Há quase três anos, o Jornal Midiamax detalhou suposto esquema de propinas do -MS (Departamento Estadual de Trânsito de ) que foi alvo da Operação Gravame – da Polícia Civil – nesta quarta-feira (12). Alterações em características e fraudes na documentação de veículos que nunca estiveram em Mato Grosso do Sul geraram investigação de servidores.

A reportagem do Jornal Midiamax, de outubro de 2020, trouxe relatos de despachantes que alegavam pagamento de propina aos servidores do Detran-MS. O dinheiro seria pago para legalização de mudanças de veículos, que saíam emplacados em MS com endereços falsos.

O esquema chamou atenção dos ‘concorrentes' de outros estados, pois driblava até mesmo o sistema de controle de vistorias do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito).

Isso porque o sistema utilizado pelo Detran-MS para controle do CSV (Certificado de Segurança Veicular) não teria comparação com o banco de dados nacional. Assim, os servidores estariam simplesmente ‘inventando' um número.

O que é o CSV? É o documento que garante a segurança nas alterações de características em um veículo, como inserir o uso de GNV (Gás Natural Veicular), mudar a medida das rodas ou o número de eixos em carretas e reboques, por exemplo.

Rede de alterações irregulares

Com números falsos, o Departamento de Trânsito de MS emitia alterações ‘esquentadas' no CRVL (Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo).

Para participar da rede de alterações, despachantes comentaram que o veículo nem precisava cruzar a fronteira de MS. “Não tem como competir com um esquema desse”, reclamou um despachante documentalista de São Paulo.

“É revoltante, porque o Detran de Mato Grosso do Sul é famoso por criar causo com os contribuintes de lá mesmo, onde clientes relatam que sofrem até para mudar coisas simples, como um farol de milha. Mas, para alterações de características complicadíssimas, como a inclusão de eixo em reboques, libera tudo na base da propina”, detalhou.

Então, voltamos ao ponto de que as supostas alterações são possíveis pela brecha da falta de conferência de informações do sistema nacional. Desta forma, seria possível emitir CSV das alterações, a fim de obter CRLV, mesmo que as alterações das características de fábrica não estejam dentro das regras estabelecidas pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia).

Endereços falsos

Mesmo com as ‘facilidades', os veículos precisam ser de pessoas ou empresas localizadas no Estado. Ou seja, só são emplacados em MS carros com endereços sul-mato-grossenses no documento.

Para isso, o esquema estaria utilizando sistematicamente comprovantes de endereço falsos. É o caso de uma empresa de que emplacou em MS um reboque de carreta com alteração no número de eixos.

Contudo, em consulta no banco de dados do Denatran, o número do CSV foi apontado como inexistente. Na época, o Midiamax foi até — endereço cadastrado no veículo. No local, a reportagem encontrou apenas um canteiro de obras onde um dia funcionou uma loja de veículos.

Além disso, conforme o CRLV, o reboque foi transferido para o nome do proprietário da empresa. Em 2020, constava com residência em Santa Catarina, mas aparece no Detran-MS com endereço em Dourados.

Ou seja, o dono da transportadora transferiu o veículo para ele mesmo, só para obter placas de MS e ‘esquentar' as alterações ilegalmente. Ouvido pelo Jornal Midiamax, um delegado de Polícia Civil com mais de 15 anos de carreira disse que ‘se houver determinação', a investigação chegaria aos implicados.

“Os esquemas do Detran geralmente deixam um rastro de provas incriminadoras gigantesco, porque alteram estados documentais facilmente verificáveis. Em algum momento, um registro foi alterado por alguém. Se quiser, pega”, resume.

Por fim, vale lembrar que em novembro de 2020, a Polícia Civil de São Paulo, por meio do Deinter-8 (Oitavo Departamento de Polícia Judiciária do Interior), deflagrou a Operação Transformers, para desarticular esquema de adulteração de semirreboques para aumento da capacidade de carga, tipo proibido de modificação. O esquema ‘parecido' foi desmontado após a reportagem do Midiamax.

Garantia de resultado positivo

Na época da publicação da matéria, o Detran-MS informou à reportagem que a Corregedoria de Trânsito instaurou procedimento, ‘dando início às investigações'. Porém, afirmou que apesar do Estado possuir sistema próprio, havia integração entre o sistema do Detran-MS e do Denatran.

Ainda sobre as investigações, o Detran-MS disse que o contexto não poderia ser divulgado para garantir ‘resultado positivo e exitoso, inclusive, com a responsabilização pelos crimes de inserir dados falsos no sistema: declaração falsa, falsidade de documento, de todos os envolvidos, quer sejam cidadãos comuns ou até mesmo funcionários, se comprovadas a participação no evento criminoso'.

Após quase três anos…

Quase três anos depois da publicação, desdobramento da Operação Gravame, cumpriu mandados e afastou servidores nesta quarta-feira (12). A operação foi deflagrada no dia 14 de junho, quando uma servidora foi alvo por receber propinas.

Desta vez, a operação cumpre mandados em Campo Grande, Dourados e Ponta Porã. Nesta ação são cumpridos mandados contra servidores de pedidos e afastamento dos alvos.

A investigação começou há 2 anos. Ainda não há informações sobre prisões e número de mandados a serem cumpridos. Em uma das fases da operação, foi descoberto um esquema de corrupção ativa e passiva, falsidade ideológica e inserção de dados falsos em sistemas de informação, do Detran. Conforme as investigações, uma servidora de Bela Vista é suspeita de receber propina para a realização de transferências irregulares de veículos.

Em nota o Detran afirma que assim que teve conhecimento das irregularidades a Corregedoria fez toda a investigação em conjunto com a Polícia Civil. Confira a nota:

“Mais uma vez o Diretor-Presidente do Detran-MS, Rudel Trindade, reafirma que não compactua com nenhum tipo de irregularidade praticada por servidores do órgão ou agente externo, e que os envolvidos devem ser punidos com o rigor da lei. Quanto aos servidores ativos do Departamento Estadual de Trânsito, além de responderem pelos atos no âmbito da investigação da Polícia Civil, serão submetidos a procedimentos administrativos.”

Irregularidades nas transferências de veículos

Carros e caminhões de outros estados eram encaminhados para transferência de unidade da federação ou de propriedade na agência de e, em seguida, com a participação da servidora, tinham os cadastros alterados, mesmo sem nunca terem circulado e nem terem sido apresentados para vistoria.

Outra fraude constatada foi a transferência de carretas para a inclusão fraudulenta do 4º eixo nas especificações do veículo, trâmite que, normalmente, depende até mesmo de um engenheiro e de aprovação pelo Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). 

Em oito meses, a servidora teria movimentado mais de R$ 200 mil e recebido pouco mais de R$ 30 mil como remuneração no mesmo período. Além da servidora, são alvos dos mandados de busca e apreensão ao menos quatro despachantes suspeitos de enviarem valores para que a funcionária realizasse os procedimentos ilegais.