Relatos de esperas e descasos

O SUS (Sistema Único de Saúde) foi regulamentado no dia 19 de setembro de 1990. Nos seus 26 anos, relatos colhidos pela reportagem do Jornal Midiamax em frente ao CEM (Centro de Especialidades Médicas), nos dias 13 e 14 de setembro mostram que não há muito a se comemorar. Os vários depoimentos colhidos relatam espera de meses por uma consulta ou de anos por um exame. Consultas canceladas sem avisar o paciente, procedimentos não realizados por falta de profissional, falta de medicamentos, descasos.

A vendedora Ilenir Martins Ferreira, de 48 anos, contou que esperava há 6 meses por um retorno com um endocrinologista. “Faço tratamento de tireóide e há um ano não faço exame. Só agora que me chamaram para a consulta de retorno, que deveria ser em 6 meses” conta dona Ilenir. Além disso, ela passou por uma consulta na caravana da saúde e ainda não foi chamada para realizar os exames solicitados da especialidade de ortopedia.

Dona Maria Pereira, de 49 anos, passa por muitos problemas cuidando do marido, Silvino Correia Araújo, de 60 anos, que é cardíaco. Ela foi ao CEM para pegar o resultado de um exame, mas o expediente para entrega havia terminado às 16h e ela chegou alguns minutos depois. “Achei muito cedo. Era pra pegar há 10 dias, mas ele teve crise, tive que levar no UPA e não consegui vir antes”, relata ela.

O marido de dona Maria faz tratamento há muito anos e quando tem crises não é fácil conseguir ambulância que o leve para atendimento. “Ele passou mal e chamei os bombeiros, mas não puderam me atender. Acionei minha agente de saúde e ela pediu o Samu, mas ela teria de estar presente para relatar aos paramédicos da ambulância. Fiquei indignada! Com a condição dele, o caso dele é urgente, ele tem crises repentinamente”, reclama ela. Mas dona Maria diz que o maior problema são as unidades de pronto-atendimento: “não tem lençol, está tudo sucateado. No Aero Rancho, no Leblon, no Universitário. É uma humilhação”, indigna-se ela.

No dia do SUS, pacientes se queixam da saúde e quem pede socorro é o sistemaSeu Lázaro Magalhães, de 63 anos, trabalha com serviços gerais e tem problema na coluna. Segundo ele, a espera sempre é grande. “Levou 3 anos para me chamarem para fazer uma ressonância. Consegui fazer no mutirão da Sesau, pela Unic.” Apesar da demora, seu Lázaro se diz satisfeito com o atendimento. “Os retornos demoram dois meses. Quando há pedido de exames, leva um mês pra chamarem. Depois que o exame é feito, demora alguns dias pra pegar o resultado. Para marcar retorno, são mais uns 20 dias. Mas é muita gente, não dá pra ficar brabo, não adianta, não vai resolver”, diz ele.

Mesmo em casos de urgência a morosidade impera. A doméstica Lenira Camilo Silva, de 39 anos, que mora em Chapadão do Sul, fez histerectomia total em março, mas o resultado da biópsia chegou somente no final do mês de agosto. “Fiz a cirurgia em março, em Chapadão do Sul, distante 331 quilômetros de , e quando a biópsia chegou, veio com diagnóstico de carcinoma maligno e o exame dizia que a periferia estaria comprometida”, relata ela, com semblante preocupado.  

Lenira conta que com o diagnóstico em mãos, os atendimentos foram rápidos. “Passei por uma consulta dia 5 de setembro, no dia 9 fiz a ressonância magnética e hoje (14) peguei o resultado da tomografia. Dia 24 tenho retorno com o médico no Alfredo Abraão”. Segundo ela, os exames foram feitos no Hospital Alfredo Abraão, Unic e Sonimed, tudo pago pelo SUS.

Duas viagens perdidas! É o saldo de Elias Rodrigues Dias, de 38 anos e seu pai, Osvaldo Rodrigues Araújo, de 68 anos. Seu Osvaldo tem uma mancha na pele e vieram de Chapadão do Sul para fazer uma biópsia. No setor de oncologia não foram atendidos porque não havia farmacêutico. “A médica disse que não poderia fazer a biópsia. Ela remarcou para daqui um mês porque vai entrar de férias”, relata ele, que coordena uma equipe de construção e, a cada vez que vem acompanhar o pai, perde um dia de serviço.

A doméstica Esmerinda de Souza Cardoso, de 59 anos, precisava de consulta com ortopedista especialista em pés há 4 meses. “Tenho esporão no pé”, conta ela. “O médico do posto fez o pedido do exame e foi realizado no dia 13 de maio. Só agora me chamaram para o retorno. Está difícil trabalhar, subir escada é uma dificuldade”, lamenta ela.

O estudante Othon Rosalindo de Oliveira Greff, de 15 anos chegou a perder um tratamento por conta da demora e da burocracia para marcar retornos. A agente de saúde Iranilda de Oliveira Greff, de 49 anos, mãe de Othon conta que ele faz tratamento com cardiologista desde os 9 anos. “Ele tem sopro. Não é um problema muito grave, mas a médica que atendia ele no Hospital Rosa Pedrossian queria fazer encaminhá-lo para outro cardiologista. Antes de ele completar 15 anos ela passou um tratamento de 30 dias e precisaria ser marcada uma consulta no final desse tratamento, mas não teve jeito, a consulta só saiu com dois meses. O tratamento foi perdido e a médica não conseguiu fazer o encaminhamento para o cardiologista que ela pretendia”, relata ela concluindo que o serviço é bom, mas há muito o que melhorar.

Além de todos esses relatos há muitas pequenas histórias de descasos. Dona rosa Nunes da Silva, de 62 anos, relatou que veio com o marido Valdir da Silva Rosa, de 75, para uma consulta oftalmológica, mas quando chegaram foram avisados que o médico estava em cirurgia. O aposentado Dorival rodrigues Quadros, de 78 anos, que fazia a troca de curativos em sua perna afetada pela trombose de 8 em 8 dias, será atendido agora de 15 em 15 dias. Relata ainda que desde maio está comprando o medicamento que toma, pois no posto está em falta. Amanda Rodrigues, estudante de 22 anos, teve uma torção no pé, passou por atendimento na Santa Casa. Na consulta realizada no CEM, 3 dias depois, ela conta que o médico nem olhou o pé, somente retirou a tala e disse para voltar se o pé ficasse inchado ou apresentasse hematomas.

A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública) foi consultada pela reportagem do Jornal Mìdiamax durante toda a semana que se passou, porém não enviaram pronunciamento sobre os problemas relatados até o fechamento desta reportagem.