Empresário ofereceu aluguel de R$ 35 mil ao MPE-MS, que escolheu pagar R$ 80 mil
Corretores revelaram que aluguel foi supostamente ‘acertado’ antes mesmo de construção
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Corretores revelaram que aluguel foi supostamente ‘acertado’ antes mesmo de construção
Aumentam os indícios de suposta ‘carta marcada’ na escolha do prédio que o MPE-MS alugou por R$ 80 mil mensais. Além da ausência de publicidade sobre o processo que justificou a dispensa de licitação, denunciada por corretores de imóveis, agora um empresário do setor imobiliário revelou que ofereceu imóvel semelhante ao ‘escolhido’ com aluguel de R$ 35 mil.
Quase o mesmo tamanho, localização central e 20 vagas de estacionamento. Essas são as características do prédio que o empresário garante ter oferecido ao MPE-MS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul) em fevereiro deste ano, informando que o aluguel seria de R$ 35 mil mensais. Ele conta que a oferta sequer foi detalhada antes de ser recusada. A justificativa? Segundo ele, o órgão teria afirmado que não estaria procurando imóveis para alugar.
No entanto, sete meses depois, o Ministério divulgou no diário oficial que alugaria um prédio de três andares no Bairro Miguel Couto, em Campo Grande, sem licitação e com aluguel de R$ 80 mil por mês. O empresário, Carlos Roberto Charles Figueiredo Gonçalves, tentou oferecer um imóvel que pertence à filha dele.
Charles é um dos mais tradicionais empresários do setor imobiliário de Campo Grande e teve imobiliária durante vários anos operando em MS. Quando se separou, o prédio que era sede da empresa dele, na Rua Pedro Celestino, a poucos metros da avenida Afonso Pena, ficou para a filha.
Um corretor, amigo do empresário, teria oferecido o imóvel ao órgão, numa conversa supostamente intermediada por uma promotora de Justiça.
“Ele [corretor] disse que a doutora falou apenas que o Ministério Público não estaria interessado em alugar nenhum prédio. Meses depois, a gente vê que alugou um, quase do mesmo tamanho, em uma área não tão central, a R$ 80 mil. Meu prédio tem acabamento de primeira linha, é central e custaria menos da metade por mês, R$ 35 mil reais”.
Carlos diz ainda lamentar o desinteresse do poder público em alugar um imóvel que atenderia tanto quanto o outro por um preço bem menor. “A gente fica triste em ver o país atolado na corrupção como está. Se não tem interesse em alugar mais barato, me parece um caso de possível carta marcada, não é mesmo?”, questiona Charles.
O Ministério Público nega tudo. Em nota oficial, garantiu que cumpriu todos os trâmites exigidos em lei com um processo administrativo com numeração de 2014, incluindo envio de cartas a imobiliárias e avaliação para assegurar o melhor preço. Mas o processo indicado nunca apareceu em comuicados oficiais públicos do MPE-MS até o último dia 11 de setembro, quando foi citado no Diário Oficial do MPMS.
Mais que o dobro
Se comparados os preços, o metro quadrado do prédio do Centro sai a R$ 19,85. Já o prédio do bairro Miguel Couto, de difícil acesso para a população que depende do transporte coletivo, por exemplo, sai a R$ 43,01 o metro. Mais que o dobro.
O imóvel de Carlos tem 1.762 metros quadrados de área construída, 20 vagas de garagem no subsolo, 20 banheiros e quatro andares. “O acabamento é fino. Todo mundo sabe que as vezes o prédio precisa de adequação. Nós faríamos, mas eles [Ministério] disseram que não estavam alugando”.
Segundo o empresário, o corretor afirmou que entrou em contato com ele justamente por ‘ouvir dizer’ que o Ministério estava buscando um prédio. O imóvel, que fica na Rua Luiz Freire Benchetrit, tem cerca de 1,8 mil metros quadrados de construção, três andares e 24 salas.
“Eu trabalhei por anos no setor e é uma incoerência o preço do metro quadrado do bairro ser maior que o do Centro”, pontua Carlos Charles.
Orçamentos?
Em nota, o Ministério Público afirma ter encaminhado cartas-convite para várias imobiliárias de Campo Grande solicitando prédios para alugar. O mesmo prédio teria sido ofertado ao Ministério mediante a carta, mas teria sido recusado. Ninguém sabe o motivo.
