Consórcio Guaicurus usa diesel mais poluente em 80% da frota em Campo Grande, aponta perícia
Enfrentando uma série de questionamentos na Justiça, o Consórcio Guaicurus – concessionária que opera o sistema de transporte coletivo de Campo Grande – tem descumprido resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) que estabeleceu novos padrões de emissão de poluentes de veículos. Pela normativa, o grupo de empresas deveria gradualmente substituir o diesel S500 […]
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Enfrentando uma série de questionamentos na Justiça, o Consórcio Guaicurus – concessionária que opera o sistema de transporte coletivo de Campo Grande – tem descumprido resolução do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente) que estabeleceu novos padrões de emissão de poluentes de veículos. Pela normativa, o grupo de empresas deveria gradualmente substituir o diesel S500 pelo S10.
Mas um laudo técnico pericial, ao qual o Jornal Midiamax teve acesso, mostra que o Consórcio tem ignorado a resolução. O diesel comum (S500) corresponde a 80% do uso da frota, além de parte dos veículos ainda serem modelos antigos muito poluentes. Esse caso já foi denunciado pela reportagem há quase um ano.
O pós-doutor em Engenharia de Transportes pela USP (Universidade de São Paulo) Daniel Anijar analisou o contrato de concessão, assinado em 2012, e elencou as violações que a concessionária tem reiteradamente cometido. Uma delas é justamente o cumprimento da normativa ambiental.
O que está na resolução
O Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores) para veículos pesados novos (P7) regulamentou que, a partir de 1º de janeiro de 2012, todos os veículos deveriam ser fabricados usando motores com tecnologia para reduzir as emissões de poluentes. Para isso, a ANP (Associação Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) lançou em 2013 o diesel S10, com teor mais baixo de enxofre, considerado bem menos poluente do que os outros tipos.
Na prática, isso representa a redução das emissões de material particulado em até 80% e de óxidos de nitrogênio em até 98%. Enquanto o diesel S500 possui teor de enxofre máximo de 500 mg/kg, o S10 contém 10 mg/kg.
O que fez o Consórcio
O especialista se debruçou sobre processos fiscalizatórios e relatórios da Agereg (Agência Municipal de Regulação dos Serviços Públicos) para verificar a taxa de uso do combustível. No procedimento de 2013-2014 para o reajuste da tarifa, 75,91% dos veículos usaram diesel comum e 24,09% foram abastecidos com S10.
Gradualmente, a concessionária foi aumentando o uso de S10. No exercício 2016-2017, foram 64,39% de diesel comum e 35,61% de S10. Mas acabou retomando o uso massivo de diesel comum. No último período analisado pelo perito, março de 2019, a proporção de S500 foi de 77,96% e a de S10, 22,04%.
Anijar chegou à conclusão que o Consórcio utiliza desde 2014 mais S500, na ordem de 70% a 80%. “O Consórcio Guaicurus […] não vem acompanhando a Resolução Conama nº.403/2008 e tampouco o Anexo II na substituição de veículos que utilizem motores com tecnologia para reduzir as emissões veiculares, utilizando-se o diesel S-10, que por sua vez não produz a mitigação do impacto ambiental em sua operação na minimização dos riscos ambientais que são prejudiciais à saúde e ao meio ambiente no município de Campo Grande”, detalhou.
O que está no contrato
Conforme o edital de licitação, que culminou na concessão vencida pelo grupo de empresas, há a previsão de que a concessionária cumpra modificações legais e de tecnologia, sendo recomendado o uso de tipos de diesel “que proporcionem maior economia, melhor desempenho e menor degradação ambiental”.
O perito reconhece que a substituição de qualquer frota leva tempo, logo, veículos fabricados até 2011 poderiam usar o S500. Além disso, o diesel S10 pode ser usado tantos em veículos novos como os mais antigos. Apesar de ser mais caro, as vantagens seriam inúmeras, como aponta o laudo. Por outro lado, os modelos novos podem ser danificados se rodarem com diesel comum.
