Esperança de revitalização e clientela fiel fazem comerciantes persistirem na antiga rodoviária
Apesar do clima hostil e o aparente abandono no antigo Terminal Rodoviário, é inevitável para quem nasceu ou vive há tempos em Campo Grande visitar o local sem relembrar as histórias vividas ali. É nesse ambiente nostálgico que alguns comerciantes sobrevivem de esperança e pela fidelidade de clientes antigos que o sustentam. Não só dentro […]
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Apesar do clima hostil e o aparente abandono no antigo Terminal Rodoviário, é inevitável para quem nasceu ou vive há tempos em Campo Grande visitar o local sem relembrar as histórias vividas ali. É nesse ambiente nostálgico que alguns comerciantes sobrevivem de esperança e pela fidelidade de clientes antigos que o sustentam.
Não só dentro do antigo terminal rodoviário, desativado há uma década, como no entorno é possível ver a situação caótica dos barracos e colchões espalhados que se misturam aos frascos de pinga e marmitas vazias que assusta quem não está acostumado, mas ambiente comum para quem trabalha na região todos os dias.
Comumente confundidos como um só, os espaços da Estação Rodoviária Heitor Eduardo Laburu e o Centro Comercial Condomínio Terminal Oeste, pouco têm em comum, a não ser o espaço que ocupam.
Dono de uma estrutura de dar inveja, apesar das avarias pelo tempo, o local que tem sido alvo da Operação Laburu – que tem como objetivo coibir o consumo e a distribuição de drogas no local – o prédio do Centro Comercial existe há 44 anos e abriga muitos comerciantes, entre antigos e novos, que acreditam na revitalização do espaço.
Há 42 anos vendendo óculos no local, Paulo Pereira diz que a confusão entre os espaços dificulta a situação. “A rodoviária foi ali e não é mais, aqui é o centro comercial, a única coisa é que somos vizinhos e antigamente prestávamos serviço, então é importante explicar. Mas aqui é nossa propriedade, é o nosso espaço de trabalho e tem adversidades como em qualquer lugar da cidade”.
Ele continua. “Aqui é o melhor lugar do mundo, já visitei vários lugares, todos têm suas dificuldades, mas eu não trocaria aqui por nada. Eu tenho meus clientes fiéis, claro tem seus problemas, a região toda do bairro Amambaí está abandonada, não houve um planejamento quando a rodoviária foi desativada e o espaço ficou aberto, e então a população de rua vem mesmo, porque vê a comodidade do lugar”, destacou Paulo.
Para Paulo, a falta de planejamento para o espaço acabou proporcionando a atual situação de aparente abandono do local. “Não houve um planejamento para o espaço e a população de rua vê aberto e se instala mesmo, mas aqui tem famílias trabalhando. Fizemos nossa história aqui, nós temos nossos funcionários, temos mais de 30 terceirizados no prédio, tem o valor econômico também. Acreditamos na revitalização do espaço”.
Portas abertas
Com 233 salas distribuídas por todo o centro comercial, atualmente 40 lojas estão com as portas abertas, mas existem muitas que funcionam como depósito e não estão abandonadas como conta a síndica e administrativa Rosane Nely Lima.
“Isso aqui não é um prédio abandonado, são 92 proprietários de salas é um espaço que tem dono e os donos estão cuidando. A revitalização do espaço vai fazer muita diferença, nós não queremos sair daqui. Criamos nossos filhos e agora estamos criando nossos netos. O bairro Amambaí, o Centro Comercial são o coração de Campo Grande”, ressalta.
Mas o espaço não é de propriedade apenas do setor privado e para Rosane é importante o trabalho em conjunto com o poder público para resgate do valor histórico do local. “O que precisa aqui é de união para resgatar a história. Esse espaço tem valor histórico, ninguém quer sair daqui. Tem loja de roupa, salão de beleza, loja de artesanato, tem comida. A gente acredita no valor desse espaço. Precisamos trabalhar juntos para isso”.
Além das operações policiais, que têm sido vistas como um avanço nas melhorias, para os comerciantes é importante que haja um projeto e que ele seja colocado em prática. “A pessoa que vem para Campo Grande a trabalho fica em um dos hotéis aqui da região, aqui fica 70% da rede hoteleira da Capital. As operações da polícia são importantíssimas, mas é preciso entender a importância do projeto para o espaço e que ele precisa ser posto em prática, senão a imagem que vão levar de Campo Grande vai ser desse centro abandonado. É preciso que se preste mais atenção na região do Amambaí”, desabafa Rosane.
‘Uma ótima oportunidade’
Há quatro anos no Centro Comercial, a costureira Lidia Ramona Moraes Nunes, conta que foi parar ali por indicação e que apesar de todas as adversidades foi uma ótima oportunidade. “Eu moro perto do Aeroporto, aluguei um salão aqui por dois anos, e há dois comprei esse espaço. Nossa para mim tem sido muito boa essa região. Se olhar de fora parece perigoso e que não tem movimento, mas aqui temos muita segurança e minha clientela fiel”, conta.
