Pais lançam livro com cartas psicografadas de vítimas da boate Kiss
Um ano e 10 meses depois da tragédia que causou a morte de 242 pessoas em Santa Maria
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Um ano e 10 meses depois da tragédia que causou a morte de 242 pessoas em Santa Maria
Um ano e 10 meses depois da tragédia que causou a morte de 242 pessoas em Santa Maria, pais de sete vítimas do incêndio na boate Kiss se reuniram para lançar um livro com cartas psicografadas. Eles acreditam que as mensagens foram enviadas pelos filhos através de médiuns, como mostra a reportagem do Jornal do Almoço (veja o vídeo).
As cartas teriam sido enviadas por sete jovens. Na noite de 27 de janeiro de 2013, eles foram se divertir na casa noturna, mas morreram após o local ser tomado pelo fogo. “Estou melhorando e só a saudade é que me maltrata tanto”, diz uma das cartas, que teria sido enviada por Daniela Betega Ahmad.
A mãe de Daniela, Adriana Betega Ahmad, é uma das mães que está lançando o livro. Ela conta que procurou os médiuns para tentar endender o que aconteceu com a filha e também buscar um pouco de conforto. “É para tentar entender um pouco melhor por que tudo aquilo, por que tudo aquilo aconteceu”, relata Adriana.
Rose Simeoni, mãe de Stéfani, conta que um recado da filha a deixou mais calma durante uma consulta com médiuns. A mensagem que teria sido enviada pela jovem relata que ela fora socorrida pelo pai, já falecido na época do incêndio.
“Ela coloca que já estava fora da boate de forma muito rápida. E ela disse que alguém vestido de branco, um anjo, veio resgatá-la. E quando ela olhou para o rosto, ela reconheceu o pai dela. Esta parte da carta, para mim, foi a mais linda”, lembra Rose.
As cartas foram psicografadas por três médiuns de Uberaba, em Minas Gerais, e outro do interior de São Paulo. Com o livro, intitulado “Nossa Nova Caminhada”, as mensagens deixam de ser apenas de leitura exclusiva das famílias. As psicografias estão reproduzidas na íntegra na obra, que foi editada e custeada pelos próprios parentes.
Mariângela Pontes Gonçalves, mãe de Guilherme, sustenta que há detalhes nas cartas psicografadas que somente o filho poderia saber. Por isso, ela não tem dúvidas quanto à veracidade das mensagens.
“São muitos detalhes íntimos, detalhes de dentro de casa. Tem coisas que não teria como o médium saber, já que lá só se diz o nome da pessoa. Isso nos dá uma certeza absoluta de que elas são verdadeiras”, afirma.
O lançamento ocorreu na quinta-feira (27), dia em que a tragédia completou um ano e 10 meses, em Cachoeira do Sul, a cerca de 120 quilômetros de Santa Maria, cidade onde nasceu Guilherme. Apenas mil exemplares da obra serão vendidos.
“Não se preocupem. Em sua maioria, estamos todos bem”, está escrito em uma das cartas do menino. “Isso nos trouxe um conforto, uma paz no coração. Única coisa que a gente quer saber é se nossos filhos estão bem, aqui ou lá”, completa Mariângela.
Leia trecho
“Querida mamãe Mariângela e papai Ricardo, o senhor seja louvado.
Estou aqui em companhia da Stefani e da querida vovó Quirina.
Não vamos mais pensar no incêndio que nos vitimou em Santa Maria, no que nos sucedeu, como mais uma demonstração de Misericórdia Divina que dilui a dor que era nossa em 242 partes exatamente iguais… Felizmente não era nossa em 242 partes examente iguais… Felizmente não pudemos e, ainda não podemos chorar como se aquele sofrimento fosse apenas nosso.
Acredito, mamãe e papai, que muitas tem sido as manifestações espirituais em torno da tragédia que precisamos tentar minimizar em nossas lembranças.
Contudo, de minha parte compreendo que, no último quartel do século passado, mais de duas centenas de espíritos, desejosos de adentrar o Terceiro Milênio da Era Cristã sem maiores comprometimentos cósmicos reuniram-se no Mundo Espiritual e decidiram pelo resgate coletivo das faltas cometidas em séculos anteriores.