“O Consórcio Guaicurus informa que ao longo do tempo a tendência é de se acentuar mais a utilização do diesel S10, sendo que a partir dos dados quantitativos apresentados, isto não vem acontecendo. Outra característica importante, mas que não há como se mensurar por falta de informações, é qual tipo (quantidade) de tecnologia de motor, diesel S500 ou S10, é mais predominante na frota operante e,da mesma maneira, da frota reserva”, explicou.
Por fim, Anijar lembra que o preço do diesel é um dos fatores da fórmula de reajuste do passe. Como grande consumidora, a concessionária poderia obter redução no momento da compra, além de ter tido um benefício fiscal no período.
Em 2018, o Governo do Estado reduziu de 17% a 12% a alíquota do ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) sobre o diesel.
“Neste sentido, torna-se imprescindível conhecer os custos associados (comprovantes de despesas) na compra de combustíveis pelo consórcio para poder então realizar um novo cálculo da tarifa de forma justa e ponderada. Portanto, as informações apresentadas ensejam reflexo no equilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão nº. 330/2012 e, para tanto, torna-se necessário realizar estudo para atribuir este reequilíbrio, que até o momento não fora realizado”, finalizou o perito.
O Jornal Midiamax procurou a assessoria de imprensa do Consórcio Guaicurus, que informou que não iria se manifestar.
Histórico
As denúncias de fraude no contrato de concessão do transporte coletivo urbano se acumulam desde que o Consórcio Guaicurus ganhou a licitação, em 2012. Todos os problemas relatados por passageiros, funcionários e servidores públicos foram alvo deste trabalho pericial que embasa duas ações na Justiça com a cobrança de R$ 500 milhões de indenização.
Os processos judiciais foram iniciados pela Associação Pátria Brasil, presidida pelo ex-vereador Vinícius Siqueira (PSL). No processo, o grupo empresarial terá que responder por suposto enriquecimento ilícito na exploração da concessão pública, e pelo descumprimento de previsões contratuais. O político diz que não tem “intenções eleitoreiras”, e justifica a opção pela ação na Justiça com a dificuldade de mobilizar órgãos responsáveis contra os desmandos do Consórcio Guaicurus.
Mesmo com vários indícios de irregularidades e até mesmo flagrantes denunciados em reportagens do Jornal Midiamax sobre a atuação da concessionária, por exemplo, a suspeita de descumprimento sistemático das regras da concessão pública recebe pouca ou nenhuma atenção nas instâncias que têm responsabilidade legal de fiscalizar ou regulamentar o contrato, como Agereg e Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito).
No MPMS (Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul), há dificuldade até mesmo para saber de fato quantos procedimentos correm ou foram concluídos sobre as denúncias contra o Consórcio Guaicurus e até membros do órgão admitem que a morosidade não é adequada à gravidade das denúncias e aos danos que supostamente continuam ocorrendo contra a coletividade em Campo Grande. Várias promotorias com áreas de atuação diferente poderiam e deveriam agir com relação às inúmeras reportagens publicadas.
Representada pelo advogado Pedro Garcia, a associação informou nas iniciais que acreditava na instauração da CPI do Consórcio Guaicurus que, apesar das inúmeras notícias divulgadas sobre superlotação, ônibus parados e antigos rodando, não prosperou.
Uma das ações civis públicas pede que o Consórcio cumpra, de fato, o contrato e recalcule o valor do passe de ônibus após a perícia apontar as supostas irregularidades na composição da tarifa, além do cumprimento de limite de quilometragem ociosa prevista no contrato, de 8%, fiscalização da Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) impedindo que os veículos sejam estacionados ao lado dos terminais, seja obrigada a retirar a frota velha de circulação, mostre os comprovantes de pagamento da outorga do serviço à Prefeitura de Campo Grande e implementação de integração adequada do serviço.
A outra ação pede busca e apreensão de documentos como balanços contábeis e contratos de publicidade, além de laudos de manutenção e abastecimento da frota na sede das empresas do Consórcio, e de indenização por dano moral coletivo no importe de R$ 500 milhões, cujos valores deverão ser revertidos ao Município de Campo Grande.
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