Depois do presidente Jair Bolsonaro (PSL) criar polêmica com a indicação do filho ao cargo de embaixador e do filho do vice Carlos Mourão ascender no após 20 anos de carreira, é a vez do ministro da Saúde (DEM) ser apontado por usar contatos e respaldo do ministério para favorecer o escritório de advocacia da filha, que defende operadoras de planos de saúde.

O assunto foi trazido à tona em publicação da Revista Veja na edição 2654, que vai às bancas em 02 de outubro. Segundo a publicação, Marina Alves Mandetta formou-se em 2015 e está em plena ascensão profissional. O que trouxe à tona a interferência do pai nesse processo foi episódio da ida de Mandetta ao último congresso Associação Brasileira de Planos de Saúde com Marina a tiracolo.

O encontro ocorreu em agosto reunindo 150 empresas do setor para apresentarem demandas ao governo. Palestrante no evento, o ministro fez questão de mencionar a presença da filha. “O século XXI, gente, vai ser absolutamente fantástico. Nós vamos viver melhor. Nós vamos viver mais tempo. Eu vou poder curtir o Gabriel, aqui da minha filha, da Marina, que está aqui, muito mais tempo do que a minha mãe e o meu pai curtiram os seus netos”, aponta a reportagem.

Ao final de sua fala, a advogada distribuiu cartões aos participantes do congresso informando, inclusive, ter experiência no setor. “Não vejo nenhum tipo de conflito de interesse. Passei o meu contato a quem me pediu. As pessoas têm curiosidade e querem o contato da filha do ministro”, respondeu à revista. “Nós só atua­mos no contencioso judicial. Não fazemos nada no âmbito administrativo justamente porque a ANS [Agência Nacional de Saúde Suplementar] é subordinada ao Ministério da Saúde”, acrescentou.

O problema é que a ANS, subordinada a Mandetta, tem a missão de regulamentar a atuação dos planos de saúde, cujos maiores interessados são os clientes de Marina. “Não houve nenhuma referência à profissão de minha filha ou a sua empresa”, declarou o ministro à Veja, negando vincular-se à imagem da filha diante dos clientes. “Ela apenas atendia a um evento do qual seus clientes participavam, algo de rotina e público”, disse. A participação da advogada no congresso foi como convidada do ministro e não por meio de credenciamento de sua empresa.

A reportagem do Jornal Midiamax tentou entrar em contato com o ministro sobre o caso, mas ele não atendeu nem retornou ligações e mensagem.

Carreira solo

Sócia de um escritório de advocacia até o final do ano passado, Marina cuidava de processos da Unimed Rio, empresa que ela levou para a carteira da empresa. Em novembro de 2018, Mandetta foi anunciado ministro da Saúde. Um dia depois, a advogada formalizou saída do escritório e em 13 de dezembro abriu a Mandetta Advogados.

A Unimed Rio a acompanhou na mudança e neste ano ela conseguiu mais dois clientes do setor, a Unimed Seguros e a Central Nacional Unimed. Conforme a reportagem, a advogada passou a transitar com mais desenvoltura em Brasília e São Paulo, por vezes acompanhada do pai.

Direito público

Sem mencionar nomes, a revista consultou advogado mestre em direito público pela Federal de Pernambuco e presidente da Comissão de Ética Pública entre 2016 e 2018, o advogado Mauro de Azevedo Menezes, sobre o caso.

Na avaliação dele, o enredo apresentado é ‘gravíssimo', visto que a legislação proíbe uso do cargo em benefício próprio ou de familiares e a situação pode inclusive ser configurada como improbidade, com implicações na esfera penal.

“Eu acho que está se bana­lizando no Brasil, infelizmente, a violação da fronteira entre público e privado em altas esferas, e isso é uma crise na nossa República”, afirmou à revista, que relembrou o caso de troca de favores a familiares de integrantes do governo no caso da Odebrecht com parentes do ex-presidente Lula. A publicação admite, entretanto, que não há indícios de que esse seja o objetivo das operadoras de plano de saúde ao contratarem o escritório da filha do ministro.

Em 2016, Mandetta foi presidente da Unimed Campo Grande. Nesse mesmo ano, avisou a filha da concorrência e ela se sagrou vencedora. No ano passado, ele ouviu pleito de diretores da Unimed para que governo libere parte de reserva financeira de emergência que as operadoras de planos de saúde são obrigadas a manter.

No caso da Unimed, são R$ 8 bilhões de reais parados. Outro pedido é a desregulamentação do setor, para facilitar os reajustes por faixa etária. No congresso onde Mandetta esteve acompanhado da filha, o ministro manifestou-se favorável aos pleitos. Mas, garante que não há relação entre sua posse e a ascensão da filha, pois alega que ela conquistou clientes na área da saúde exclusivamente pela sua competência.