A extensa plantação de eucaliptos, que acompanha funcionários e pacientes desde a entrada do Hospital São Julião, na região norte de , forma um corredor que vai abrindo para um “mundo verde”. São cerca de 500 espécies nativas e exóticas que trazem o ambiente calmo e acolhedor. Fruto de muito trabalho, a mesma consciência é estampada nas paredes, lixeiras e em todo entorno, tornando a unidade de saúde pioneira ao reciclar 9 toneladas de resíduos mensalmente e caminhar rumo ao primeiro “lixo zero do país”.

No São Julião, a política ambiental existe desde o ano 2000. “Foi quando começamos a nos preocupar seriamente com a questão do lixo. Depois, em 2012, fechou o lixão e mudou o cenário da gestão de resíduos. Em 2014, a coleta seletiva foi implantada dentro do hospital. Já em 2019, entrou a lei dos grandes geradores, então, cada gerador passou a se responsabilizar pela gestão do resíduo, desde a geração, passando pela segregação, coleta, transporte até o destino final correto”, explicou ao Jornal Midiamax Bruno Maddalena, encarregado de política ambiental.

Trabalho de destinação correta é feito no Hospital São Julião. (Henrique Arakaki, Midiamax)
Trabalho de destinação correta é feito no Hospital São Julião. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Conforme o encarregado, foi difícil no começo, por uma série de questões, mas, aos poucos, a equipe viu que era possível fazer uma coleta seletiva eficaz e eficiente, considerando a recuperação dos materiais recicláveis feita atualmente no galpão, chamado de residuário. “E, no caso da recuperação dos resíduos orgânicos, que são da cozinha, vão para horta para fazer a compostagem, em um sistema paralelo que temos”, explicou.

Hospital já destinava acima de 50% dos resíduos em 2016

Em 2016, o setor constatou que, acima de 50% dos resíduos já estavam tendo a destinação correta, sem sequer passar pelo aterro. “Foi aí que eu fiz o primeiro contato com o Instituto Lixo Zero do Brasil, que é uma referência, muito conhecido e que é como se fosse uma versão brasileira de um movimento que existe no mundo inteiro, há mais de 15 anos. Eles então me disseram que, se a gente comprovasse, com a documentação necessária, que realmente desviamos acima de 50%, poderíamos ter um selo rumo ao Lixo Zero e que nenhum hospital no Brasil possui e talvez nem na América Latina”, contou Maddalena.

Com a notícia animadora, Bruno e a equipe ambiental alavancaram ainda mais o projeto. “A diretoria atual, no comando há um ano, adotou plenamente esta política e assinou o ‘compromisso Lixo Zero' com o Instituto, no mês de maio. Pouco antes nós lançamos a campanha e, em junho, já convidamos o presidente Rodrigo Sabatini, que veio aqui junto com o embaixador italiano, em , porque a embaixada italiana é lixo zero”, ressaltou.

Equipamento chamado de Monalisa fica no residuário. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Agora, o São Julião aguarda o resultado de uma auditoria do Instituto. “Estamos em processo de certificação e colhendo os frutos agora. E estão muito bons, porque, com certeza, já estamos rumo ao selo lixo zero do Brasil”.

O que significa o termo Lixo Zero?

O movimento, em prol de uma sociedade sem lixo, é específico para quem comprova mais de 90% do desvio do aterro sanitário. No entanto, é possível imaginar a complexidade disto para um hospital? É difícil, mas, não é impossível.

“Nós estamos, comprovadamente, na faixa de 80% a 85% de destinação correta, já considerando todos os resíduos gerados, inclusive da jardinagem, os infectantes, os rejeitos, de construção civil, todos oriundos desta grande atividade, mas, nós não conseguindo chegar aos 90%, almejamos primeiro o selo e depois seguimos rumo ao Lixo Zero, que nenhum hospital tem no Brasil tem e dizem na américa latina também”, disse o encarregado do São Julião.

Professora universitária é embaixadora do lixo zero em MS. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Neste período, os funcionários passaram por capacitação, o que inclui palestras de sensibilização na administração, lavanderia, manutenção, cozinha, enfermagem, diretoria e chefes dos setores. “Implantamos a coleta com a colocação das lixeiras coloridas, em 2014 a 2015, além de instalar banners, faixas e adesivos, todas com a identificação do nosso projeto, para o pessoal presente se ligar no assunto, principalmente, porque a gente sabe que aqui em Campo Grande não tem uma cultura de coletiva seletiva. É um público bem limitado que se interessa, mas, já estamos vendo resultados”, avaliou o encarregado.