Claro que referidos compromissos não dizem respeito tão somente a nós outros, visto que, em maioria, aqueles que nos acolhiam na condição de filhos igualmente se encontravam comprometidos perante as Leis Divinas, que nos compelem as quitações de nosso débitos para com a consciência ceitil.
Em vidas que se foram, mamãe e papai, não raro, nos transformamos em incendiários e não foram poucos os filhos que, em nossas atitudes de violência, apartamos dos braços carinhosos de seus genitores.
Aqui nesta manhã, em nossa companhia orando conosco estão os irmãos Marcelo e Pedro, além de outros, com o nosso irmão Pedro me solicitando dizar aos pais Marcia e Marcelo, que, a semelhança do irmão Marcelo, ele se encontra muito bem, esclarecendo que ainda não escreveu a eles por absoluta falta de oportunidade.
Não se preocupem. Em maioria estamos todos bem, porque a escolha efetuada por nós foi uma escolha consciente, porque conforme lhes disse, anelávamos adentrar o Terceiro Milênio que começa com novas e mais amplas perspectivas de avanço espiritual.
Realmente ninguém deve ser considerado culpado pelo que nos sucedeu. Que o episódio naquela casa de espetáculos, em Santa Maria, simplesmente nos sirva de advertência para que sejamos mais cuidadosos, sobretudo, no respeito que nos cabe aos nossos semelhantes.
Não posso continuar. O meu tempo já se esgotou e preciso ceder lugar e vez a outro comunicante.
Com meu amor a vocês dois, mamãe e papai, sou o filho que não os esquece e que, em nome de dezenas de outros filhos desencarnados na mesma tragédia, agradecem tudo que vocês dois vem fazendo para confortar aos seus pais.
Com meu carinho e da Stefani, que já escreveu aos seus familiares, sou o filho sempre agradecido.”
Carta psicografada por Guilherme Pontes Gonçalves, recebida no Lar Espírita Pedro e Paulo, através do médium Carlos A. Baccelli – Uberaba, Minas Gerais, em 26 de julho de 2014.
Entenda
O incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, ocorreu na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013. A tragédia matou 242 pessoas, sendo a maioria por asfixia, e deixou mais de 630 feridos. O fogo teve início durante uma apresentação da banda Gurizada Fandangueira e se espalhou rapidamente pela casa noturna, localizada na Rua dos Andradas, 1.925.
O local tinha capacidade para 691 pessoas, mas a suspeita é que mais de 800 estivessem no interior do estabelecimento. Os principais fatores que contribuíram para a tragédia, segundo a polícia, foram: o material empregado para isolamento acústico (espuma irregular), uso de sinalizador em ambiente fechado, saída única, indício de superlotação, falhas no extintor e exaustão de ar inadequada.
Ainda estão em andamento dois processos criminais contra oito réus, sendo quatro por homicídio doloso (quando há intenção de matar) e tentativa de homicídio, e os outros quatro por falso testemunho e fraude processual. Os trabalhos estão sendo conduzidos pelo juiz Ulysses Fonseca Louzada. Sete bombeiros também estão respondendo pelo incêndio na Justiça Militar. O número inicial era oito, mas um deles fez acordo e deixou de ser réu.
Entre as pessoas que respondem por homicídio doloso, na modalidade de “dolo eventual”, estão os sócios da boate Kiss, Elissandro Spohr (Kiko) e Mauro Hoffmann, além de dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos e o funcionário Luciano Bonilha Leão. Os quatro chegaram a ser presos nos dias seguintes ao incêndio, mas a Justiça concedeu liberdade provisória a eles em maio do ano passado.
Atualmente, o processo criminal ainda está em fase de instrução. Após ouvir mais de 100 pessoas arroladas como vítimas, a Justiça está em fase de recolher depoimentos das testemunhas. As testemunhas de acusação já foram ouvidas e agora são ouvidas as testemunhas de defesa. Os réus serão os últimos a falar. Quando essa fase for finalizada, Louzada deverá fazer a pronúncia, que é considerada uma etapa intermediária do processo.
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