Decisão da 3.ª Vara Federal de prevê a condenação a depositário fiel, responsável por guarda de avião, por “ato atentatório à dignidade da Justiça”, por informar despesas com o custeio e manutenção da aeronave que, de fato, não ocorreram.

A aeronave em questão, um Beech Aircraft BE58, havia sido apreendida durante a Operação Cavok –deflagrada em agosto de 2020 contra um grupo especializado no tráfico internacional de drogas a partir da fronteira entre e Brasil– e estava sob custódia judicial.

Sentença publicada nesta sexta-feira (15) no Diário de Justiça Federal explica que o depositário fiel havia sido destituído da função após 20 meses, com os valores a serem pagos pelo encargo sendo definidos após perícia e análise de documentos (como fotos ou imagens de câmeras de segurança, notas fiscais, faturas de peças e outras) entregues pelo novo responsável.

O MPF (Ministério Público Federal) opinou pela fixação apenas do pagamento de R$ 1 mil mensais pela hangaragem, já que não foi realizado nenhum serviço de manutenção na aeronave, que inclusive ficou foram da oficina.

Além disso, opinou pela fixação de pelo antigo fiel depositário pelo “ato atentatório à dignidade da Justiça”, como previsto no Código do Processo Civil, “pois ele agiu de má-fé com este juízo em suas informações, ao indicar como executados serviços que jamais o foram e de elevadíssimos valores”.

Avião com fiel depositário estava sem bancos e fora de hangar

De acordo com a sentença, equipe policial havia solicitado na oficina documentos comprobatórios das manutenções que tivessem sido efetuadas na aeronave apreendidas desde sua entrega. O depositário fiel antigo, porém, informou que não havia sido feita nenhuma manutenção desde a apreensão, mas sim inspeções de serviços visando ao apontamento do que se fazia necessário para repará-la.

O laudo apresentado atesta que não havia sinais recentes de manutenção ou reparos, “exceto pela troca de uma pequena chapa na raiz da asa esquerda”, com o avião na área externa, em pátio de uso comum e bancos e assoalhos desmontados.

Além disso, a ficha de inspeção preliminar/pré-ordem de serviço, preenchida de forma incompleta, indicava que, em 11 de agosto de 2020, a aeronave tinha meio tanque de combustível em cada asa. Na data da operação, não havia combustível.

Outros apontamentos indicam que a plaqueta do motor direito tinha sinais de manuseio nos rebites de fixação e o eixo do motor direito tinha sinais de adulteração da numeração. A bateria havia vencido em novembro de 2020, o mesmo ocorrendo com o extintor.

A ação ainda indica que a asa esquerda tinha uma chapa com sinais recentes de instalação e de folga na fixação, inviabilizando o uso do avião e as velas tinham sido substituídas por material anti-umidade.

Antigo depositário fiel foi acusado de má-fé em sentença

Com base nesses apontamentos, foi considerado que houve má-fé do antigo depositário por ter informado, em juízo, a manutenção e o uso de componentes e peças, o que não ocorreu. Para tanto, foram relacionadas várias pré-faturas com serviços relatados e entregues ao Judiciário.

“O laudo aponta apenas que as velas de ignição foram substituídas por material anti-umidade, o que indica o procedimento de preservação do motor – mas quanto a esse serviço específico de preservação, não foram encontradas as faturas dos gastos correspondentes”, anotou.

Apontou-se, assim, que a situação da aeronave –sem manutenção, com bancos e peças desmontados e em local externo, sem vedação– não condizia com as preocupações de manter o veículo em condições de uso. O responsável concordou com o pagamento pela hangaragem ao longo de 20 meses, de agosto de 2020 a março de 2022, no valor de R$ 1 mil mensais (R$ 20 mil).

As despesas com o avião devem ser consignadas no edital de hasta pública.

Por fim, o ato atentatório à dignidade da Justiça vem do fato de as partes em um processo exporem os fatos conforme a verdade, sem formular pretensão ou apresentar defesa quando cientes da destituição e cumprir com exatidão as decisões, provisórias ou finais, sem embaraços à sua efetivação.

“Nos presentes autos, o depositário agiu com má-fé perante este Juízo, ao apresentar fatos inverídicos, com o intento escuso de ressarcimento indevido, comportando-se de modo a tumultuar o andamento do processo, ocasionando atraso e embaraço à efetivação da decisão jurisdicional”, pontua a sentença, ao aplicar multa de 5% do valor da causa (R$ 500 mil, perfazendo os R$ 25 mil), deduzidos do valor de ressarcimento pelo encargo de depositário fiel. Cabe recurso.