Há dois anos, no entanto, o projeto deu um salto ainda maior. “Solicitamos a cedência de um galpão parado aqui e aí conseguimos melhorar o movimento dos materiais, o movimento dos caminhões e calculamos, ao mês, de duas a três toneladas recicladas de plástico, papel, papelão, metal e orgânico. No caso do resto da cozinha, o cálculo é acima de seis toneladas”, argumentou Maddalena.

Chiqueiro desativado se tornou residuário do hospital

Encarregado mostrando compostagem feita no Hospital São Julião. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Ou seja, o chiqueiro onde antes era praticada a suinocultura se tornou o residuário do São Julião. “A criação dos porcos já tinha acabado há alguns anos e decidimos dar um novo destino ao espaço. Fizemos algumas reformas, pintura e ali fazemos toda a preparação para atender a necessidade do comércio e dos compradores que exigem a que fazemos”, explicou o encarregado.

Após este processo, materiais como papel, caixinhas de remédio e papelão vão parar na “Monalisa”, nome dado a prensa. “Por todo este trabalho, ganhamos recentemente um prêmio no Estado de , como amigos do meio ambiente. São necessários muitos princípios, não é somente o desempenho, mas, agora estamos no foco em destinar, corretamente, mais de 90% dos resíduos sólidos gerados aqui e isso inclui muita precaução, no sentido de eliminar o uso de materiais tóxicos no processo de produção” coisa que pode fazer e que não permite fazer”, afirmou Bruno.

Além da “Monalisa”, um relógio criativo com a frase “Recicle seus resíduos e suas ideias” também chama a atenção no local. Próximo, ainda é possível ver uma horta, em que é possível ser aplicado o Método Lages de compostagem. Neste processo, o material é misturado diretamente com madeira triturada e depois é feito o plantio das mudas.

Santa Casa também decidiu implantar ‘lixo zero'

Santa Casa também inicia projeto ambiental. (Henrique Arakaki, Midiamax)

O Hospital São Julião, mesmo não sendo este o intuito principal, saiu inspirando outras unidades de saúde, como a Santa Casa e o HRMS ( de Mato Grosso do Sul). A primeira, no caso, possui 3,6 mil funcionários, um número dez vezes maior que o São Julião. No entanto, mesmo ainda engatinhando, a coordenadora de higienização, Mariana da Rocha, sonha alto com o projeto.

“Esta foi uma iniciativa da nossa diretoria, que foi pessoalmente conhecer o projeto do São Julião e depois me incumbiu desta missão. Existe, claro, uma grande diferença de realidades, já que o São Julião é um hospital ainda pequeno e a Santa Casa de grande porte, então, vamos entender essa dimensão do projeto agora, caminhando no nosso trilho. São expectativas diferentes, são setores diferentes e vamos trabalhar com cada um de forma específica, já que cada um produz um tipo de resíduo”, afirmou Mariana ao Jornal Midiamax.

Aos poucos, conforme a coordenadora, a intenção é ver “o que funciona na Santa Casa, com o volume da Santa Casa”. “Assim como o São Julião, queremos também a certificação, porém, o nosso foco é o caminho que vamos trilhar, esse percurso, de ter essa redução de resíduos, de dar um caminho melhor, é o mais importante. É um trabalho audacioso, que tem uma dimensão e impacto muito grande, não só para Santa Casa, mas, para a sociedade, porque vamos implementar uma ação que não é feita nos hospitais”, opinou.

Desta forma, o departamento responsável já está realizando palestras de conscientização, bem como pensando em novos projetos.

“A intenção do lixo zero não é não produzir lixo. É reduzir, porque vamos repensar, reutilizar, reciclar e transformar, dar um destino melhor para este resíduo, então, vamos tirar a imagem de lixo, de que todo este material é descartável, que é sujo e vamos começar a repensar toda vez que usamos um papel sulfite. Por exemplo: utilizar os dois lados, temos que aprender a realmente fazer a mudança desta cultura interna, não só dentro do hospital, mas, interna como pessoa, civilização, sociedade, coletividade, porque quando a gente pensa no impacto ao meio ambiente e em tudo que isso vai decorrer ao longo prazo, nós estamos fazendo um trabalho de formiguinha que, a longo prazo, teremos resultados surpreendentes”, argumentou Rocha.

