte significativo dos macronutrientes”.
Microalgas
A utilização de microalgas é uma biotecnologia especialmente propícia a ser utilizada em estações de tratamento de esgoto, onde há ampla disponibilidade dos compostos que elas precisam para crescer: CO2 e nutrientes, como potássio, nitrogênio e fósforo.
A produção de biodiesel, a partir da utilização das algas, tem sido intensamente pesquisada, desde que descobriram, nos EUA, que grande parta destes organismos é composto de óleos. No entanto, ainda não existe produção de biodiesel a partir de algas em larga escala em qualquer lugar do mundo. “Estamos pesquisando uma tecnologia relativamente nova onde o crescimento de microalgas em um biorreator reduz o teor dos gases CO2 e H2S no biogás produzido na estação de tratamento de esgoto o que, consequentemente, produz o biometano, facilitando o uso deste gás como combustível, ao mesmo tempo reduzindo o teor de nutrientes no esgoto tratado”, enfatiza o professor.
Em 2008, o professor Marc iniciou pesquisas com os efluentes de uma usina de álcool e açúcar, que produzia grande quantidade de CO2. A ideia naquela época era a produção de biodiesel extraindo o diesel de algas, cultivadas com o CO2 excedente nas usinas de etanol e açúcar, além dos nutrientes que sobram, mas o processo se mostrou muito caro.
Por outro lado, cultivar as algas no efluente, enviando toda a solução para um digestor anaeróbio parece trazer melhores resultados para a produção e purificação do biogás.
Quando o esgoto chega à estação de tratamento, os sólidos grossos são direcionados a uma caçamba e o material líquido que sobra é direcionado ao digestor anaeróbio. Aqui já se produz o biogás: uma mistura de metano e CO2. Desta mistura de gases, as algas utilizam o CO2 para a fotossíntese tornando o metano mais puro, de forma a ser utilizado para abastecer veículos ou produzir energia elétrica.
Com a retirada da maior parte da matéria orgânica e a grande presença dos minerais, cria-se um ambiente propício para o cultivo das algas na estação de tratamento de esgoto.
“No tratamento de esgoto utilizam-se, geralmente, processos anaeróbios, com a mesma digestão que produz o biogás, que é 2/3 de metano e 1/3 de CO2. No caso das estações de tratamento de esgoto, a produção de bioenergia não precisa gerar dinheiro, pois o importante aqui é tratar o efluente, tratar o esgoto, contudo se houver a geração de energia, é lucro”, afirma.
Para a pesquisa serão instalados três reatores na estação de tratamento de esgoto da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), com capacidade de 120 litros de conteúdo cada. Enquanto os reatores estão sendo montados, os pesquisadores realizam testes sobre a digestão das algas para converte-las em biogás.
Após todo esse processo, as algas são decantadas, o que sobra passa pelo digestor anaeróbio e a massa cheia de nutrientes é convertida em fertilizante. “Com todo esse processo, que não custa caro, os rios receberão água tratada sem conter mais os nutrientes”, diz Marc.
Desinfecção
Os pesquisadores investigam ainda o que se consegue retirar de bactérias após o tratamento terciário, porque no esgoto sempre há grande quantidade de patógenos, bactérias que causam doenças e que o processo (an)aeróbio não consegue remover.
“Uma outra coisa interessante nesse processo, além da produção de biomassa para tirar a energia, é que as algas quando fazem o processo de fotossíntese, usam luz solar para transformar nutrientes e CO2 em biomassa. Quando elas retiram o CO2 da água, o pH, que geralmente é neutro, passa a 8, 9, 10, tornando-se bastante alto, com variações ao longo do dia, pois quanto mais sol, mais gás carbônico as algas retiram da água”, explica o professor.
Durante a noite, o pH cai e fica neutro. O pH instável não é bem aceito pelos organismos patogênicos, que o preferem em torno de 7. “Com essa variação, avessa aos microrganismos, também é possível fazer uma desinfecção. Então, o projeto como um todo tem objetivos como a bioenergia, mas também uma desinfecção do esgoto que será despejado no rio”, completa o pesquisador.
Dependendo das circunstâncias, pode haver a redução de mais de 90% das bactérias, sem precisar usar desinfetantes.
Outro problema encontrado no esgoto são os fármacos e produtos de uso pessoal. “No tratamento atual, remove-se os materiais mais facilmente degradáveis, enquanto os compostos mais complicados ficam lá. Isso acontece no mundo todo, não somente no Brasil. Nas saídas das estações de tratamento de esgoto (ETEs) se acha resíduos de remédios, isso cria resistência também dos microrganismos, pois as bactérias na natureza estão sendo acostumadas a receber o tempo todo x microgramas por litro de antibiótico e assim ficam cada vez mais resistente”, afirma Marc.
Os pesquisadores querem então verificar se com esse processo também é possível remover uma quantidade dos fármacos e remédios residuais.
As algas utilizadas são provenientes de exemplares retiradas da vinhaça represada na usina de álcool e açúcar onde, em 2008, a pesquisa começou. São algas bem resistentes, porque nos efluentes da usina suportavam o pH extremamente ácido.
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