Tucano vítima de mau-tratos ganha bico feito em impressora 3D
Animal já consegue se alimentar normalmente com o novo bico
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Animal já consegue se alimentar normalmente com o novo bico
Após perder a parte de cima do bico em virtude de maus-tratos de traficantes de animais, a tucana Tieta usava a parte de baixo para jogar pedaços de mamão para o alto e engoli-los. Mas, a cada três pedacinhos lançados, só um caía em sua boca. Agora, com a ajuda de uma impressora 3D, Tieta não precisa mais fazer malabarismos. Ela ganhou um novo bico e já consegue se alimentar normalmente com ele.
“Nos primeiros três dias após a cirurgia tentamos dar frutas, mas ela não entendeu que já tinha um bico e não conseguia comer. Mas quando passei a usar iscas vivas, como larvas e baratinhas, ela pegou imediatamente”, diz Roched Seba, diretor do Instituto Vida Livre, que coordenou o projeto. “Provavelmente ela havia comido isso quando estava em liberdade, então a memória de como usar o bico veio instintivamente”, acrescenta.
Tieta foi resgatada de uma feira de venda ilegal de animais silvestres no Rio de Janeiro em março. Chegou ao centro de triagem do Ibama em uma caixa de papelão com outro tucano, bem maior do que ela. Estava magra, desnutrida e já sem parte do bico.
“Não sabemos se houve uma briga entre os tucanos, que foram mantidos em um espaço muito pequeno pelos traficantes, ou se foram eles mesmos que ocasionaram a perda do bico. Mas, de qualquer forma, ela foi vítima de maus-tratos”, diz a coordenadora do centro de triagem, Taciana Sherlock.
Taciana diz que nunca havia visto um animal vítima de tráfico chegar com um trauma tão grande. Segundo ela, tucanos do bico preto como Tieta são comuns em feiras de comércio ilegal de animais silvestres. Quando eles são criados em cativeiro e vendidos de forma legal, custam até R$ 15 mil.
Após se restabelecer no centro de triagem, o animal foi cedido pelo Ibama para o trabalho de reabilitação em maio. O bico foi implantado no dia 27 de julho.
Impressão
Foram duas horas até que a impressora 3D imprimisse o novo bico, que tem pouco mais de 4 centímetros e pesa 4 gramas. Mas o trabalho de produção levou cerca de três meses.
O desafio da equipe, que envolveu três universidades e outras instituições, era fazer uma prótese leve e resistente sem nenhuma outra para servir de inspiração – um projeto semelhante, com outro tipo de tucano, estava sendo feito em São Paulo, mas as duas equipes não sabiam disso. A prótese no tucano verde foi implantada dias antes.
Tucanos mutilados costumam receber bicos de outros animais, mas é difícil achar um que seja compatível. Além disso, o bico do animal morto se deteriora mais rápido. Por isso o grupo optou pela prótese 3D.
Trabalhando com ensino de design com impressoras 3D para crianças, o designer Gustavo Cleinman, da Coppe-UFRJ, nunca havia feito nada com animais. “A princípio deu um frio na barriga, mas depois todo mundo se afeiçoou a ela e viu que ela precisava mesmo”, afirma.
O grupo usou o bico de um animal morto como molde e, com ajuda de um programa de computador, passou a ajustar o modelo para que se aproximasse o máximo possível do bico original de Tieta. Foram quatro tentativas até chegar a prótese implantada, presa com ajuda de parafusos.
Ela foi pintada com esmalte preto e recebeu resina de polímero de mamona, tecnologia brasileira. Como a impressão 3D ocorre por camadas, a resina é importante para vedar o bico e evitar que água e outros materiais se acumulem.
A cirurgia foi feita em 40 minutos, mas era de risco porque o animal – que pesa cerca de 300 gramas – recebeu anestesia geral.
Segundo o veterinário Thiago Muniz, porém, não há risco de rejeição, já que a prótese foi implantada na parte do bico que é feita de queratina.
Muniz diz que o bico, além de ser importante para a alimentação, permite que o tucano estimule uma glândula que impermeabiliza suas penas para que ele se molhe menos na chuva. Após a implantação da prótese, Tieta já está fazendo isso com sucesso.
Todos as universidades e instituições que participaram do projeto o fizeram de forma voluntária. Não seria algo barato – na Costa Rica, uma vaquinha on-line arrecadou US$ 10 mil para viabilizar o uso de técnica semelhante com um tucano sem bico, mas a cirurgia ainda não foi feita por problemas técnicos.
Futuro
E qual será o destino de Tieta agora? Apesar da prótese, a tucana não pode voltar a ser solta na natureza. Cabe ao Ibama decidir se ela irá para um zoológico ou um santuário.
O Ibama e o Instituto Vida Livre querem que ela seja exposta em um projeto educativo, que mostre os malefícios do comércio ilegal de animais e o sofrimento dos animais sujeitos a isso.
Mas uma coisa é certa: para onde ela for, irá acompanhada de um tucano macho, também vítima de tráfico, que o Ibama recebeu. O animalzinho também tem um problema no bico – um desencontro entre as partes de cima e de baixo que faz o bico ter forma de tesoura. Mas os dois poderão ter filhotes saudáveis e, com o novo bico, Tieta poderá dar comidas para eles. Os tucaninhos poderão ser soltos na natureza.
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