O silêncio também tem sido importante para que Lídia continue no espaço. “Pro meu trabalho esse sossego aqui e o silêncio ajudam muito na hora de costurar. Eu estou muito feliz aqui mesmo, foi uma ótima oportunidade. Os moradores de rua estão lá fora, eles não desrespeitam a gente. Agora estamos na expectativa de revitalização, porque eu pretendo permanecer aqui enquanto conseguir trabalhar”.
Do outro lado da rua
Do outro lado da rua uma portinha laranja com algumas bolsas e um senhor com a cabeça tomada pelos cabelos brancos chamam a atenção. Sozinho ali com seus pensamentos, Paulo Roberto Capellari, aos 72 anos, insiste em manter as portas abertas porque gosta de trabalhar.
“Infelizmente a região está desvalorizada. Estou aqui há 33 anos estou aqui com minha esposa. O comércio ficou fraco depois que desativaram o terminal rodoviário, todos os problemas ali dentro afetam a gente aqui fora. Eu ainda estou com as portas abertas porque gosto de trabalhar, mas não dependo disso aqui para sobreviver”, conta.
Sobre roubos na região ele conta que nunca sofreu, mas que atualmente alugar o salão comercial que ele tem ao lado da loja de bolsas tem sido um martírio. “Eu alugava para um alfaiate, mas o ramo está extinto, ele saiu e agora estou tentando alugar outra vez. Já até baixei o preço, mas ainda assim é difícil, a região está desvalorizada. O que me sustenta são as kitnets que alugo”, explica.
‘Estamos apostando na revitalização’
Caminhando mais um pouco pela rua Barão do Rio Branco, alguns salões reformados se destacam na região tomada pelo desgaste do tempo. O espaço que abriga uma lotérica, serve também de aposta para o casal Paulo Barros e Cristiane Ramai, que alugam uma das salas há quase 2 anos para dar vida ao sonho de ter um salão de beleza.
“Eu apostei aqui, mesmo pagando aluguel e dificuldade na captação dos novos clientes, a gente está conseguindo caminhar. Eu não quero sair daqui dificuldades tem em todo lugar”, conta Cristiane.
Já para o marido Paulo, muitas vezes a vontade de baixar as portas é grande, e o sonho e persistência da mulher é o que motivam a continuar. “Tem dia que é bem difícil. Você chega e a calçada tá tomada, o preconceito com a região é grande, mas a gente ainda tem outras fontes de renda então não é tão pesado, apesar de ter dia que a vontade de baixar as portas bate grande. Nós chamamos para nós a responsabilidade, ela (Cristiane) tem muito mais vontade de insistir”, desabafa.
“Se a gente olha essa estrutura do prédio da antiga rodoviária é de dar inveja, isso foi feito para durar. A revitalização vai fazer diferença para quem está na região, e eu acredito que ela vai sair dessa vez. Não é possível, isso aqui é centro da cidade. Eu vi a região do calçadão da Barão mudar, só precisa investir no espaço”, diz Paulo é engenheiro de formação.
‘Vi 90% dos antigos indo embora’
Para Israel Massato, o impacto na desativação do terminal rodoviário foi grande. Há 20 anos ele trabalha com a venda de passagens na região. “Eu tinha um guichê dentro da rodoviária e aqui fora, então a gente sobrevive do resto que sobrou de gente que confia no nosso trabalho. Os clientes fiéis mantem a gente de porta aberta, e eles fazem a propaganda para os novos”.
Além do ponto fora, Massato é dono de sala dentro do Centro Comercial e apesar de não ter muita esperança, aguarda a revitalização. “Tem espaço e estrutura para investir. A maioria dali de dentro é proprietário, todo mundo passa dificuldade, tem que investir. Alguma coisa precisa ser feita. Eu vi 90% das pessoas antigas aqui indo embora porque não tinham mais esperança”, conclui.
‘Clientela caiu de forma gradual’
Tradicional na região, o hotel que existe há 44 anos, sentiu aos poucos a clientela diminuir desde 2009. Para o gerente Lucas Tortorelli, que trabalha no local há pouco mais de 10 anos, desde o fechamento do terminal até a deflagração das operações trazer à tona o cenário para a mídia, os clientes foram se afastando aos poucos.
“Claro que a gente tem muito cliente fiel, os que vem fazer turismo de negócios, mas tem muita gente que desiste quando chega na porta. Não dá nem para usar a rodoviária como ponto de referência, e ainda tem os motoristas que falam que a região é perigosa, então a procura cai”, explica.
Recepcionista no local há 5 anos, Celso Moreira, ressalta que infelizmente selecionar quem se hospeda é essencial na atual circunstância. “Aqui é um hotel antigo, para não perder a credibilidade na atual circunstância a gente precisa às vezes rejeitar cliente que a gente pode ter problema, não é fácil a situação”, conta.
Sobre a repercussão dos possíveis hotéis que seriam entrepostos de drogas impactar na procura do local, Lucas destaca que a história e os clientes que conhecem o ambiente são essenciais. “Nós somos muito antigos aqui e temos nossos clientes fiéis que acabam indicando e isso ajuda a manter as portas abertas”, conclui.
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