O Brasil foi notícia por dias em Portugal e reações foram da indignação ao deboche

Em viagem ao além-mar, psicanalista constatou como portugueses veem a política no Brasil

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Em viagem ao além-mar, psicanalista constatou como portugueses veem a política no Brasil

 

Embarquei para Lisboa dia 17 de abril passado, nesse domingo de tarde em que o Brasil inteiro estava assistindo seus políticos atuarem. Deixei o solo pátrio no começo da votação do impedimento, sem saber seu resultado. Cheguei a terras portuguesas e, assim como muitos brasileiros no voo, queria saber o resultado: impedimento aceito.

E assim passaram meus dias: andar pela cidade, ir a livrarias, restaurantes, museus e pontos turísticos nessa cidade que gosto tanto e que estava apresentando a uma adolescente que a via pela primeira vez. O show do impedimento repercutiu nos noticiários da cidade a semana toda. E por três ângulos: de indignação, de enigma e de deboche.

Começo pelo deboche. Quando um comentador político, no jornal da RTP, iniciou o tema Brasil, na segunda à noite, dia 18, e o fez assim “pela minha sogra, pelo meu cachorro e pelos meus priminhos lá na cidade onde vivo, eu digo sim”, eu não entendi nada. Abri o Facebook e vi uma charge que uma amiga postou, em que um homem assaltava duas pessoas dizendo “pela minha família, pelos meus pais, por meu Deus, mãos ao alto”. Não entendi nada. É impressionante como tudo é tão rápido nessas mídias digitais, você fica doze horas desconectado e já está obsoleto, fora de órbita. Somente no jornal mais tarde, em que passaram trechos da votação, pude entender os deboches. Passou no jornal uma matéria especial sobre a deputada Raquel Muniz, com seus pulinhos e seu marido motivo de orgulho, preso no dia seguinte por desvio de verbas na saúde pública e usada nos hospitais particulares da família. E no dia seguinte, e no outro, ela foi tema dos jornais. Virou celebridade lisboeta por uns três dias. Esqueceram até um pouco de Dilma Rousseff e Eduardo Cunha.

A indignação pelo impedimento é por ser uma presidente sem um processo criminal contra ela, sem enriquecimento ilícito, a ser julgada por uma câmara que está “a dever à justiça”. Os jornalistas e comentadores políticos não isentaram os erros do governo, a baixa popularidade, a crise econômica que se deflagrou agora, mas que vem de erros dos últimos governos e que esse atual, não soube administrar. Não foi esquecido que o Partido dos Trabalhadores também está envolvido com corrupção assim como os outros. Também foram criticadas as campanhas políticas milionárias, financiadas na surdina pelas empresas, e que todos os partidos querem assim, não fazem nada para mudar. Inclusive o PT. Mas, mesmo com tudo isso, a palhaçada do dia 17 continuou a repercutir na mídia. Uma trupe de bandidos. Digo essa palavra, bandidos, porque assim foi usada pelo comentarista e grande escritor – conhecido nosso no Brasil, escreveu um livro que se passa aqui, namorou uma atriz brasileira – Miguel Souza Tavares.

Torre de Belém, em Lisboa / Divulgação

E com isso, chego ao enigma para eles: Eduardo Cunha. Como é possível que um homem assim tenha tanto poder e não caia?

O tema onipresente em Portugal nesse momento é a corrupção, até por isso o momento brasileiro suscita tantas análises. Os jornalistas portugueses estão batendo muito em cima do Caso Panamá Papers. Estão surpresos – e acham inaceitável – com o que foi revelado: duzentos grandes empresários portugueses estavam com dinheiro escondido no Panamá.  Em terras lusas, o dinheiro no Panamá é o tema de todo jornal. E juntam a isso Eduardo Cunha: também ele está na lista do Panamá. E com contas na Suíça também. Nosso vice-presidente é tão apagado que nem o nome é citado, somente salientam que o vice-presidente está na lista de várias construtoras, delatado na Lava-jato. Ele é um sujeito sem nome, o vice-presidente.

O inadmissível: duzentos empresários expropriando a terra própria, escondendo dinheiro fora. Nós também aqui na terrinha temos nossos empresários na lista do Panamá, e ainda mais, menos envergonhados, colocam Pato de Tróia na polis para denunciar corrupções.

Eu, assistindo, só conseguia pensar numa coisa: eles nem falam – será que sabem? – que  um ex-baluarte da justiça, herói-temporário-brasileiro, também está na lista do Panamá. E com empresa fantasma com endereço de apartamento funcional do Supremo. E ninguém fala disso, ficou perdido entre tantos escândalos.

Divulgação / Arquivo pessoal

Essa tontice de coxinhas, petralhas, fora comunistas etc, eles nem falam. Resumem assim: “O Brasil está polarizado e o que é engraçado é que os dois lados querem o fim da corrupção. Nós, também, portugueses, queremos o fim da corrupção”. Nesse aspecto somos filhos-descendentes, irmãos de herança, de língua e de defeitos de nossos colonizadores: a corrupção endêmica viceja por aqui como por lá.

Mas também fazemos par em outras coisas: nos entrelaces da história, da língua, da culinária maravilhosa. Somos filhos desse povo português que navegou o mundo e o conquistou. Creio que temos uma qualidade a mais – no momento, um tanto apagada – a alegria. Há anos, um senhor disse-me: o que nos diferencia é que vocês tem o samba e são alegres, nós, o fado, e somos nostálgicos, tristes. Mostrou, assim, sua admiração pelos brasileiros. Também tenho minha admiração pelos portugueses: talvez porque já foram muito poderosos, desde antes que os EUA fossem os EUA – desde antes que eles existissem – os portugueses não têm idolatrias americanas, quase não se vê comida rápida americana, quase sem anglicanismos na língua (impeachment, offshore, papers, fast foods etc), sem grandes admirações por personalidades americanas. Dizendo mais claramente: eles são mais eles. Não têm nem o sentimento de inferioridade e nem essa mania de novo rico que o brasileiro tem.

E Lisboa é mais ela. E está lá, bela, recatada, com meandros escondidos, labirínticas ruelas milenares, mourarias e mirantes, pronta para ser descoberta a cada vez. Com ou sem corrupção. Mas os portugueses estão com mais esperança que nós de se livrar dela. Vou na onda.

 

*Andréa Brunetto é formada em psicologia e atua como psicanalista. É membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, funda­dora do Ágora Instituto Lacaniano de Campo Grande e autora de ‘Psica­nálise e educação: sobre Hefesto, Édi­po e outros desamparados dos dias de hoje (UFMS, 2008)’. A partir de hoje, colabora com o MidiaMAIS às quartas-feiras.

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