Nas últimas semanas, a coordenadora diz que está sendo feita a troca gradativa das lixeiras, bem como pacientes e acompanhantes estão sendo orientados dos locais de descarte de cada resíduo. “Nosso papel vai ser reciclado, nosso resto orgânico vai ser compostado, estamos vendendo os galões. Aqui temos muito galão, papelão, papel e agora estamos com residuários espalhados pelo hospital, então, a gente precisa de uma força-tarefa maior e acreditamos que, quanto mais pessoas engajadas, envolvidas, com o propósito de redução do lixo, vamos diminuir esse resíduo dos aterros sanitários e de incineração”, ressaltou.

Coordenadora fala que 240 lixeiras foram adesivadas. (Henrique Arakaki, Midiamax)

Assim, na Santa Casa, os perigosos e os não perigosos, os infectantes e os não infectantes, o lixo comum (rejeito) e os reciclados serão classificados e destinados da melhor maneira.

“A aceitação está sendo surpreendente. Vejo que muitos já começaram a se identificar e se colocar no lugar de agente, quem realmente vai produzir, então, entendemos que é contínua a capacitação e educação dos profissionais e circulantes. Tive até uma grata surpresa com uma paciente esses dias, contando das atitudes dela em casa e dizendo que precisamos fazer isso pelo planeta e pela nossa sobrevivência”, finalizou.

A paciente a qual ela se refere é a policial penal aposentada Leila Alves da Silva, de 58 anos. Ao saber do projeto, ficou muito contente e disse que pratica a coleta seletiva em casa há muito tempo. “Me preocupo com os coletores, coloco vidro nas caixinhas de leite quando quebra lá em casa e também faço a compostagem. Muito boa a iniciativa dos hospitais em fazerem isso”, comentou.

Veja como funcionam os projetos dos hospitais em Campo Grande:

‘São Julião será nosso consultor', diz presidente do HRMS

A diretora-presidente do HRMS (Hospital Regional de Mato Grosso do Sul), Marielle Alves Corrêa Esgalha, ressalta que também visitou o São Julião para entender melhor o projeto. “Queríamos ver na prática o lixo zero e o que combinamos, em princípio, é que vamos montar uma estratégia e eles serão como se fossem nossos consultores, nos ajudando no nosso projeto de implantação, então, eles estão em uma etapa muito avançada e a gente ainda pensando por onde vamos começar”, argumentou.

Conforme a presidente, funcionários fazem um levantamento interno do HRMS. “Estamos vendo o local de instalar as lixeiras, qual tipo será, que tipo de lixo produzimos e em que quantidade, então, são análises que temos que fazer para poder começar o projeto. A partir daí, vamos estabelecer que lixeiras serão colocadas em cada ambiente e que tipo de resíduo, produzido por nós, pode ser reciclado, então, este é o primeiro passo da nossa tarefa e aí, junto com eles, que serão nossos consultores, vamos conseguir deslanchar no projeto”, opinou.

Diretora do Hospital Regional de Mato Grosso do Sul. (Bruno Rezende/Arquivo Pessoal)

O resíduo sólido está incluso em qual lei?

A PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos), prevista na lei 12.305/2010, tem como base a experiência de países desenvolvidos e visa ao desenvolvimento sustentável, além do combate à poluição, à demanda por inovação e à tecnologia e à geração de empregos, considerando que o Brasil é um dos maiores produtores de lixo do mundo.

Foto: Agência Brasil

Com relação à água utilizada nestes locais, que usufruem do serviço da concessionária local, também existe o compromisso em atender as cinco metas de governança e integridade até 2030.

A Águas Guariroba, que faz parte da holding signatária do Pacto Global da ONU, apoia o projeto e também atua com os princípios ESG – sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança.

Outras ações também refletem nos indicadores operacionais concessionária e apontam que Campo Grande, atualmente, é uma das capitais do Brasil com o menor índice de perdas de acordo com dados do Ranking Nacional do Saneamento, elaborado pelo Instituto Trata Brasil com informações do SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento).

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