O Jornal Midiamax entrou em contato com as outras quatro maiores imobiliárias da Capital. Apenas a escritório da Humberto Canale Júnior afirmou ter recebido o tal convite. O responsável pelo setor informou que não tinha disponível o prédio com as especificações pedidas pelo órgão, e que acabou inutilizando o documento com a proposta, sem responder por não ter prédio semelhante ao pedido. “Lembro apenas que eram muitas especificações”, explicou.
Já em maio, corretores anteciparam à reportagem que um processo burocrático detalharia condições bastante específicas para supostamente privilegiar o prédio que já teria sido ‘acertado’ desde antes do início da construção. “É uma prática muito comum em editais suspeitos que eles mesmos, do MPE-MS, investigam, essa de colocar detalhes específicos para limitar a concorrência”, disse à época um corretor que previu com exatidão quem levaria o contrato de locação.
O imóvel alugado pelo órgão é da Multiplik Empreendimentos Imobiliários, de Wilson Fontoura. Em maio, o empresário disse à reportagem que não tinha nada acertado com o Ministério Público, mas negou que tenha sido consultado pelo órgão sobre o aluguel. “Ainda não. Na verdade, estou tentando alugar com eles, também. É um prédio comercial de quatro pavimentos e estou fazendo tratativas, por enquanto”, desconversou.
A proposta, segundo a outra corretora de imóveis, foi encaminhada entre março e abril. Ou seja, antes mesmo do contato com o empresário, que então negou qualquer consulta por parte do Ministério Público Estadual de MS.
Denúncia de corretores
Segundo corretores de imóveis e construtores, a publicação do último dia 11 de setembro anunciando um procedimento administrativo que dispensou licitação para o aluguel no Diário Oficial do MPE-MS seria uma tentativa de ‘remendar’ burocraticamente a decisão de contratar um imóvel ‘de boca’. “Infelizmente vão justificar com uma papelada, mas o fato é que fizeram como muitos políticos fazem. Uma negociata fechada sem publicidade como manda a lei 8666/93”, diz um investidor que possui imóveis na região do prédio.
“Eles chamaram o cara e negociaram a construção na planta. Eu aceitaria, se tivesse havido um chamamento público, como manda a lei. Eles podem inventar essa papelada lá dentro, aparecer com processo antigo, mas sabem que nunca publicaram nem num mural que queriam alugar um imóvel nessas imediações. E se eu construísse o mesmo prédio cobrando menos? Não tive a chance de concorrer, como a lei das licitações deveria me garantir. E fica vergonhoso ver essa prática justamente no gabinete do Procurador-Geral. Ele devia dar exemplo”, reclama.
“O que aconteceu foi o seguinte. O Ministério Público estava procurando desde o ano passado quem construísse o prédio para eles. Chegaram com a proposta para construir o prédio. É um caso de carta marcada, não tenho dúvida”, diz outro empresário do setor.
A reportagem encaminhou e-mail no último dia 15 de setembro para a assessoria do MPE-MS, Procuradoria-Geral de Justiça, Corregedoria e Ouvidoria do órgão e para a ASMMP (Associação Sul-Mato-grossense de Membros do Ministério Público) questionando se houve contato do corretor sobre o aluguel do imóvel do Centro e se a promotora de Justiça de fato intermediou o contato, supostamente negando a intenção do Ministério em alugar um espaço para as promotorias, e aguarda as respostas, que serão prontamente publicadas aos leitores.
Também foi procurado o dono do imóvel alugado para o Ministério, mas ele não estava no escritório da empresa e não retornou as ligações.
Lavando as mãos
Sobre o processo e as denúncias e suspeitas que rondam a contratação, a Corregedoria-Geral do órgão em MS se limitou a informar que os atos administrativos praticados pelos membros do Ministério são fiscalizados pelo TCE-MS (Tribunal de Contas Estadual de Mato Grosso do Sul).
“As eventuais irregularidades funcionais praticadas no âmbito da Procuradoria-Geral de Justiça são de competência do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) e cabe à Corregedoria-Geral do MPE-MS orientar e fiscalizar os atos dos membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, referentes à atividade fim dos órgãos de execução”.
Não há na nota oficial da Corregedoria-Geral, informação de que tenha sido feito eventual comunidado aos órgãos citados sobre o caso.
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